A separação entre política e caridade revela-se difícil na África, especialmente em iniciativas provenientes de países em que a consciência humanitária é difundida entre os cidadãos, como Noruega e Dinamarca. O diagnóstico do professor Cristopher Clapham, da Universidade de Cambridge, abriu o ciclo de palestras “Africa Lecture Series”, neste segunda0feira (21), na PUC-Rio. Clapham avaliou os interesses políticos por trás de instituições beneficentes no continente e alertou para os efeitos colaterais do recente acordo pela independência do sul do Sudão, que "pode deflagrar o reconhecimento de áreas rebeldes em outros estados".
– Temos uma profunda apreensão – disse ele – A relação entre ONGs e governos, nesses casos, se tornou simbiótica. Boa parte do dinheiro dos programas de ajuda humanitária vem do governo, e muitos ministros controlam ou fazem parte dessas organizações.
Segundo o especialista, ONGs teriam forte atuação política nos países em que desenvolvem ações humanitárias. A distribuição de alimentos numa guerra civil, por exemplo, pode atrair apoio popular para o governo ou para os rebeldes, dependendo do lado apoiado pela instituição. Ainda de acordo com Clapham, durante a guerra pela independência da Eritreia, ex-província da Etiópia, grupos de ajuda humanitária ligados aos EUA e à ONU disponibilizaram armas e comida apenas para setores de apoio ao governo, o que “engordou” esse segmento.
– As organizações se dividem. Algumas optam por ajudar o governo, outras, os rebeldes – observou.
Na avaliação do especialista, a guerra civil na Nigéria, pela independência de Biafra, também ilustra a interferência da política na caridade. Clapham afirma que o jogo de interesses por trás da distribuição de donativos visa criar uma visão de “protetores e bem-intencionados” das potências ocidentais entre os cidadãos africanos.
– No campo de refugiados, se perguntaram para alguém de onde vem o que ele está comendo, dirão “da América”, mesmo que o alimento tenha vindo de outros locais – afirmou – Uma criança faminta não sabe nada sobre política, mas a política sabe tudo sobre as crianças famintas.
Se a entrega de mantimentos contribui para o fortalecimento de determinados grupos em detrimento de outros, a submissão do envio de recursos aos interesses das ONGS causa o descontentamento daqueles que dependem desses fundos:
– Colegas de universidades africanas reclamam das condições de trabalho nas instituições que recebem dinheiro do terceiro setor.
O professor também enfatizou que os preconceitos em relação à Ágrica muitas vezes escondem a “enorme complexidade” do continente. Ele recomendou que a África fosse vista menos a partir de cada país isoladamente e mais com base nos fluxos de pessoas e ideias que lá existem.
– O primeiro mapa da África que peço para os meus alunos olharem é o da distribuição da população – exemplificou.
O professor Tom Young, da Universidade de Londres, o segundo palestrante do dia, discutiu a atuação dos tribunais de conciliação nas guerras civis na Libéria e em Serra Leoa. "São caldeirões étnicos e encontram-se em séria estagnação econômica", alertou.
Segundo Young, há em embate entre as duas formas para resolução de conflitos naqueles países. A primeira é pela via política, por meio de acordos entre grupos adversários; e a segunda é a jurídica, com da punição aplicada aos infratores dos direitos humanos. Por conta da instabilidade política persistente nesses territórios, os tribunais tornaram-se mais comuns, mediados por organismos estrangeiros.
– O grande obstáculo nas doações para países africanos é coordená-las sem entrarmos no campo ideológico – disse ele, admitindo que há distorções nas doações.
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