Larissa Fontes e Maria Silvia Vieira - aplicativo - Do Portal
11/03/2015Natural de São Gonçalo, Larissa Maria Franco, de 21 anos, passou em Turismo na Uerj de Teresópolis em 2012. Sustentada à distância pelos pais, morou em uma república com três jovens na mesma situação. Mas, já no segundo período, devido aos custos, ela precisou retornar à cidade natal e abandonar o tão sonhado curso. Histórias como a de Larissa se repetem em todo o país. Em 2008 ingressaram 2,3 milhões de estudantes no Ensino Superior no Brasil, e, cinco anos depois, apenas 991 mil concluíram a graduação. De acordo com o Censo da Educação Superior, 40% dos estudantes que entram nas universidades públicas e 30% nas instituições privadas abandonam o curso. Ainda pelos dados divulgados pelo Ministério da Educação, houve redução de 5,9% no número de estudantes que concluíram a instrução superior no Brasil entre 2012 e 2013, apesar do aumento do número de matriculados.
Questões econômicas e deficiência na formação do Ensino Médio são os principais motivos por trás do fenômeno da evasão, e, segundo os especialistas, a permanência dos alunos depende de incentivos e investimentos na área da educação. Especialista em políticas educacionais, Alicia Bonamino, professora do Departamento de Educação da PUC-Rio, enxerga a evasão universitária como um fenômeno que ganha força conforme o aluno avança nos níveis de escolaridade. As etapas anteriores de ensino, nos quais a qualidade é atestada desde 1995 por avaliações nacionais como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), são a origem do problema. O Índice da Educação Básica (Ideb), calculado em cima das notas das provas dos alunos, ficou abaixo da meta de 3,9 (3,7), nas redes pública e privada. O índice apontou ainda que o Ensino Médio piorou em 13 estados do país.
– O diploma do Ensino Médio não garante a suficiência de competências do candidato ao Ensino Superior, o que cria dificuldades de adaptação e acompanhamento do curso.
Membro da diretoria do Fórum Brasileiro de Pró-Reitores de Graduação (ForGRAD), a professora Daniela Vargas, coordenadora central de Graduação da PUC-Rio, acredita que o descasamento entre o resultado do Ensino Médio e o que é esperado do aluno na universidade seja fator determinante para o aumento da evasão. Para ela, a reforma do Ensino Médio, que já está no Plano Nacional de Educação, é a solução para estancar essa evasão em longo prazo. O impasse é a questão econômica: mesmo com o aumento da oferta de vagas, com a expansão da rede privada na gestão de Fernando Henrique Cardoso e a universalização do ensino público superior nos governos petistas, a vida universitária requer investimentos em mobilidade, alimentação, livros e outros, que dificultam a permanência dos alunos.
Universitários que trabalham e estudam também enfrentam desafios para concluir o Ensino Superior. Daniela destaca o aumento de cursos noturnos como forma de incentivo para permitir que o estudante trabalhador concilie os horários e, que assim, possa assistir às aulas e se sustentar. Por outro lado, ela avalia que as políticas de permanência têm se mostrado deficientes. As bolsas-permanência são dadas apenas aos cursos de turno integral, essencialmente o de medicina (leia também: Educação exige mais do que o aumento de recursos previsto).
– Dessa forma parece que os alunos dos demais cursos têm tempo para trabalhar e estudar, mas sabemos que isso não é verdade. Não é só o custo de uma mensalidade, mas o custo de ficar quatro ou cinco anos sem trabalhar. A bolsa-permanência é fundamental para garantir que esse aluno se dedique integralmente à faculdade, principalmente nos dois primeiros anos.
Para a doutora em Educação pela PUC-Rio Hustana Vargas, coordenadora do Laboratório sobre acesso e permanência da Universidade Federal Fluminense (LAP/UFF), a existência de bolsas e incentivos indica que o poder público reconhece as dificuldades de permanência no Ensino Superior para determinados setores sociais. No sistema federal, Hustana cita o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e o Programa de Bolsa Permanência (PBP) como ações de incentivo. No sistema particular, o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Programa de Financiamento Estudantil (Fies), são os principais. A professora, que estuda a Democratização do Ensino Superior, pondera que somente pesquisas específicas poderão estabelecer correlação entre permanência e condição financeira de bolsistas, mas o crescimento desses programas na última década pode sinalizar uma tendência:
– Alguns resultados de pesquisas já apontam para uma maior taxa de diplomação entre bolsistas e cotistas.
A professora Alicia aponta limitações nas políticas de financiamento, ainda insuficientes para manter os alunos de baixa renda dentro das salas de aula, mesmo nas universidades públicas. Por outro lado, destaca também motivos sociais. Ela estima que metade dos alunos das instituições privadas esteja fora da faixa etária típica de 18 a 24 anos, porque muitos deles ingressaram tardiamente ou retornaram para concluir um curso abandonado, ou ainda para melhorar a qualificação com uma segunda graduação.
– Isso pode explicar, em parte, a diferença entre o número dos que se matriculam e o número dos que se formam quatro ou cinco anos depois.
Além da necessidade de ingresso no mercado de trabalho, restrições financeiras e dificuldades para o aluno se manter na própria instituição de ensino, Alicia destaca fatores como maturidade, dificuldades de estudo e de identificação com o conteúdo do curso. Nesse último caso, a professora acredita que a cultura acadêmica se mostra carente de programas institucionais de permanência e orientação vocacional. Daniela Vargas concorda, e reconhece que os serviços de apoio psicopedagógico existentes são pouco divulgados, embora essenciais para a identificação daqueles alunos com problemas acadêmicos.
– Aqui na PUC temos o “PUC por um dia”, que serve para os aspirantes a universitários conhecerem os cursos. Muitas vezes eles nem sabem por que estão escolhendo a carreira ou não se sentem preparados para disputar vaga na carreira que realmente desejam.
Daniela enfatiza que os cursos com menores índices de evasão são aqueles em que a relação candidato-vaga é maior. Quando se trata de um curso mais concorrido, o aluno tem maior base para lutar pela vaga e se prepara melhor.
– Ao olharmos os dados do MEC, podemos perceber que os menores índices de evasão são os dos cursos de medicina.
Hustana aprofunda essa questão e explica que a menor evasão nesses cursos também está relacionada ao melhor preparo acadêmico dos alunos em razão da competitividade, o que elimina problemas relacionados a dificuldades acadêmicas ao iniciar o curso, e também a melhor perspectiva salarial e social, o que serve de incentivo para o aluno permanecer. Porém, faz uma ressalva quanto aos aumentos no número de vagas:
– Numa fase de aumento de vagas, o ingresso pode ficar facilitado, ensejando a entrada de alunos com déficit. Nesse caso, se a instituição não se adequar a essa nova realidade, nem mesmo os incentivos relacionados à futura carreira serão suficientes para manter o estudante no Ensino Superior.
De acordo com o Ministério da Educação, em duas décadas o número de cursos de medicina credenciados cresceu 82%. São Paulo é o estado com a maior concentração de oferta (33 cursos, públicos e privados). Mesmo assim, a competitividade no ingresso permanece grande. Em 2014, o curso de medicina na UFRJ teve a maior nota de corte no Sistema de Seleção Unificada, o Sisu.
Em razão da competitividade e dos custos, alguns alunos optam por entrar na área de saúde por meio de cursos técnicos. Esse foi o caso da aluna Julyana Queiroz Maciel, de 30 anos. Seu primeiro ingresso foi na faculdade de Direito, mas por razões financeiras precisou abandonar o curso. Sua outra opção era a saúde, mas desta vez ela escolheu um curso técnico, pois poderia concluir mais rápido e entrar logo no mercado de trabalho.
– Apesar de a renda não ser exatamente como a de um profissional com Ensino Superior, o mercado está muito aberto a esse tipo de formação. No hospital onde trabalho, por exemplo, nós estimamos que 60% do mercado ofereça vaga para profissionais de formação técnica, com remuneração razoável. É uma alternativa. O investimento financeiro é bem mais baixo, com formação muito mais rápida – diz a estudante.
Ela acrescenta que pretende ingressar no Ensino Superior, mas que isso só será possível quando sua renda for maior. Julyana pensa em fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ano que vem para o curso de farmácia.
O doutor em Administração Pública e governo Glauco Peres da Silva reconhece a importância do Ensino Superior, mas valoriza acima disso a formação de profissionais nas mais diversas áreas:
– O país precisa de bons profissionais nas mais diversas áreas, mas não é apenas o Ensino Superior que garantirá essa formação.
“Estudos têm mostrado que alunos cotistas evadem menos que os não cotistas”.
Segundo a pesquisa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj) sobre a Lei de Cotas (“O impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais – 2013”), após a instituição da lei houve um aumento geral no número de vagas reservadas de 23.591 para 59.432 vagas. De acordo com a coordenadora do LAP/UFF, Hustana Vargas, “os estudos qualitativos revelam uma ética de esforço e dedicação dos cotistas, em face da oportunidade aberta por um curso superior em universidade pública”. Por essa razão ela afirma que os alunos cotistas evadem menos que os não cotistas.
A professora Daniela Vargas lembra que instituições particulares já tinham programas de acesso há bastante tempo. No caso da PUC-Rio, há vinte anos já se oferecem vagas para bolsistas. Só na graduação, 42% de alunos têm bolsa, parcial ou integral (leia também: PUC-Rio tem 42% de estudantes bolsistas na graduação). Já nas universidades públicas não havia esse tipo de estrutura – a Uerj foi a primeira a abrir vagas para cotas, em 2003.
– Em geral as universidades privadas e, principalmente, as comunitárias já têm uma organização interna de acolhimento. São universidades que já estavam acostumadas a trabalhar com alunos bolsistas. Nas universidades públicas eles não tinham essa estrutura montada. Elas têm mais dificuldade porque dependem de verbas públicas para organizar e oferecer qualquer serviço complementar, bolsa de auxílio, dependem das condições de orçamento. Logo, o tempo de resposta para elas é maior – observa a especialista.
Aumentar o número de vagas parece mais fácil que atrair e reter alunos
Hustana afirma que estamos diante de um fenômeno de ajuste social. O ensino superior, secularmente ofertado nas capitais ou grandes centros, para os bem-nascidos, agora se espraia e tenta se abrir para novos perfis sociais. Porém não é suficiente aumentar o número de vagas, é preciso fazer com que esses alunos concluam o curso. Em 2012, a taxa líquida de matrícula (razão entre o número total de matrículas de alunos com a idade prevista para cursar determinado nível e a população total daquela faixa etária) no Ensino Superior estava entre 10% e 15%, ainda distante da meta de 33%, prevista no Plano Nacional de Educação até 2020.
A professora Daniela Vargas recomenda medidas para controlar a evasão, em curto, médio e longo prazo. Na primeira etapa, é importante que a universidade consiga detectar a intenção de desistência antes que ela se torne real, o que é possível com serviços de integração dos alunos em programas de apoio psicopedagógico. Já para médio prazo, deve investir em bolsas de permanência. Em longo prazo, a solução é pôr em prática a reforma do Ensino Médio, já prevista no PNE.
Daniela reforça que uma das causas para a evasão é a falta de preparo do aluno, o que o faz se sentir despreparado para concluir o curso. Isso poderia ser resolvido com a federalização da carreira de professor:
– A federalização da carreira de professor vai assegurar as condições de trabalho e principalmente um salário que compense. O que vemos é que não existe falta de emprego, e sim falta de condições de trabalho e perspectiva de uma carreira com remuneração digna. Com professores desmotivados, temos alunos desmotivados.
Hustana aponta que ainda faltam estudos que especifiquem o acompanhamento da evasão por cursos, de acordo com as características de cada um:
– Assim, talvez seja possível compreender de forma mais esclarecida as motivações da evasão nos diferentes cursos, particularizando-se, assim, o seu enfrentamento – ressalta.
As características do curso de comunicação social foram determinantes para a desistência da estudante de cinema Marcela Cadinelli, de 20 anos. Ela entrou na PUC-Rio no segundo semestre de 2013 e deixou o curso um ano depois. A ex-aluna não quis esperar os três períodos do ciclo básico para começar a ter aulas específicas de cinema. Apesar de sair da universidade, a jovem não desistiu da carreira, e continua fazendo cursos e desenvolvendo projetos artísticos com amigos.
– O curso de comunicação social da PUC é um curso excelente, porém eu sempre quis cinema e não aguentei esperar até o quarto período para ter aulas voltadas apenas para a minha área. Nesse semestre em que estive fora pude perceber que não basta cursar a faculdade, tenho que correr atrás também, e foi meu semestre mais produtivo. Espero que, quando voltar, eu consiga equilibrar esses dois pontos.