Bruna Santamarina, Carolina Frossard, Luigi Ferrarese e Yasmim Rosa - Do Portal
11/03/2010Festejada com pompa, a escolha do Rio como cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016 impõe ao poder público, à iniciativa privada e aos cidadãos uma coordenação de esforços para consumar os desafios proporcionais ao reconhecimento internacional. Especialistas indicam os caminhos para cumprir os deveres de casa, desde a construção de novas estruturas esportivas até o aprimoramento da infraestrutura urbana.
O país tem seis anos para mostrar ao mundo capacidade de abrigar uma manifestação desse porte. O professor de Engenharia Civil da PUC-Rio Khosrow Ghavami espera que o plano de obras leve em conta as especificidades brasileiras. Para ele, não basta copiar o que é (bem) feito nos principais centros do Hemisfério Norte:
– Temos um clima tropical. Devemos construir estruturas sustentáveis. Temos que pensar em pontos como direção do sol, arejamento, umidade. Devemos procurar tecnologias não convencionais e mudar a linha de pesquisas. Construímos nos baseando em materiais dos Estados Unidos e da Europa.
Um dos maiores desafios apontados por especialistas é a melhoria da infraestrutura. O sistema de transportes está entre as prioridades. Para torná-lo mais eficiente, não basta aumentar a malha rodoviária:
– Deve haver a expansão do metrô e a ligação da AP3 (que inclui áreas como Bonsucesso e Penha) ao resto da cidade. Pelo menos trazer melhorias nas condições de transporte para 40% da população. É preciso, portanto, mudar o eixo do transporte rodoviário para o de trilhos – afirma o economista Luis Martins de Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ele ressalta que a festa pela escolha deve ser acompanhada de um trabalho sério para corresponder à responsabilidade de acolher uma Olimpíada:
– Temos a ideia mágica de que ganhamos e está tudo ótimo. Não é bem assim. É o início de um longo trabalho.
A estrutura receptiva aos turistas também precisa ser ampliada. O ponto foi um dos que envolveram mais questionamentos do Comitê Olímpico Internacional (COI). O professor Eduardo Vilela, da Universidade Federal Fluminense, considera a oferta atual da cidade não apenas insuficiente, mas também de um baixo nível de qualidade:
– É preciso investir muito nessa área. O que pode ajudar é a vinda de transatlânticos para a cidade, o que gera mais turistas, e, o mais importante, não ocupa os quartos dos hotéis. Mas, para isso, o porto precisa ser modernizado. O projeto da rede hoteleira pode ser resolvido com investimento privado e a ampliação de créditos, principalmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A experiência das últimas edições de Jogos Olímpicos mostra que o nível de exigência é mais alto do que em outras competições esportivas. Sidney Garambone, editor executivo do Esporte Espetacular, cobriu a edição de Pequim, no ano passado, e ressalta a necessidade de se ter um plano de ação detalhado:
– Não é como assistir a um Fla-Flu no Maracanã. Tudo é muito bem feito. Na China, havia um sistema para se chegar ao local de competição, o lugar era reservado. É realmente coisa de primeiro mundo. Os Jogos Pan-Americanos são café-com-leite em comparação às Olimpíadas.
Sediar os Jogos Olímpicos abre perspectivas para um aporte de investimentos. O orçamento prevê o gasto de US$ 14,4 bilhões. A verba é mais do que o dobro da projetada por Tóquio e Madri. A candidatura de Chicago era a mais barata: US$ 4,8 bilhões.
O orçamento final para os Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Janeiro em 2007, foi cerca de dez vezes maior do que o projetado. Luis Martins de Mello credita esse aumento a uma aposta em grande afluxo de capital privado, o que não se confirmou. Para as Olimpíadas, ele espera um final diferente:
– O erro não foi repetido. O orçamento desta vez leva em consideração um maior investimento público.
Uma das principais justificativas para a candidatura aos Jogos são os benefícios em infraestrutura pública e esportiva. Eduardo Vilela alerta para a necessidade de que o legado seja maior que o do Pan 2007. O planejamento não deve se centrar apenas na realização das competições.
– O pós-Olimpíadas também precisa ser pensado com relação à estruturação da cidade. Não adianta construir grandes espaços, que depois não serão usados em prol da sociedade. O país precisa de mais esportistas, não só jogadores de futebol – acredita.
Para a realização da Rio 2016, a cidade precisa investir na construção de instalações olímpicas. Segundo relatório do COI, das 34 estruturas que compõem o projeto brasileiro, apenas 18 já estão prontas para receber um evento dessa grandiosidade. Oito espaços precisam de reformas. Outros dezesseis serão construídos especialmente para abrigar a competição, sendo sete temporários.
As praças esportivas dos Jogos Pan-Americanos não foram preparadas para uma posterior campanha olímpica. O parque aquático Maria Lenk, por exemplo, construído para a competição de 2007, não tem dimensões adequadas para ser utilizado em 2016.
– Não houve legado do Pan. O controle da maior parte das estruturas passou para a iniciativa privada. As outras estão subutilizadas – critica Garambone.
Algo que pode atrapalhar o planejamento para os Jogos Olímpicos é a proximidade com a Copa do Mundo, que será realizada no Brasil em 2014. O professor Luiz Francisco Leo, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, tem ressalvas à atuação em duas frentes:
– A concomitância de dois eventos de grande porte atrapalha a alocação de recursos. São duas grandes marcas sobrepostas em um curto espaço de tempo e isso pode causar dificuldades logísticas. O ideal é que haja sinergia e que os dois eventos compartilhem parceiros, mas não sei se é isso que vai acontecer.
A edição dos Jogos Olímpicos de 2016 caracteriza-se pela proposta de amenizar o impacto ambiental. O slogan “Jogos verdes para um planeta azul” é ponto de partida para uma série de medidas. O projeto carioca prevê a recuperação do sistema lagunar da Barra da Tijuca e da Baía de Guanabara e a neutralização das emissões de carbono pelo plantio de 24 milhões de árvores, sendo 3 milhões só na Floresta da Tijuca. O plano de gestão de sustentabilidade prevê, ainda, a utilização ampla de fontes de energia renovável.
– Tempo e recurso existem, mas dependemos da seriedade do Comitê Olímpico. A sociedade também precisa mostrar que está atenta, que vai fiscalizar as obras de perto. Caso contrário, haverá corrupção. Temos exemplos do Pan e da Cidade da Música. As pessoas ficam inertes quando escândalos vêm à tona – aponta Fernando Walcacer, professor de Direito Ambiental e vice-diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (NIMA) da PUC-Rio.
Luis Martins de Mello também demonstra preocupação com os gastos públicos e o respeito ao plano de metas imposto pelo COI. Segundo ele, cabe ao povo brasileiro exigir transparência:
– A sociedade civil deve fazer pressão para que o governo cumpra o projeto em prazo e orçamentos inicialmente estipulados.
São muitos os desafios, e de grandes proporções. A sete anos da primeira edição olímpica na América do Sul, o Brasil tem tempo para determinar que legado restará dos Jogos.
– Nossa maior preocupação agora deve ser escolher se vamos entrar para a história e olhar para trás com orgulho ou perder as prioridades sociais e passar vergonha – define Garambone.