Júlia Cople* - aplicativo - Do Portal
12/07/2014Ela pede a palavra à mesa diretora, posiciona-se no meio da roda e exalta a participação ativa da Federação Russa no controle da proliferação e nos programas de redução de armas nucleares. A entonação incisiva e o gestual enfático da representante russa na Agência Internacional de Energia Atômica ilustram a articulação política de um país que ensaia o retorno ao centro das negociações globais, a partir da gradual recuperação da crise que levou à desintegração da União Soviética, em 1991. Dotada de formalidade e pompa, a reunião integraria o rol dos fóruns mundiais não fossem, na verdade, alunos do Ensino Médio no papel de diplomatas.
Às 18h30 do último 3 de julho, as cortinas da PUC-Rio se fecharam para Bárbara Meirelles e para os outros 287 alunos inscritos no Modelo Intercolegial de Relações Internacionais 2014, o Mirin. Na pele de Grigory Berdennikov, em sua sétima simulação da Organização das Nações Unidas, Bárbara é uma das adeptas da ferramenta de ensino alternativo que surgiu na década de 1920 nos Estados Unidos. Só no Estado do Rio, ela soma nove eventos anuais (veja a listagem abaixo).
Voltados para estudantes do Ensino Médio, universitários ou de caráter misto, os modelos trazem para os organizadores – não raro tão jovens quanto os delegados, em geral de 16 a 25 anos – a experiência na logística e no trato com “clientes”. Já para os participantes, além do estímulo à sociabilidade, há desenvolvimento da capacidade de argumentação, o desafio da elaboração de medidas para conflitos já pensados por “verdadeiros” diplomatas e a abertura dos horizontes da percepção, quando a política externa do país defendido diverge da opinião pessoal. No Brasil, onde existe há 16 anos, a universalização dos projetos esbarra na limitação de recursos para a divulgação, embora hoje facilitada pelas redes sociais, e no alto valor das inscrições (em média, R$ 100, sem acomodação ou transporte para os forasteiros).
Diretora do Mirin pela terceira vez, este ano em uma simulação da AIEA, Julia Erthal ressalta que o objetivo da iniciativa é apreender uma visão ampla da política internacional. Segundo a estudante de Relações Internacionais da PUC-Rio, são temas que nos afetam diariamente, mas dos quais não nos damos conta. Bárbara diz ter adquirido uma percepção de mundo “completamente diferente” a partir dos projetos, que a atraem, principalmente, pela possibilidade de debater, convencer, interpretar, e pelo desafio de cumprir uma meta em nome da nação que representa:
– Nossa meta é desenvolver planos de ação e projetos políticos que possam resolver a problemática do comitê. Resoluções que já foram pensadas por verdadeiros diplomatas ou chefes de Estado. Ou seja, devemos ser extraordinários para solucionar algo que não foi solucionado por profissionais com anos de formação.
Para Daniel Sardenberg, secretário acadêmico da Simulação das Nações Unidas (Simun) 2013, além de conhecer novas pessoas e rever antigos amigos, o aprendizado de forma interativa e não tradicional torna os modelos de simulação “uma ferramenta de ensino alternativo bastante eficaz”. A contextualização de um ambiente formal propicia também ao participante aprender a se comportar e se impor nestas situações, frisa a secretária administrativa do ONU Jr Roberta Amazonas.
Segundo o professor da UFRJ Bernardo Monteiro, secretário-geral da Simun 2013, a contribuição do projeto depende de como cada um absorve a experiência. Mas, no geral, ele diz, há o aprimoramento da retórica, da capacidade de negociação, da expressão em público e do respeito a opiniões divergentes.
– O participante é convidado, e nunca obrigado, a deixar de lado sua forma de pensar e se abrir para opiniões que nunca havia considerado, a saber ouvir os demais delegados e, às vezes, argumentar, em nome da nação que representa, por um ponto de vista que diverge do seu pessoal. A participação é um incentivo a sair da zona de conforto e, por este motivo, é desafiadora – ressalta.
Vantagens que desenvolveram a segurança necessária para que Isadora Sánchez, aluna do Ensino Médio, se inscrevesse como representante dos Estados Unidos na Simulação de Harvard, em agosto. Será o seu sexto modelo (entre eles, o papel de Karolos Papulias, o representante da Grécia do Conselho Europeu em fóruns da crise econômica), mas o primeiro na língua inglesa. Já Annalídia Moraes, aluna de Publicidade da PUC-Rio, credita ao projeto um conhecimento pessoal: descobriu que não se sentia à vontade em falar para muitas pessoas ou improvisar discursos, e que expunha melhor seus argumentos em conversas particulares.
– O início pode ser complicado. Algumas pessoas até deixam o projeto depois das primeiras sessões. A maior dificuldade é a inexperiência. Tem gente que já nasceu com a vocação de falar bem em público. Mas, para os novatos, o desconhecimento pesa no comportamento e na relevância da participação do delegado – explica Annalídia.
Para a estudante do Ensino Médio Amanda Magalhães, o maior desafio em comitês históricos – nos quais se simulam reuniões, por exemplo, da Liga das Nações (organização internacional criada em 1919 e dissolvida em 1946) – é pensar “fora da caixa”. O foco é articular uma solução que atenda aos interesses do país representado e seja oportuna para a situação, sem repetir o que já foi feito e sem simplesmente reproduzir as cláusulas da resolução oficial, explica.
Já no comitê de imprensa, no qual o participante assume o posto de jornalista, editor-chefe ou fotógrafo dos maiores jornais do mundo, a dificuldade é o próprio dinamismo do trabalho, diz Isadora. Com o prazo para o fechamento da edição dos jornais, segundo a estudante, o participante precisa preparar as reportagens, diagramar o periódico, postar nas redes sociais para movimentar as discussões em tempo real, de forma responsável e organizada, ressalta:
– Quando a reportagem gera polêmica, dentro ou fora dos comitês, é o auge. Buscamos a informação escondida, as intenções obscuras das políticas externas. Tanto que às vezes os debates se fecham para a imprensa. E é aí que a criatividade vem à tona para descobrir o que se conversa atrás da porta. O que aprendi de mais valioso foi a comunicação como chave de tudo.
Entusiasta da simulação jornalística, o estudante de Engenharia da UFRJ Bruno Siqueira destaca três grandes aprendizados da experiência para a sua carreira: a melhora na abordagem a desconhecidos; a facilidade de se expressar em público; e as habilidades de organização e logística de eventos que herdou das quatro vezes em que foi diretor de comitês.
Para Monteiro, uma das dificuldades é garantir o equilíbrio das equipes e a constante motivação dos jovens no trabalho voluntário de organizar eventos de excelência para outros jovens:
– Todos devem se sentir parte da engrenagem e, ao mesmo tempo, cobrados em suas funções. Existe o caráter comercial, porque os participantes pagam para simular, e devem ser respeitados como clientes. É um serviço a ser prestado. Muitas vezes as pessoas deixam de lado características pessoais para assumir papéis que não existem.
Secretário-geral do ONU Jr 2014 e aluno de RI da PUC-Rio, Pedro Henrique Souza considera vital o esforço da busca por patrocínio e da renovação da equipe a cada ano, para levar adiante um projeto acadêmico independente. No mesmo sentido, sua colega Roberta, a secretária-administrativa, frisa a importância de acordos com instituições para sediar o evento.
Desde a elaboração do guia de estudos – no qual se discriminam o histórico, os desdobramentos e links para aprofundar o conhecimento sobre o tema a ser debatido – até a moderação eficiente do debate, sem interferência direta nos discursos, a preocupação dos diretores é, basicamente, segundo Annalídia, fazer os cinco dias (de feriado, geralmente) serem proveitosos para os delegados e coroar o trabalho de meses dos organizadores. Aos treinamentos para moderar as discussões, Julia, a diretora do Mirin, acrescenta a necessidade de se atualizar constantemente sobre o assunto do comitê, para desenvolver o “conhecimento profundo do tema”.
Apesar do potencial, simulações são pouco conhecidas entre estudantes
Apesar do empenho dos voluntários e das reconhecidas vantagens do projeto, participantes lamentam a falta de visibilidade dos eventos. Isadora, Flávia e Bruno, por exemplo, conheceram a iniciativa por indicação de amigos que já participavam. Sardenberg vê a ferramenta de aprendizado “pouco disseminada” no sistema de ensino, apesar do “grande potencial”:
– Uma publicidade maior dos novos modelos e o reforço da imagem das já tradicionais, não apenas nos cursos de Relações Internacionais, ajudariam a consolidar o cenário das simulações. O estudo científico desses projetos também deveria ser maior entre as ciências humanas, para fortalecer a prática – sugere.
Segundo os organizadores, a limitação de recursos restringe a propaganda dos modelos, e esperam patrocínio e apoio de instituições. Roberta ressalva que as redes sociais podem ajudar a difundir o projeto.
– Outra complicação é apresentar o projeto, principalmente a alunos do Ensino Médio, apenas falando da proposta. Por ser majoritariamente um evento acadêmico, acaba espantando os alunos, que preferem aproveitar seus feriados fora do ambiente de ensino – acrescenta Pedro Souza.
Monteiro, por sua vez, nega que haja falta de divulgação. Os modelos, diz, ainda são de nichos e, por este motivo, devem encontrar seus espaços.
AS SIMULAÇÕES DO ESTADO DO RIO VII Modep – Modelo Diplomático da Escola Parque Sede: Escola Parque (Gávea, Rio) Próxima edição: agosto de 2014 Público-alvo: estudantes do Ensino Médio e 9º ano do Ensino Fundamental Site: http://www.escolaparque.g12.br/escola/projetos/modep.php ONU Colegial Sede: Colégio Santo Inácio (Botafogo, Rio) Próxima edição: setembro de 2014 Público-alvo: estudantes do 9º ano de Ensino Fundamental e Médio Site: www.santoinacio-rio.com.br/projetos/onu-colegial ONU Jr – Um modelo para crescer Sede: UFF (Niterói, RJ). Próxima edição: 19 a 23 de novembro. Público-alvo: estudantes de Ensino Médio. Site: http://onujr.com/ SiONU – Simulação da Organização das Nações Unidas Sede: não divulgada Próxima edição: novembro de 2014 Público-alvo: estudantes universitários Site: http://www.sionu.com.br/ Sirien – Simulação Interna de Relações Internacionais da Escola Naval Sede: Escola Naval (Centro, Rio de Janeiro) Próxima edição: abril de 2015 Público-alvo: aspirantes, cadetes e estudantes universitários Site: http://sapn.com.br/sirien-i2014/ Simun – Simulação das Nações Unidas Sede: UniLaSalle (Niterói, RJ) Próxima edição: junho de 2015 Público-alvo: estudantes de qualquer grau de ensino Site: http://institutosimun.com.br/ Modelo Intercolegial de Relações Internacionais (Mirin) Sede: PUC-Rio Próxima edição: julho de 2015 Público-alvo: estudantes de Ensino Médio Site: www.mirin.com.br/
Fórum de Relações Internacionais Juvenil (Frinj) Sede: Instituto de Educação Santo Antônio (Iesa), Nova Iguaçu (RJ) Próxima edição: o calendário do VI Frinj será divulgado em breve Público-alvo: estudantes de 9º ano e do Ensino Médio Site: frinj.org |
Escola pública: contradição entre investimento e retorno
Silvia Cristina: "Sou eu quem pago para lecionar"
Juliana Pessanha: "Pátio escolar se tornou sala para 22 turmas"
Almir Gonçalves: "Não lutamos por dinheiro, lutamos por direitos básicos"