Maria Silvia Vieira - aplicativo - Do Portal
04/11/2014Embora tenha passado ao largo da campanha eleitoral e receba menos recursos públicos em relação a outras áreas importantes – o orçamento do Ministério da Cultura, neste ano, é de R$ 3,26 bilhões, enquanto são destinados R$ 82,5 bilhões para a Saúde e R$ 42,2 bilhões para a Educação –, o setor cultural ganha o reforço do Vale Cultura, cuja ampliação é prevista no programa da presidente reeleita Dilma Rousseff. Mas os avanços neste segmento exigem mais do que iniciativas para melhorar o acesso e a produção nacional, ressalva a diretora da Cátedra Fullbright PUC-Rio, Angela Randolpho Paiva. Em entrevista ao Portal, para a série Desafios 2015, a autora de Ação afirmativa em questão: Brasil, Estados Unidos, África do Sul e França (Ed. Pallas, 2014) pondera: “É excelente quando se tem uma política voltada a um consumo maior de cultura, porém o tipo de cultura consumido pelos brasileiros tende a ser muito raso”.
Segundo o Panorama Setorial da Cultura Brasileira, 42% da população não têm o hábito de praticar atividades culturais com frequência e, entre os que praticam, cinema é o campeão foilgado das preferências. Mais de 70% da dos brasileiros nunca assistiram, por exemplo, a um espetáculo de dança, constata pesquisa da Unesco. Ainda assim, Angela permanece otimista, pois os estudos que faz revelam uma busca, pelos movimentos sociais, da revalorização de nossas tradições e processos culturais. Para a pesquisadora, o grande desafio para a presidente reeleita no setor cultural “é fazer com que as manifestações culturais locais sejam legítimas e valorizadas, pois assim conseguiremos realizar uma interação social baseada em maior diversidade cultural”. Ela lembra ainda que só o investimento em educação pode abrir os olhos e os sentidos de uma sociedade na qual "tudo o que leva à reflexão tende a ser considerado chato". A especialista prega também uma "escola que junte as classes", o que representaria um "aprendizado social significativo".
Portal: Pesquisa do IBGE revela que as famílias brasileiras reservam, em média, 5% do orçamento para atividades culturais. Que outras iniciativas, fora programas como o Vale Cultura, que torna disponível R$ 50 para trabalhadores de baixa renda usarem na área, podem melhorar o acesso à cultura no país?
Angela: É excelente quando se tem uma política voltada especificamente para um consumo maior de cultura. Esse acesso se dá em um sentido básico, pois serve para teatros, cinemas, livros. Somos um povo muito pobre de consumo cultural. As pessoas não vão aos museus, não leem, e o teatro é pouco acessível. Existe um grupo que tem acesso e é consumidor de cultura, que inclui a classe média, os ricos e até uma parcela da classe popular que tem interesse nisso. Mas ainda assim, muitos ficam à margem. Alguns nem entendem a importância e o significado do acesso à cultura, pois faltam uma vivência e um aprendizado de práticas culturais. Esses incentivos (oficiais) são muito bem-vindos, mas eu tenho um receio: somos uma sociedade que consome uma cultura rasa. A televisão, em grande parte das vezes, apresenta programas que transmitem pouca bagagem cultural. E, quando se propõe a fazer um programa de cultura, muitos o acham chato.
Portal: Como tornar esse consumo menos raso?
Angela: É preciso ter mais investimento na educação e em práticas que tirem as pessoas de uma simples massificação. Este é um fenômeno mundial que gera tensão na qualidade de conhecimento. Por vezes, as pessoas optam por ler uma resenha do livro no lugar de ler o livro propriamente. Ou assistir a um filme que tenha mais ação, pois tudo que leva a uma reflexão é considerado chato. A massificação cultural é um problema do século XX que nos permeia até hoje. O meu otimismo em relação a isso está relacionado aos estudos que faço. Os movimentos sociais surgidos a partir da redemocratização do Brasil realizam uma busca pelo retorno de nossas tradições, dos nossos processos culturais. Isso pode ser um antídoto, mas, infelizmente, ainda não é usado assim. As mudanças nesse âmbito só vêm a partir de um desejo da população de ampliar o conhecimento e de uma educação mais efetiva.
Portal: Embora seja um dos nossos grandes patrimônios, e até, como a senhora acredita, possa funcionar como antídoto contra o consumo raso de cultura pelos brasileiros, a nossa diverdidade cultural, reflexo das dimensões continentais, podem, por outro lado, prejudicar a unidade entre as regiões?
Angela: Não há falta de unidade entre as regiões. O que acontece é que, dentro de uma região, existem diferenças culturais. O Brasil é um país muito grande, que está se tornando cada vez mais complexo – devido às novas mídias e à nova capacidade de formação das pessoas. No que concerne à cultura, não podemos nunca falar, em qualquer país, de cultura única. É lógico que há símbolos culturais nacionais, como o hino e a bandeira, que são fortes, fazem parte da tradição e nos unificam, além de uma unidade linguística e federativa, pontos importantes da cultura nacional. Mas, embaixo disso, há uma série de diferenças. Neste século, por conta de uma televisão com abrangência nacional, as diferenças vão sendo diluídas. Temos aspectos tratados no Brasil inteiro. A internet também atua como uma ponte, ligando o país, mas depende mais de quem tem acesso. É um veículo de comunicação que não está ligado a uma transformação cultural. Essa transformação associa-se a uma série de práticas sociais e políticas que vão transformando a nossa percepção de mundo. Afinal, a cultura, em uma definição clássica, é uma determinada visão de mundo: os valores, práticas, tradições. Se no século XIX cultura significava ter conhecimento e escolaridade, hoje a cultura está ligada a práticas de todos os grupos que compõem determinada sociedade.
Portal: Em relação aos incentivos à produção nacional, a Lei Rouanet, de 1997, é considera um dos propulsores para o desenvolvimento na área. Ao comparar os recursos captados em nível nacional com a distribuição por regiões, observa-se um desequilíbrio: Centro-oeste, 7,4%; Nordeste, 27,8%; Norte, 8,3%%; Sul, 14,4% e Sudeste, quase a metade: 42,1%. Como distribuir de forma mais adequada esses recursos?
Angela: A disparidade na distribuição de recursos tem muito a ver com os projetos apresentados. O Sudeste é um polo de produção cultural muito antigo. O Rio de Janeiro foi o centro do Império e uma ex-capital, São Paulo é um estado que produz cultura há muito tempo e a Região Sul tem grande importância com festivais como o de Gramado. Todos os canais de mídia estãono eixo Rio-São Paulo. As pessoas buscam essas cidades para trabalhar no mercado de produção cultural. Mas há uma valorização regional interessante acontecendo há algumas décadas. Em especial, desde a década de 1980, com a redemocratização do país, e a valorização cultural específica de cada área. Então, há uma busca maior pela preservação da tradição cultural de cada local. Fala-se hoje em cultura indígena, quilombola, do cerrado e também dos povos das florestas, fora a diversidade cultural nos grandes centros urbanos.
Portal: Por falar em diversidade, estudo da Universidade de Harvard publicado em 2002 constata que o Brasil tem uma variedade étnica inferior só a países africanos (Uganda é líder desta escala). Por outro lado, recrudescem manifestações racistas, como se vê em ofensas contra jogadores negros. De que forma tal fenêmeno se caracetriza no Brasil, em relação à Europa e aos Estados Unidos, e como afetam a busca por avanços culturais?
Angela: O racismo, especialmente no que se refere à população negra, é indicador de uma sociedade excludente, que tem um grupo predominante e não reconhece a legitimidade de outros grupos. No caso do negro, é emblemático. Tivemos, sobretudo a partir da década de 1950, uma ideia nacional de que éramos uma democracia racial. Mas não somos. Basta ver o número de negros que estão nos lugares mais caros da sociedade. No Brasil, o que há é um racismo sutil. Nunca tivemos uma segregação racial como nos Estados Unidos. Nunca foi um ódio explícito. Pelo contrário, observamos muito paternalismo nas relações enquanto os negros estavam em um lugar subalterno na sociedade. Temos uma cultura assistencialista, que admite desigualdade e hierarquias nas posições sociais. Com o movimento negro, na década de 1980, há uma demanda por novas formas de construção da identidade negra. A questão da negritude é uma ressignificação das suas heranças culturais. Um fenômeno comum é ver uma pessoa que passa a ter consciência da sua cor e para de dizer que é morena, se assume como negra e vai buscar suas tradições. Como em uma busca pelas religiões de matriz africana. O Brasil é um país muito rico para isso, pois temos movimentos sociais de diversas etnias. Isso vem trazer essa pauta de afirmação da identidade e desconstrói o desejo de termos uma sociedade homogênea.
Portal: Como a senhora, autora de pesquisas como As desigualdades socioeconômicas e políticas no Brasil contemporâneo, explicar essa relação entre a diversidade e racismo?
Angela: O racismo pode estar em qualquer lugar, como vimos no momento dramático de perseguição étnica na Alemanha. O racismo pode acontecer em qualquer cultura, até nas mais homogêneas, como a alemã, um país com grandes pensadores, filósofos e compositores, como Marx, Hegel, Beethoven. Quanto à discriminação, entra um ponto importantíssimo: o reconhecimento da diferença. Precisamos ter um mínimo de igualdade para que essa diferença possa ser contemplada. Em um acordo social no qual os mais diversos grupos tenham igual valor, será mais fácil reconhecer o valor dessas pessoas. Uma sociedade como a nossa, que foi por muito tempo homogênea na sua desigualdade, possui uma busca pela democracia. Ao ir a uma escola de samba, é possível ver pessoas de todas as cores, mas isso fica no plano cultural. Esse plano cultural precisa estar ligado a um plano social mais amplo. Ou seja, as desigualdades – que são profundas – devem ser tratadas no nível político, pois só assim poderemos transformar os padrões culturais discriminatórios. As pessoas buscam e discutem seus direitos, como vimos ano passado nas manifestações. A chave ali eram os direitos, dos quais a sociedade deseja a fruição. Mas o reconhecimento da diferença exige um mínimo de igualdade, para que isso possa ser legitimo no nosso acordo social.
Portal: Apesar dessa diversidade cultural e do reconhecido potencial para a criatividade, o Brasil não está entre os dez primeiros no ranking dos países produtores e exportadores de bens e serviços criativos. Neste sentido, como a senhora avalia o Plano da Secretaria da Economia Criativa, criado pelo governo federal em 2011?
Angela: O Brasil não está entre os dez países com maior criatividade cultural, mas a razão disso é a desigualdade social. Vários dos nossos dilemas tem essa raiz. A Lei Rouanet é uma nova mirada criativa, na qual se busca dar voz a outros tipos de grupos sociais. Mas, para se produzir um projeto que seja aprovado pelo Ministério da Cultura, há vários requisitos, pois tudo que é política pública precisa passar por uma regularização e uma normatividade para que o dinheiro possa ser aplicado. Em um país com uma desigualdade social profunda e com um grande segmento da sociedade com pouca escolaridade, quem consegue esse tipo de apoio ainda faz parte de um grupo pequeno. Hoje, até já não é tão pequeno, pois os avanços, desde a redemocratização, foram contínuos. As políticas pensadas, como essa do governo Dilma, querem dar acesso aos grupos que não o têm, normalmente, via o sistema de produção cultural. Apesar desses avanços, temos um “buraco mais embaixo”...
Portal: Como assim?
Angela: Temos um grande grupo ainda à margem dessa sociedade, sem condições de fazer um projeto do gênero. O aumento da escolaridade e da oportunidade de informação são pontos cruciais para que a gente consiga incluir grupos que não fiquem apenas na questão de aprender o berimbau. Gosto muito desse exemplo do berimbau. A criança aprende o berimbau, mas o que ela vai fazer se só souber tocar esse berimbau? É preciso criar políticas que atinjam uma educação efetiva, uma melhor formação para os grupos que estão nessa periferia da sociedade. Esses grupos não têm condições de saírem sozinhos de onde estão, pois já desistiram do sistema escolar. Esse sistema não diz nada para eles, tanto que metade dos jovens até a oitava série já abandonou as salas de aula. Dentro desse contexto, como esperar uma grande cultura criativa? Alguns grupos, mesmo sem escolaridade, fazem muito bem isso. Possuem uma criatividade fantástica, mas não é suficiente para integrar um sistema mais efetivo.
Portal: Nas suas pesquisas em projetos sociais e em escolas de áreas pobres, a senhora já deve ter encontrado o termo “estética da periferia”. A expressão aparece até num artigo do Le Monde de julho de 2011, simbolizada pelos movimentos funk do Rio, que "queriam ser reconhecidos pela alegria de se dançar e se expressar culturalmente, em contraponto à imagem produzida pela mídia como grupos violentos. Vê-se aí a contradição do morro e do asfalto, espaços geoculturais que evidenciam uma luta pela sua ocupação”. A senhora concorda com esta percepção? Que contribuições efetivas tais movimentos incorporam à cultura brasileira?
Angela: As manifestações culturais na periferia, como o hip-hop e o funk, são exemplos da diversidade e da criatividade cultural. A cultura do hip-hop era, até alguns anos atrás, censurada pela cultura dominante pouco afeita ao reconhecimento de novas formas sociais. Hoje isso está mudando. Há uma conexão entre a cultura emergente da periferia e o tradicional. Neste sentido, foram feitas políticas culturais importantes, como a criação dos pontos da cultura no Ministério de Gilberto Gil, em 2004. Dava-se uma verba para que, num determinado ponto, fossem produzidas manifestações culturais. Significa o reconhecimento da legitimidade daquela manifestação cultural, que é uma questão do próprio processo democrático.
Portal: Na sua avaliação, como se estabelece a relação entre a escola e a favela? E que difierenças entre as escolas públicas e particulares se mostram mais representativas à cultura?
Angela: Realizei uma pesquisa em uma escola dentro de uma favela carioca – não posso especificar qual para não identificar a escola. Constatei que vários professores estão lutando para tirar os alunos da falta de conhecimento, para levá-los à reflexão. Há muita conversa, construção de argumentos, esforço e estudo. É fundamental que as escolas não acreditem que seu principal dever é manter o aluno em sala de aula para que não caia no tráfico. A própria instituição escolar reifica as desigualdades quando proporciona uma educação para um grupo popular totalmente diferente da educação dada a outros grupos. Esses alunos não estão juntos, e a educação básica nas escolas públicas divide os alunos. Um aluno de escola particular só lida com aquele grupo, muito homogêneo, assim como o aluno de escola pública lida com um grupo diferente, mas ainda homogêneo. Esse é um grande dilema do nosso projeto educacional: não temos uma escola que junte as classes. Seria um aprendizado social muito mais significativo. Porém essa mistura não deve acontecer tão cedo aqui no Brasil, afinal como uma pessoa que pode pagar uma escola particular vai aceitar colocar seu filho em uma escola com o índice de educação básica muito menor? É uma diferenciação de qualidade escolar.
Portal: A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2013, feita pela Fundação Pró-Livro e pelo instituto Ibope Inteligência a cada quatro anos, apontou que o universo de leitores diminuiu 9,1% no país. O ideal, segundo a pesquisadora Karine Pansa, seria seguir os países europeus, onde a população lê, em média, oito livros por ano. Como podemos nos aproxiumar desta média?
Angela: É muito difícil alcançarmos a média de um país europeu, pois não temos o padrão de escolaridade e o projeto societário deles. Há uma tradição cultural de leitura muito maior na França, por exemplo. No metrô, por exemplo, observamos muitas pessoas lendo livros. Isso faz parte de um aprendizado. É fundamental apresentar o livro para as crianças. A escola e a família têm uma função importante nesse processo. As famílias precisam ter mais livros em casa, os pais e as mães precisam ler com seus filhos. Além do mais, essa prática de leitura compete com a televisão, a internet, o videogame, que são formas de entretenimento mais atrativas para as crianças e adolescentes. É uma competição com uma indústria cultural avassaladora. O ideal seria que as pessoas lessem os livros e conversassem umas com as outras sobre o texto, discutissem ideias e refletissem. Mas, para isso, é preciso criar o hábito de leitura desde a infância.
Portal: De acordo com pesquisa do Ibope, de agosto do ano passado, a confiança dos brasileiros nas instituições em geral e nos grupos sociais caiu sete pontos. Como essa queda afeta a sociedade e, sobretudo, o desenvolvimento cultural?
Angela: Esse é um ponto fundamental: a confiança nas instituições. No Brasil, temos instituições que não inspiram confiança, como os partidos políticos, os próprios políticos, o Judiciário, a polícia e outros. Isso representa outro tipo de cultura, que é a cultura política. A população não tem uma experiência que as faça confiar nessas instituições e acreditar que vão fazer a diferença para a vida cotidiana. Essas instituições estão muito afastadas, mas é possível uma aproximação de baixo para cima. As pessoas precisam participar mais, pedindo mudanças, como as assinaturas enviadas ao Congresso. O caso da Ficha Limpa explica como os padrões culturais são alterados. A lei não foi feita pelos deputados que estavam lá. Foi uma demanda popular. Mudar esse padrão é demorado, ainda mais considerando que temos pouco tempo de experiência democrática contínua. Mas sou otimista, pois acho que essa experiência vai trazer novas questões, exigências e demandas no que se refere à ética na política e na transparência das transações. Os políticos (em todas as instâncias) serão cada vez mais monitorados por grupos da sociedade. Existe, por outro lado, um grande número de brasileiros que vivem no nível da subsistência. É preciso fazer um acordo societário amplo que tenha o mínimo de igualdade. Sem isso, a diversidade cultural não pode ser preservada, não se torna legítima e não permeia toda a sociedade.
Portal: Que avanços e retrocessos, especialmente em temos culturais, a senhora observa desde a redemocratização, tomando a Constituição de 1988 como divisor de águas?
Angela: Após a Constituição de 1988, só vi avanços. É uma Constituição muito importante, que trouxe exatamente a valorização da cultura. Até então, falava-se muito em direitos civis (individuais), direitos políticos, direitos sociais (ligados a educação, saúde e aposentadoria, por exemplo). Hoje, fala-se em direitos culturais. O caso da Aldeia Maracanã, no qual os indígenas buscaram ter o território preservado, é um exemplo de avanço que só foi possível depois da Constituição de 1988. Mas isso não caiu do céu. Havia uma movimentação na sociedade, a partir do povo, dos partidos e das ONGs, que buscava ver na prática esse tipo de direito. Isso ficou preservado e foi contemplado na Constituição. Pois temos um reconhecimento da legitimidade de que tal cultura deve ser preservada em nome da diversidade cultural do país, que é riquíssima.
Portal: As manifestações de junho do ano passado e a mais apertada eleição presidencial desde que o país se redemocratizou indicam um amadurecimento democrático? Ou as taxas ainda relativamente altas de abstenção e de votos nulos e brancos mostram um engajamento político longe do ideal?
Angela: Essa é uma questão muito ligada à nossa obrigação de votar. Há um sentimento de falta de representatividade que até foi uma das falas usadas nas manifestações de 2013. Isso é um aviso para os políticos. O sistema político já percebeu essa necessidade, e por isso mudanças foram feitas. Após as manifestações, aprovou-se a lei que acabava com o voto secreto para determinadas apreciações no Congresso. Isso foi um ganho e uma resposta a uma das coisas que as pessoas pediam nas ruas. Nossa organização partidária precisa ser repensada. É mesmo importante que se faça uma reforma política. A falta de participação está ligada à falta de interesse e à aparente alienação. Se tivermos um povo informado, pensante e participante, teremos um futuro melhor.
Portal: Quais são os desafios da presidente Dilma, no segundo mandato, em relação à área cultural?
Angela: O problema é que se fala muito pouco sobre a cultura no programa de governo. Se ela (presidente Dilma) conseguir aumentar o nível da educação brasileira e fizer com que a escola valorize o conhecimento e a cultura brasileira, já será um avanço enorme para o setor cultural. Por exemplo, a lei 10.639/03 determina a valorização da herança africana no Brasil. É uma de lei de 2003, mas ainda aplicada de maneira muito rasa nas escolas. Não há uma real vontade política de fazer um plano que torne a lei efetiva e legítima como contribuição cultural para a diversidade na nossa sociedade. O grande desafio da presidente é mitigar essa poderosa indústria cultural e fazer com que as manifestações culturais locais sejam legítimas e valorizadas. Assim conseguiremos realizar uma interação social baseada em uma maior diversidade cultural.