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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Opinião do Professor

"Fifa faria bem ao mundo se acabasse com hinos em campo"

Arthur Ituassu* - aplicativo - Do Portal

27/06/2014

 Arte: Lucas Sereda

Copa do Mundo é uma overdose de hinos. No espaço de duas semanas, foram 96 execuções de 32 hinos nacionais diferentes, que também são usados como música de fundo para narrativas produzidas para a televisão, sejam sobre torcida, o time, o craque. Como se não bastasse, o hino brasileiro, em especial, ganhou proeminência ao ser cantado "à capela" nos jogos da seleção neste Mundial.  

Hinos nacionais congregam, celebram, unem, marcam uma identidade e uma presença no espaço-tempo político, e não à toa são festejados nos estádios, mas também estabelecem um momento cívico, de lembrança do comprometimento em jogo. Com isso, são em geral cantos de guerra.

Uns mais disfarçados que outros, é verdade. O hino da Croácia, por exemplo, conta de uma pátria masculina (em inglês, "Fatherland"), detentora de um passado de "glórias" na conturbada região dos Bálcãs. "Fatherland of ancient glory. Dear, as much as you are glorious". Bem tranquilo se comparado ao hino do México, que fala em "grito de guerra", de aço e rugidos de canhão, de uma pátria que "um soldado em cada filho lhe deu". 

hino francês, então, é de fato um canto de guerra. O título original da Marseillase é "Canto de Guerra para o Exército do Reno" e a letra diz: "Às armas, cidadãos. Formai vossos batalhões. Marchemos, marchemos! Que um sangue impuro, Banhe o nosso solo!".

No mesmo sentido, um trecho do "The Star-Spangled Banner", o hino nacional dos Estados Unidos, pergunta – "Onde está aquela tropa que jurou tão solenemente, que a destruição da guerra e a confusão da batalha de um lar e de um país nos privariam?" – e conclama: "O seu sangue limpou a infecta poluição de seus passos".

No caso da Alemanha, o hino nacional do país é a terceira estrofe de um poema maior, o Das Lied der Deutschen (Canção dos Alemães) ou Deutschlandlied (Canção da Alemanha). A estrofe-símbolo não é das mais agressivas: "União e justiça e liberdade. Para a pátria alemã. Zelaremos todos para isso. Fraternamente com o coração e a mão. Unidade e justiça e liberdade são fundamentos da felicidade. Floresce no brilho desta felicidade. Floresce, pátria alemã!". Mas se alguém resolve procurar a primeira estrofe, vai encontrar: "Alemanha, Alemanha acima de tudo. Acima de tudo no mundo. Quando sempre, na defesa e resistência".

O brasileiro segue o padrão. Fala de um "povo heróico", de um "brado retumbante", de uma nação que conseguiu "conquistar com braço forte" e de uma liberdade que "desafia o peito a própria morte". Tudo isso somente na parte cantada à capela neste Mundial.

Por essas e outras que a FIFA faria bem ao mundo se acabasse com a execução dos hinos em campo. Entram as bandeiras, os jogadores, todos perfilam para as fotos, dão-se os cumprimentos e vamos ao jogo. Afinal, nem todo nacionalismo é ruim, mas alguns são.

* Coordenador de Jornalismo da PUC-Rio e doutor em Relações Internacionais pelo IRI. Artigo publicado no blog Ituassu - Mídia e Política, Internet e Democracia.