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23/10/2014Quem quer que vença as eleições terá pelos próximos quatro anos o desafio de reduzir a desigualdade entre pobres e ricos no país – que, como revelou pesquisa inédita desenvolvida este ano pela Universidade de Brasília, é maior do que se estimava, e está estacionada na última década. Até então, o Índice de Gini, que mede a diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres, era calculado a partir dos levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo IBGE. A nova metodologia, que utiliza também dados da Receita Federal recolhidos no Imposto de Renda, resultou em um diagnóstico mais preciso e menos otimista.
Segundo o trabalho O topo da distribuição de renda no Brasil: l: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares, 2006-2012, feito pelos pesquisadores da UnB Fabio Avila Castro, Marcelo Medeiros e Pedro Souza, a concentração de renda do país permanece estática de 2006 a 2012, último ano analisado.
– A desigualdade total nas Pnads é cerca de 11% menor do que aquela que estimamos em nossos estudos, que usam dados das Pnad combinados a dados do Imposto de Renda. E a desigualdade, tudo indica, permanece estável entre 2006 e 2012.
São contrastados os dados do Imposto de Renda, das Contas Nacionais (que calculam o PIB) e do Imposto de Renda em três anos: 2006, 2009 e 2012, nos quais há dados de melhor qualidade. Ao usar a declaração de renda como forma de captar os rendimentos financeiros, surgem novos bens e patrimônios não informados nas pesquisas domiciliares.
– Essa nova metodologia capta melhor a renda dos ricos. Existe muita concentração de renda no Brasil. O 1% mais rico do país detém um quarto de toda a renda. Logo, o que acontece com eles determina muito do que acontece no país como um todo. Até agora, todos nós pesquisadores medíamos apenas uma parte da desigualdade. Medíamos bem os pobres. Agora, podemos medir melhor os ricos, o outro lado da desigualdade brasileira – explica Medeiros (leia entrevista).
A economista e professora da PUC-Rio Monica Baumgarten de Bolle, global fellow do Woodrow Wilson Center, compartilha da opinião dos pesquisadores da UnB:
– Os dados mais adequados para analisar a desigualdade social não são os da renda do trabalho medidos em pesquisas como a Pnad, mas as informações da Receita Federal. Afinal, para enxergar o que aconteceu com o 1% mais rico da população na última década, gente que vive de rendas do capital e não do trabalho, é preciso ter acesso às informações do Imposto de Renda.
A metodologia é baseada no trabalho do economista francês Thomas Piketty, autor de O capital no Século 21, obra que causou grande impacto no meio ao apresentar uma teoria geral do capitalismo na qual combina a análise do crescimento econômico com a da distribuição da riqueza pelo mundo, a partir de dados colhidos durante 15 anos e analisados por ele e sua equipe.
– Os estudos do grupo mostram que o topo da distribuição, isto é, os mais ricos, determina boa parte do comportamento da desigualdade no tempo. Com isso, revolucionaram os estudos sobre desigualdade no mundo. Suas teorias foram reconhecidas como extremamente importantes por dois ganhadores do prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz (2001) e Paul Krugman (2008) – destaca Medeiros.
Lançado em 2013, o livro ganhará edição brasileira em breve, pela Intrínseca, editora do economista Jorge Oakim, entusiasta do trabalho do francês. Em pré-venda desde abril, com grande procura em sites especializados, o livro já é considerado um sucesso editorial pelos editores. O lançamento está previsto para meados de novembro.
– Achávamos relevante uma versão em português, antes mesmo do grande estouro mundial, após o lançamento da versão americana – conta a editora Livia de Almeida.
Monica, responsável pela tradução da obra para o português, defende que o Brasil precisa de transparência na condução da política econômica:
– A mudança começa com a eliminação dos créditos privilegiados concedidos pelos bancos públicos e pelo fim do uso do patrimônio nacional em prol de grupos específicos que corroem as instituições brasileiras.
Imposto sobre grandes fortunas em debate
Uma tentativa de reduzir a desigualdade é a taxação de grandes fortunas. Previsto no artigo 153 da Constituição de 1988 mas nunca regulamentado, o Imposto sobre Grandes Fortunas, que prevê a cobrança de patrimônios considerados milionários sobre a totalidade de seus bens, foi trazido ao debate no primeiro turno da corrida presidencial pela candidata do PSOL, Luciana Genro, que já defendia a taxação como deputada federal. O programa de governo da presidente Dilma Rousseff em 2010 anunciava uma “reforma tributária que reduza os impostos indiretos, desonere os alimentos básicos e os bens e serviços ambientais, dê continuidade aos avanços obtidos na progressividade, valorizando a tributação direta, especialmente sobre as grandes fortunas”. O atual programa de governo da presidente e candidata à reeleição, porém, não cita o imposto. Já o candidato tucano, Aécio Neves, declarou publicamente que poderia discutir a taxação em uma possível reforma tributária em seu governo, mas que a prioridade seria parte da dívida dos estados com a União ser usada para novos investimentos.
Entre os vários projetos referentes à regulamentação no Congresso, o mais recente é de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que prevê uma arrecadação de R$ 10 bilhões com a cobrança de tributos sobre a fortuna de 10 mil famílias. Com o dinheiro arrecadado, de acordo com o parlamentar, poderia haver um investimento em diversos segmentos da sociedade.
A resistência de aprovar o IGF no Brasil deve-se em parte a problemas fiscais advindos do imposto, como maior evasão fiscal e a ocultação de patrimônio. Segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) somente este ano o valor de impostos sonegados já ultrapassou os R$ 300 bilhões. Por não ser aplicado em todos os países, não há como fazer a fiscalização adequada.
Atualmente, o imposto é vigente no Uruguai, na Colômbia, na França, na Suíça e na Noruega, entre outros países. Nos Estados Unidos, a medida tem sido amplamente discutida no governo Obama, mas não possui força no Congresso, majoritariamente republicano. A Alemanha, por outro lado, aboliu o IGF em 2000, mas já planeja uma nova versão do imposto para diminuir o agravamento da crise econômica.
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