João Pedroso de Campos - Do Portal
24/09/2012O Maracanã, tradução fiel da palavra “futebol”, se prepara para ser o olimpo onde serão escritos alguns dos capítulos mais expressivos da história esportiva do Brasil. Sob o peso da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016, o gigante de concreto da Zona Norte carioca, erguido para a fatídica Copa de 1950, tranformou-se num dos maiores e mais observados canteiros de obras do planeta: são 5.500 operários – 5.300 homens e 200 mulheres –, guindastes, diversas máquinas e uma infinidade de peças metálicas, além de 200 veículos, entre caminhões, tratores e escavadeiras. Acordará da hibernação forçada em fevereiro do próximo ano, quando será testado no Campeonato Carioca para bater um bolão na Copa das Confederações, em junho, principal laboratório para a Copa do ano seguinte. A cinco meses da reabertura do eterno (para os brasileiros) "Maior do Mundo", a equipe do Portal PUC-Rio acompanhou parte da partida diária entre os craques anônimos de macacão e o cronograma que se esgota entre a expectativa adoçada pelo imaginário, pela memória das grandes alegrias e tristezas, pelo folclore da arquibancada, e o "padrão Fifa", favorável ao marketing e aos negócios.
A reforma, iniciada em agosto de 2010 com o objetivo de deixá-lo neste "padrão internacional", compreende redução da capacidade, de 86 mil para 79 mil espectadores, aproximadamente; adoção da geometria oval, que significa maior proximidade do gramado e melhor visibilidade; instalação de 110 camarotes; mais rampas de entrada; nivelamento da arquibancada, que ficará mais baixa; e ampliação da cobertura (só 3 mil correrão o risco de pegar chuva). Em geral, o novo Maraca facilitará o acesso e a visão do jogo e trará a modernidade das cadeiras retráteis. Todavia, o torcedor terá de abandonar o hábito de, em partidas menos concorridas, trocar de lado no intervalo para acompanhar o ataque do seu time: os lugares serão fixos, como manda a Fifa.
A fachada ficará inalterada e, para alívio dos frequentadores cativos, a estátua do Bellini, tradicional ponto de encontro em frente à entrada principal, também passará incólume às mudanças. Com 66% dos serviços prontos, a reforma recebeu o cartão verde da Fifa, por caminhar dentro do prazo de conclusão previsto. Em 28 de fevereiro de 2013, um amistoso entre Brasil e Inglaterra deverá reinaugurar o Maior do Mundo, que completou 62 anos neste ano.
Se Nelson Rodrigues e Mário Filho, os irmãos Fla-Flu, já teriam sofrido com o fim dos geraldinos, como Nelson chamava o torcedor da antiga geral, extinta em 2007 para virar arquibancada, talvez estranhassem ainda mais ao verem o Maracanã, que leva o nome de Mário, tão modificado por dentro, com menos lugares e coberto por uma estrutura distinta da antiga, de concreto armado. Mas os cronistas cariocas, contemporâneos de um Rio e um futebol mais românticos, provavelmente reconheceriam o maior conforto para os arquibaldos, termo adotado pelo também jornalista Washington Rodrigues: depois de ganhar assentos individuais na primeira plástica do estádio, há cinco anos, a antiga arquibancada inteiriça se tranformará num anel mais baixo, homogêneo e próximo do campo, tomado por cadeiras retráteis e dividido por camarotes.
Emblema das glórias, dramas e surpresas pregadas pelo futebol, a arquibancada do Maracanã foi 80% remodelada. O novo contorno, oval, exprime a aproximação dos lados leste e oeste. Na prática, aumenta o campo visual do torcedor. As primeiras fileiras revelam-se 12 metros mais perto do campo e a apenas 14 metros da linha lateral do gramado.
Ainda de acordo com o "padrão Fifa", o Maracanã perderá seu fosso, recurso comum no país para prevenir invasões de campo. Sequer as sutis paredes de acrílico separarão a torcida dos jogadores. O engenheiro civil Marcelo Cruz Melo (foto), responsável pela parte pré-moldada da nova arquibancada, avalia que haja "um ganho na interatividade torcida-time" e prevê que os jogadores "sentirão mais a energia da torcida". Ele acredita que o modelo acabe estendido a outros estádios nacionais depois do Mundial, pois, assim como os ingleses erradicaram a violência marcada pelos hoolligans, os brasileiros também podem se ajustar a uma "maior civilidade" sem prejuízo ao calor, indispensável a quem acompanha a partida no olho do furacão. Para isso, Melo reforça a importância de legislação e fiscalização rigorosas.
– A proximidade maior foi executada segundo os padrões Fifa, que são interessados na qualidade do espetáculo vendido ao torcedor. Não foi pensada levando em conta o tipo de torcedor que frequentará o estádio depois da Copa, mas imagino que o Mundial será um divisor de águas no comportamento do brasileiro nos estádios – projeta o engenheiro.
Os padrões Fifa a que se refere Marcelo Cruz Melo levaram também à diminuição na capacidade do estádio em 7 mil lugares. Como a medida dos assentos, normalmente de 45 centímetros, é de 50 centímetros nas competições subordinadas à bandeira da Federação Internacional, o estádio comportará menos público. O Maior do Mundo chegou a receber mais de 180 mil torcedores – embora o recorde pertença aos 200 mil que, em 1969, se espremeram para ver o Brasil vencer o Paraguai por 1 a 0 nas Eliminatórias para a Copa do México. A capacidade máxima cairá para, precisamente, 78.800 lugares.
Apesar de menos numerosos que outrora, os arquibaldos da Copa das Confederações de 2013, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 não sofrerão com pontos cegos. Eles foram eliminados graças à nova inclinação, com apenas um lance de cadeiras e sem as divisões de nível. Embora a nova arquibancada incorpore mais cores, o espaço tende a ficar mais homogêneo – para o bem e para o mal. Terá nove tons de azul, amarelo e branco, combinados entre si para dar impressão de ausência de espaços vazios entre a plateia.
Os camarotes deixaram a parte superior das arquibancadas, onde cada um destes 100 espaços privativos tinha 32 metros quadrados e capacidade para 20 pessoas. Agora separam os anéis superior e inferior. No novo Maraca, as 110 áreas mais confortáveis, com 80 metros quadrados e a capacidade para 25 pessoas, não perfazem os 360 graus da arquibancada. Isto é, há locais em que os dois anéis se unem.
O conforto, apregoam projetistas, engenheiros e dirigentes, não ficará restrito aos que pagarem 2,3 milhões de dólares pelos camarotes. Sob as arquibancadas haverá lounges, com restaurantes, lojas, banheiros e entretenimento.
Cobertura ampliada será uma das marcas do novo Maraca
O orçamento final da obra, estimado pela Empresa de Obras Públicas (EMOP) em R$ 859 milhões, investidos pelas construtoras Odebrecht (79%) e Andrade Gutierrez (21%) – a participação da empreiteira Delta também estava prevista, mas a empresa se retirou do processo depois dos escândalos de corrupção envolvendo o contraventor Carlos Cachoeira –, excedeu a previsão em R$ 200 milhões. Os gestores da reforma creditam o aumento aos gastos referentes à cobertura do estádio da final da Copa 2014.
O valor excedente deve-se não propriamente à nova e tecnológica cobertura, um anel de compressão com um quilômetro de diâmetro e de 2400 toneladas (60 componentes metálicos, de 40 toneladas e 68 metros de comprimento cada), que sustenta uma membrana de fibra de vidro revestida de teflon por meio de 20 quilômetros de cabos de aço, nem aos quatro telões de alta definição, posicionados sobre os setores norte, sul, leste e oeste. O gasto inesperado associa-se à remoção minuciosa da antiga cobertura, uma marquise de concreto armado com 24 mil metros quadrados, que cobria menos da metade dos assentos. A nova estrutura, projetada pelo escritório alemão Schlaich, Bergermann und Partner, cobrirá 75 mil torcedores. Tecnicamente, tem durabilidade média de 50 anos e garantia de 15 anos. Para Marcelo Melo, será uma marca do Maracanã:
– A intenção da nova cobertura é ousar, impressionar. Ela será espetacular até no momento de sua montagem, que será feita por alpinistas – antecipa o engenheiro.
Estádio terá sistema de vigilância com 350 câmeras
Do legado que o novo Maraca deixará depois de assentada a poeira das competições internacionais, os especialistas apontam, em especial, avanços em infraestrutura que favorecem a segurança e o nível de acesso: monitoramento por câmeras, duas torres de acesso e 10.560 vagas para estacionamento. Destas, 360 ficarão dentro do complexo e o restante, em áreas anexas.
O sistema interno de vigilância reunirá 350 câmeras: o torcedor será monitorado desde a entrada e a circulação pelos corredores até a saída do estádio. Duas novas torres de acesso ajudarão a escoar o fluxo de torcedores, sobretudo em horários e jogos de maior público. Técnicos preveem que o esvaziamento do Maracanã seja feito em apenas oito minutos.
A capacidade do estacionamento interno subirá de 152 vagas para 360. Ainda é pouco, em relação às proporções e ambições que cercam o ex-Maior do Mundo, mas o torcedor poderá optar pelos anexos externos, que oferecerão 10.200 vagas.
Operários já sonham com “pelada inaugural”
Os 5.500 operários, que transitam por arquibancadas, vestiários e campo, vivem dias de Didi, Garrincha, Pelé e Zico. Eles se unem aos ídolos na escrita da história do estádio. Estes homens e mulheres trabalham arduamente, divididos em dois turnos de 10 horas diárias, ao longo da semana inteira. São os dois tempos cotidianos de uma partida que já dura 24 meses e será vencida nos próximos cinco.
Os operários do Maracanã revelam traços comuns. Boa parte tem ascendência nordestina ou é nordestina, e mora na Baixada Fluminense.
Os salários variam entre R$ 1.000 e R$ 2.500. A hierarquia se reflete nas cores dos capacetes: para os operários, cinza, laranja e azul, de acordo com a função desempenhada e a área de atuação; os engenheiros usam capacetes brancos.
Por envolver um volume tão grande de trabalhadores, o canteiro de obras do complexo do Maracanã concentra serviços de apoio aos operários. Há restaurantes – operários e engenheiros não fazem as refeições no mesmo refeitório –, salas de jogos com sinuca e pingue-pongue, espaço para cultos religiosos, e algo especial: salas de aula para os trabalhadores analfabetos. O grupo já conta com 30 alunos e a fila de espera só aumenta.
– É difícil ter oportunidades como esta. Quando se fica mais velho é ainda mais difícil. Procuro tentar entender tudo, sou curioso – esforça-se o auxiliar em tubulações Cícero Lima, de 36 anos, frequentador das aulas.
Apesar do trabalho duro, os operários parecem se comover com a importância da empreitada que os envolve. Auxiliar de pré-moldados, o capixaba Natalino Costa, 25, cantarolava “Deixa a vida me levar” em meio à tarefa de organizar peças de concreto no chão do que será um lounge.
– Tem que manter a alegria no trabalho. Eu sou assim: simples e alegre. E deixa a vida me levar. – justifica ele, sorrindo.
Volney dos Santos Ferreira (foto), 58, é encarregado de vigas. Baiano de nascimento, mora em Madureira, no subúrbio carioca. Chegou lá só com três meses de vida, porque o pai, também operário, veio trabalhar na construção da Ponte Rio-Niterói. Ele se diz orgulhoso e ansioso para ver concluída outra obra histórica:
– Sinto-me orgulhoso em poder ajudar. Eu vinha muito ao Maracanã quando era mais novo. Ficava na geral. Estou ansioso pelo o fim da obra. Se ainda estiver trabalhando aqui, quero jogar uma pelada com todo mundo que ajudou na obra. Sou goleiro – escala-se o operário botafoguense.
A incerteza de Volney tem uma razão. Numa obra dessas proporções, a rotatividade da mão de obra é muito grande. Os contratos da maioria dos operários são, em média, de dois a quatro meses. Mas ele já projeta a Copa do Mundo e cobiça ingresso para um jogo no Maracanã:
– Durante a Copa, espero ver o Maraca lotado, assim como foi em 1950. Eu quero garantir o meu lugarzinho ali, onde era a geral. Sei que não serão tantos torcedores, como em 1950, porque os estrangeiros (Fifa) não deixam mais. Mas será bonito também.
Sobre a final da próxima Copa, o carioca de coração faz um prognóstico ousado e otimista. Ele espera ver pela frente nada menos que a Argentina de Lionel Messi:
– Na decisão, espero que seja 3 a 0 para o Brasil contra a Argentina. Só não pode ser igual a 1950. A torcida pode ser igual; o resultado, não – brinca Volney.
Na Copa do Mundo de 2014, os arquibaldos do Maracanã, acomodados em assentos retráteis e ainda viúvos da vista para a geral, torcerão para que o prognóstico de um eterno geraldino, o operário Volney, se concretize e redima a nossa seleção, cuja intimidade com a arte também precisa de uma reforma. Enquanto isso, a fibra de vidro com teflon e o aço devem ser incorporados à definição “monstro de areia, ferro, pedra, e cimento, onde está a alma do futebol”, eternizada por Oduvaldo Cozzi em tempos de Nelson Rodrigues e Mário Filho, para descreverem o Maracanã que será reaberto ao mundo em fevereiro.
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