Mariana Alvim - Do Portal
01/03/2012“Bebo água da chuva – lama pura / Não tenho o que falar, penso em morrer / Pois que o viver foi sempre esta loucura". Os versos do poema Soneto louco, presente no livro homônimo e recém-lançado de Théo Drummond, podem ser reflexo de uma vida que envolveu o trabalho em jornais, o testemunho dos conflitos de poder em Angola e o amor pelas palavras. Aos 84 anos, mesmo aposentado, o jornalista, publicitário e poeta frequenta diariamente a Agência 3 Comunicação Integrada, empresa de publicidade da qual é um dos fundadores.
Antes de viver histórias dignas de livros, Théo iniciou uma paixão pela literatura, por volta dos 12 anos, esmiuçando os livros de cabeceira do pai, que, segundo ele, tinham mais a função de enfeitar que a de serem lidos. Havia Luís de Camões, Olavo Bilac, Álvares de Azevedo, e uma publicação que particularmente marcou sua trajetória como poeta, sobre sonetos. Nele, estavam as regras para a composição desta forma poética. São 14 versos, distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, normalmente seguindo padrões de rima e métrica. Mesmo com as dificuldades, o soneto conquistou Théo Drummond:
– Gosto do soneto por ser um tipo de poesia muito complicado de fazer. Tem que contar uma história com início, meio e fim e com regras. Escrevi em outras formas, mas sempre fui acostumado a fazer o soneto – conta o poeta, que já escreveu 21 livros, sendo 10 de poesia e os demais variando de crônicas a fábulas.
Alfred e sua tara no prelo, A formiga e eu e 100 sonetos são os livros prediletos de Leonardo Brossa, consultor de comunicação que trabalhou com o escritor na Agência 3 de 2004 a 2008, e se tornou amigo de Théo.
– Ele é um grande amigo que fiz. Foi uma amizade inusitada, porque o Théo era ativo no computador e eu era nerd. Então, ele sempre pedia que eu consertasse alguma coisa no computador e acabávamos conversando. Todo dia eu tirava um tempinho para falar com ele. Numa dessas, ele me iniciou na poesia, com a qual eu tinha um pouco de preconceito – admite Brossa, que passou a ler obras do gênero e a frequentar saraus.
A relação de Théo com as palavras não ficou restrita aos poemas. Aos 15 anos, começou a trabalhar como repórter do jornal A Noite, vespertino de Irineu Marinho onde seu pai era diretor. Um ano depois, passou a escrever crônicas, mas sem abandonar a reportagem – o jornalismo sempre foi sua paixão. Mas Théo passou a se envolver cada vez mais com a publicidade. Nos anos, Adolpho Bloch o chamou para ser vice-diretor de publicidade da revista Manchete. Depois de três anos, ocupou a mesma função no jornal O Globo, a convite de Roberto Marinho. Após três anos, se tornou diretor comercial do Jornal dos Sports.
Theo viveu um ano e meio em Angola, como consultor político de Holden Roberto (na foto, à esquerda, com a mão na cintura), fundador da Frente Nacional de Libertação da Angola (FNLA), organização que a partir dos anos 50 disputou o poder de Angola com MPLA e Unita. Em 1975, a MPLA derrotou as outras frentes e assumiu o governo angolano. Neste contexto, Theo se relacionou com Agostinho Neto, líder da MPLA, Jonas Savimbe, líder da Unita, e Mobutu Sese Seko, ditador que comandou o Zaire entre 1965 e 1997. Mobutu era primo de Holden Roberto e, por isso, as bases materiais da FNLA ficavam no Zaire. Apesar do apoio de um ditador, Roberto lutava pela democracia.
– O Holden Roberto era um cara brilhante. Em 30 minutos conversando com ele, você se apaixonava. Ele falava seis idiomas e diversos dialetos. Ele era genial. Teve a ideia de mandar jovens universitários angolanos para a Europa, para estudar durante quatro ou cinco anos e voltar preparados o suficiente para assumirem ministérios – conta Théo. Mas a vida é engraçada. Roberto estava na beira do rio que cortava Luanda, quando o ditador de Uganda Idi Amin o chamou para uma reunião. Ele foi. Tempo suficiente para que navios cubanos chegassem, ajudando Agostinho Neto a tomar o poder.
O poeta conta a importância da experiência na sua vida:
– A experiência na África foi muito diferente. Ela me deu a tranquilidade de saber que a maioria das pessoas não faz mal a ninguém. A gente andava no meio do mato, em jipes, e nada acontecia. O negócio era inacreditável. Todo mundo da Angola e do Zaire sabia da minha relação com Roberto. Eu subia e descia nos elevadores do hotel com cinco ou seis homens armados e eles nunca fizeram nada, até me cumprimentavam – revela o publicitário, que em sua estada visitou África do Sul, Moçambique, Angola, Zaire, Congo, Uganda, Marrocos, Egito e Líbia – conta o publicitário, que na foto abaixo aparece no canto direito, em frente a Holden Roberto e do jornalista Luís da Camara Cascudo.
Depois de sua passagem pela África, Théo fundou com seu filho, Théo Pillar, a Agência Gênesis. A empresa durou 21 anos, até sua fusão com outras duas agências de publicidade. A operação resultou na Agência 3, que hoje conta com mais de 130 funcionários.
– Tenho muitos problemas físicos, ando de bengala. Mas eu sempre tive na minha cabeça que queria continuar trabalhando. Não quero ficar dentro de casa sempre. Não que não seja agradável. Mas aqui eu trabalho e converso com pessoas diferentes.
A revisora Ana Cláudia Bruno Ribeiro é uma das colegas que apreciam a conversa:
– Admiro seu Théo como poeta, mas o que mais gosto é a pessoa dele. Ele tem um coração enorme. Fora que ele tem uma cultura e uma sabedoria monstruosas. A experiência dele não é restrita à publicidade. É uma experiência de vida.
Apesar de ter construído uma carreira na área da publicidade, Théo diz se arrepender de não ter seguido a carreira de jornalista:
– Eu me arrependi de não ter feito mais reportagens. A publicidade me prende porque eu tenho que lidar com diversas mídias. Você vive de conseguir trabalhos para sua empresa, não tem a liberdade de escrever sobre o que quiser – compara Théo.
Para ele, a única diferença entre o jornalismo do passado e o atual é a facilidade material que tem o repórter hoje, como o acesso à internet e a disponibilidade de carros de reportagem. Mas para ele, "os assaltantes são os mesmos".
O publicitário comenta as revoluções liberais que acontecem no Oriente Médio, baseado nas informações que lê, rotineiramente, nos jornais e a que assiste nos noticiários de televisão.
– A Primavera Árabe era esperada. Os árabes eram muito fechados. Por isso, os noticiários não mostravam o que acontecia no resto do mundo, as embaixadas é que fizeram esse trabalho. Mas agora os árabes estão convencidos de que têm que mudar. Eu acho que essa revolução vai se expandir rapidamente.