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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Educação

"Filosofia faz interrogações em mundo pautado por eficiência"

Mariana Totino - Do Portal

02/05/2013

 Arte: Maria Christina Corrêa

Disciplina obrigatória para alunos do Ensino Médio e para grande parte dos cursos de graduação, a filosofia também é um das áreas cada vez mais procuradas em cursos livres, de extensão, em palestras e oficinas. Numa sociedade tecnicizada, o amor à sabedoria não se dedica apenas a buscar fundamentos para uma vida melhor. À filosofia também é atribuído o papel de inspirar posturas mais éticas e gerar questionamentos. Para discutir sobre as diversas vertentes filosóficas e o diálogo destas com demais áreas específicas do conhecimento, o Departamento de Filosofia da PUC-Rio realizará, de segunda a quarta-feira, 6 a 8 de maio, o seminário Para quem fala a filosofia?, no Auditório Padre Anchieta, no térreo do prédio Cardeal Leme, no campus da universidade (confira abaixo a programação).

No seminário haverá sessões para futuros profissionais de diversas áreas e o público em geral, incluindo alunos de Segundo Grau. A primeira mesa, sobre o papel da filosofia na formação de nível médio, reunirá o professor de filosofia da PUC Danilo Marcondes e o especialista no ensino de filosofia em escolas Eduardo Barra (UFPR). Na terça, o interesse por cursos de introdução, extensão e especialização em filosofia reunirá o jornalista Rodrigo de Almeida (Portal IG e ex-diretor da Casa do Saber) e os professores Pedro Duarte (Filosofia/Unirio) e Auterives Maciel (Psicologia PUC-Rio). Na quarta, Luiz Camillo Osório (Filosofia PUC-Rio/curador do MAM), Edgar Lyra (Filosofia PUC-Rio), Arthur Ituassu (Comunicação PUC-Rio) e Rejan Bruni (Biologia PUC-Rio) vão debater sobre as possibilidades de interação da filosofia com outras áreas de saber. Serão debatidas ainda questões da mídia em que a filosofia se faz presente, o diálogo com outras formações e as possibilidades de filosofar para o grande público, trazendo os jovens para o debate.

– Em tese, a filosofia não produz resultados tangíveis e concretos como as ciências e as técnicas. Mas ela tem um papel importante, sobretudo, nesse momento tão veloz, na medida em que precisamos reavaliar constantemente os efeitos do nosso poder de realização – afirma o professor e doutor em filosofia Edgar Lyra, um dos organizadores do evento, que conversou com o Portal sobre o papel da filosofia no mundo hoje e seu diálogo com outras áreas, como a comunicação social (leia a íntegra da entrevista abaixo).

A filosofia aliada à comunicação

 Nicolau Galvão Para o coordenador do curso de Jornalismo da PUC-Rio, Arthur Ituassu, que participará da mesa Diálogo interdisciplinar, no último dia do seminário, aproximar a filosofia da comunicação social reaviva a humanidade na comunicação social. Ituassu lembra que os questionamentos sobre o sujeito, a realidade e a representação de que trataram Kant, Nietzsche, Foucault, Heidegger e pós-estruturalistas, têm grande impacto na comunicação. O modelo canônico no qual sempre se baseou o jornalismo, da verdade como correspondência do real, é derrubado a partir do questionamento sobre a existência do real objetivo:

– A representação é sempre subjetiva. Essa discussão epistemológica tem um impacto positivo para a comunicação. A única forma de absorver a realidade é pela comunicação, pelas ideias que compartilhamos sobre a realidade. A comunicação tornou-se uma ciência de ponta das ciências sociais, ganhou status epistemológico essencial para a sociedade. É preciso formar comunicadores conscientes de seu papel na construção do real. A formação, nas escolas de comunicação social, tem que passar por esses problemas, pela responsabilidade na construção social da realidade.

Confira a seguir a entrevista do professor Edgar Lyra ao Portal:

Portal PUC-Rio Digital: Vivemos na era da rapidez, do imediatismo, da técnica, em que o poder de transformação das coisas ao nosso redor é enorme. De que forma a filosofia pode auxiliar na reflexão sobre esse poder e ter aplicação prática?
Edgar Lyra: Em tese, a filosofia não produz resultados tangíveis e concretos como as ciências e as técnicas. Mas ela tem um papel importante, sobretudo, nesse momento tão veloz, na medida em que precisamos reavaliar constantemente os efeitos do nosso poder de realização. As transformações podem ser para o bem ou para o mal e nós, a princípio, seres dotados de livre arbítrio, temos a obrigação de assumir a responsabilidade sobre o que fazemos. A mediação e produção de interrogações como “Qual o sentido do que fazemos?” e “Por que estamos agindo desta maneira?” é incentivada pela filosofia, num mundo onde tudo é pautado por resultado, por índices de eficiência, pela capacidade de sucesso e de controle.

Portal: A filosofia tem a função de trazer tempos mais reflexivos? Como ela pode direcionar o diálogo sobre questões que concernem a toda a humanidade?
Lyra: 
Podemos pensá-la como uma espécie de educação para convivermos com as divergências, para uma vida num conflito administrável. O mundo ficou pequeno, e precisamos ser tão lúcidos quanto possível em relação ao futuro. Enquanto estamos conversando não precisamos pegar em armas, partir para a ignorância e a agressão. A capacidade de escutar, a conversa lúcida, capaz de compreender a complexidade e a diversidade de posições que as questões comportam, seria um dos papéis da filosofia.

Portal: Como a filosofia pode guiar o exercício das atividades ligadas à comunicação numa sociedade de alto fluxo de informações?
Lyra: Participei recentemente do colóquio Jornalismo na era das subjetividades, organizado pelo Departamento de Comunicação, e me pareceu importante a necessidade de refletir sobre a responsabilidade pela expressão. Quando se fala em liberdade de expressão, fala-se em obrigação de informação e, ao mesmo tempo, toda informação tem uma subjetividade por trás, sempre uma escolha daquele meio de comunicação, ou do grupo que a veicula. A grande pergunta que se coloca para o profissional de comunicação é a respeito da sua própria práxis, a tarefa de pensar na comunicação de um ponto de vista estrutural. Se a mídia é a grande praça onde as pessoas se veem e se comunicam, e o que não pode ser dito nessa praça? E o que a mídia interdita a priori? Se colocarmos esta questão para um publicitário, que mexe com as subjetividades e gera desejo, podemos pensar em qual seria o limite da capacidade de seduzir, de influenciar, de convencer e de vender. Existe um limite ético possível. Estamos cada vez mais poderosos, mais capazes de editar, de condensar, veicular coisas subliminarmente, e é necessário que sejam reformuladas essas questões: “Será que é a coisa mais saudável que podemos fazer com a grande técnica que geramos?”.Arquivo Portal

Portal: A filosofia hoje está mais voltada para a prática do que para a fundamentação, no sentido de inspirar práticas, gerar questionamentos?
Lyra:
Do ponto de vista clássico, a filosofia tentou fundamentar. A filosofia nasceu com Platão, na Grécia, com uma grande racionalização da realidade, uma tentativa de estabelecer os fundamentos que permitissem aos homens viver da melhor maneira possível, administrando a si mesmo individualmente, coletivamente e politicamente. Só que não chegamos a uma conclusão, a uma fundamentação última. Talvez, em tempos pós-modernos, a função da filosofia seja mais do que a fundamentação, seja gerar questionamentos.

Portal: Estamos mais voltados à ação. A metafísica foi superada? Em que sentido ela ainda é importante na nossa sociedade?
Lyra
: Podemos falar de metafísica em sentido amplo ou específico. Ela significaria a busca de um saber transcendente, fundamentado, que serviria como uma espécie de farol para todas as práticas humanas, políticas e produtivas. Só que não conseguimos produzi-lo. A ruptura com o fio da tradição e a busca da razão última que permitiria guiar os seres humanos na direção do bem e da justiça deixou um problema: o que colocar no lugar dessa luz? Precisamos continuar perguntando pelo bem, pela justiça, pelo que gostaríamos de fazer com a nossa liberdade da maneira mais consequente possível, que esteja à altura de toda a metafísica e das questões fornecidas por ela. Talvez o que tenha ficado para trás seja a expectativa de uma fundamentação definitiva.

Portal: Qual o principal objeto de estudo dos atuais pensadores?
Lyra
: Como o homem deve administrar todo o poder que ele através da tecnociência gerou para si; como conversar sobre isso de forma razoável, à altura da complexidade das decisões que precisam ser tomadas. Nesse sentido, existe até um nascimento da retórica, de uma certa preocupação com a questão da forma do discurso capaz de tornar audíveis essas perguntas, que é o que está por trás da ideia de Para quem fala a filosofia?.

Portal: O evento Para quem fala a filosofia? é aberto ao público externo. Há um interesse crescente de leigos em discutir filosofia?
Lyra:
Operadores de direito, técnicos de mídia, arquitetos, todas as profissões são compromissadas com a produção de resultados palpáveis permitido pelo uso de técnicas. Muitas pessoas, inclusive estáveis financeiramente, decidem fazer cursos de filosofia, em locais como a Casa do Saber, na Lagoa, o Polo de Pensamento, no Jardim Botânico, e na especialização latu sensu da PUC-Rio.

Seminário “Para quem fala a filosofia?”

Segunda-feira, 6

9h às 12h: Mesa com Eduardo Barra (Filosofia UFPR) e Danilo Marcondes (Filosofia PUC-Rio), seguida de debate entre alunos da PUC-Rio, professores e alunos de escolas conveniadas, sobre o papel da filosofia na formação de nível médio.

14h às 17h: Mesa com Filipe Ceppas (Educação UFRJ) e Luiz Carlos Pereira (Filosofia PUC-Rio). Debate com alunos de diversas graduações da PUC-Rio sobre a experiência com o ensino de filosofia.

Terça-feira, 7

9h às 12h: Debate com Leandro Chevitarese (Filosofia UFRJ) sobre as relações entre o discurso filosófico tradicional e os atuais padrões de produção, difusão e recepção da cultura. Discussão sobre a presença da filosofia na mídia.

14h às 17h: Mesa com Pedro Duarte (Filosofia Unirio), Rodrigo de Almeida (Portal IG ex-Casa do Saber) e Auterives Maciel (Psicologia PUC-Rio) em torno do interesse por cursos de introdução, extensão e especialização em filosofia.

Quarta-feira, 8

9h às 12h: Diálogo Interdisciplinar. Debate com Arthur Ituassu (Comunicação PUC-Rio), Rejan Bruni (Biologia PUC-Rio), Luiz Camillo Osório (Filosofia PUC-Rio/ curador do MAM) e Edgar Lyra (Filosofia PUC-Rio) sobre as possibilidades de interação com outras áreas de saber.

14h às 17h: Interlocução acadêmica. Mesa com Marildo Menegat (Serviço Social UFRJ) e Maura Iglésias (Filosofia PUC-Rio) sobre o diálogo interno da academia e a produção acadêmica.