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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Esporte

Cobertura esportiva no rádio deve investir em interatividade

Lucas Paes e Carolina Ernst - aplicativo - Do Portal

18/04/2016

 Carolina Ernst

Há pelo menos dez anos a mídia tradicional busca novos formatos e modelos de negócios compatíveis ao inexorável avanço do consumo de informações e entretenimento nas plataformas digitais, sobretudo as móveis (smartphones e tablets). Sete entre dez brasileiros conectados sistematicamente à internet se informam sobre as notícias básicas, prioritariamente, pelas redes sociais, aponta pesquisa divulgada pela agência Reuters no ano passado. Para contemplar estas mudanças no comportamento de consumo, o rádio precisa estreitar a articulação com a web. Assim acreditam profissionais da área reunidos, na PUC-Rio, para debater os rumos do radiojornalismo esportivo às vésperas de uma cobertura olímpica (veja a íntegra). Para o ex-gerente do Sistema Globo de Rádio e criador do programa Rock Bola Sérgio Carvalho, o Brasil ainda não está no mesmo nível de países como Estados Unidos, França e Inglaterra, mas já apresenta evolução:

– Ainda não observo aqui um trabalho alinhado entre emissoras de TV e de rádio, por exemplo. É um processo embrionário. Em Nova York, a WFAN, voltada aos esportes, pertence à CBS e tem vínculo com um clube de beisebol da cidade. Ao mesmo tempo em que interage com a televisão, a emissora também provê conteúdos relacionados à equipe – exemplifica.

O cruzamento com outras mídias promoveu a incorporação de tecnologias, usadas inicialmente para televisão e internet, na radiodifusão. Os serviços por demanda, popularizados pelas TVs com vídeos sob demanda (on demand, VOD), agora também permitem acessar, por páginas eletrônicas ou aplicativos, os programas de rádio já veiculados. O advento das web rádios, com transmissões só pela Internet, reforça a integração.

Um dos desdobramentos gerados pela convergência é a mudança no perfil do consumidor de informações. O ouvinte interage com o produtor da mensagem: opina, sugere, critica, por meio de ferramentas como redes sociais. Consagrada pela internet, a interatividade ganha espaço crescente nos programas e nas estratégias das emissoras tradicionas de rádio, inclusive naquelas associadas ao esporte. Dinâmicas interativas incorporam-se às, como se diz, jornadas esportivas e não raramente reforçam a parcela de show dessas transmissões, avaliam, de forma unânime, o locutor Edson Mauro, do Sistema Globo de Rádio e o jornalista, escritor e colunista Roberto Assaf, além de Sérgio Carvalho. Reunidos na PUC-Rio a convite dos jornalistas Célio Campos, professor de Laboratório de Rádio, e Alexandre Carauta, de Jornalismo Esportivo, eles ressaltam que os novos rumos do radiojornalismo derivam, sobretudo, da mudança representativa no consumo de rádio. Edson Mauro sintetiza: 

Carolina Ernst  – O rádio saiu das casas. Hoje, os grandes aliados desse meio são a internet, o celular e, principalmente, o automóvel. Engarrafamentos monumentais, em todo o mundo, fazem com que as pessoas ouçam os programas nos carros. Já os aplicativos permitiram que os ouvintes se livrassem dos aparelhos maiores e tivessem uma portabilidade maior. Hoje até o WhatsApp faz rádio – destaca o locutor esportivo da Rádio Globo

Ainda em relação à mobilidade, Sérgio Carvalho acrescenta que, graças às novas tecnologias digitais, a informações em áudio chegam em "tempo real" ao celular e cada vez se agregam a negócios de outra natureza, como os serviços de áudio pela internet Deezer e Spotify.

Linguagem resiste às mudanças

O jornalista e escritor Roberto Assaf podera que a articulação entre as plataformas de mídia não foi inventada pela internet. Crônicas esportivas dos jornais impressas, lembra ele, não raramenteponto eram feitas com base nas avaliações dos comentaristas do rádio. Assaf reconhece, contudo, que a internet injetou um volume de informações muito maior, boa parte delas encaminhada pelos próprios usuários. Neste sentido, os profissionais reunidos na PUC-Rio ressalvaram que a interatividade crescente, e estratégica para os objetivos comerciais das emissoras, não significa abdicar da verificação e da contextualização indispensáveis à cobertura jornalística – inclusive as associadas as transmissões esportivas, tradicionalmente marcadas pelo formato de show.

Carolina Ernst Sérgio Carvalho reitera que, a despeito das novas tecnologias e do consumo capitaneado pela internet, o casamento entre informação e entretenimento – conhecido na literatura científica como infotainment (infotenimento) – se mantém um traço forte da jornada esportiva. Na avaliação do criador do Rock Bola, “a informação é prioridade, mas o pacote que a cerca faz diferença”:

– Uma dose de show é necessária, mesmo em emissoras de perfil mais sóbrio. Na CBN, por exemplo, a música que abre cada programa se relaciona com o estilo do conteúdo, pela suavidade ou agitação apresentada – explica Carvalho, que coordenou a montagem da estrutura da Central Brasileira de Notícias para a cobertura dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996.

Edson Mauro é dos locutores que dão fôlego ao infitenimento. Há mais de meio século, desde que começou a narrar jogos, aos 15 anos, numa rádio de Aracaju, ele participa de transmissões que compensam a ausência de imagem com recursos de vibração. Tanto que se tornou um dos mais pródigos inventores de bordões do rádio esportivo brasileiro. O mais recente é a "jogada safadona", uma alusão positiva e bem-humorada ao fenômeno pop Wesley Safadão. 

– Na televisão, o jornalista não pode errar, porque cobre com sua voz as imagens. Já no rádio, nós, narradores e comentaristas esportivos, somos os criadores das imagens. Por isso, a riqueza de detalhes é importante, enche a transmissão. Cada jogo tem sua história, e os bordões, ferramentas de quem trabalha com as palavras, são um instrumento de retenção do público – justifica o craque das palavras.

Se a vibração e os bordões resistem às mudanças de consumo e de modelo de produção derivadas das tecnologias digitais, por outro lado, alguns formatos, como as tradicionais mesas-redondas, são confrontados por incertezas. A profusão de blogs e redes sociais deu voz aos tornecdores e banalizou as opiniões sobre a ecologia do futebol. A própria mídia tradicional amplia o espaço a blogueiros e comentaristas forjados na internet, em especial aos campeões de seguiddores. Para se diferenciarem, sugere Assaf, as mesas-redondas do rádio e da televisão “precisam se dedicar a uma análise profunda dos fatos, explorando ângulos que vão além de descrever aquilo que o público já viu ou ouviu anteriormente”.

Já Edson considera não menos importante “a química entre os debatedores, piois é ela que leva à audiência”. EAlém Sérgiio Carvalho concorda que a "química" faz diferença, mas acrescenta: talvez o principal cuidado seja adequar o formato do programa ao público já muito influenciado pela internet, pelas redes sociais.  

Carolina Ernst – O Rock Bola, por exemplo, era destinado a jovens que queriam informações sem grande aprofundamento. Pensado dessa maneira, o programa foi um sucesso. A presença de um apresentador irônico (Alex Escobar, então locutor da rádio JB) funcionou como uma forma de nos aproximarmos do público pretendido – recorda o idealizador do programa que rejuvenesceu o formato de mesa-redonda no rádio..

Às projeções apocalípticas sobre o futuro do rádio, em meio ao transbordamento de informações na internet, Edson Mauro contrapõe a História: “Disseram que a televisão mataria o cinema e, depois, que a internet acabaria com a teklevisão. Mas o meio não morre, e sim se ajusta a novas tecnologias e a novos comportamentos. Cada um toma uma direção própria”. Sérgioo acredita que, tão estratégico quanto o desenvolvimento de fornatos e produtos ajustados ao consumo crescente de informações nas plataformas digitais, revela-se o investimento a "conteúdos aprofundados", os quais adicionem "valor ao carrossel de notícias e comentários em blogs e redes sociais". 

– A notícia virou uma commodity, ou seja, um produto banal, básico, a menos, claro, que seja exclusiva. Portanto, o rádio, e de certa forma toda a mídia tradicional, deve investir em conteúdos exclusivos, mais detalados e mais analíticos, que prevaleçam no hoje bastante concorrido mercado da informação.