Nélida Piñon foi precoce no mundo dos escritores. Com 24 anos lançou o primeiro dos 19 livros: Guia Mapa de Gabriel Arcanjo. Marcado pela estética inovadora e considerado "hermético" pelos críticos da época, a obra inaugurava uma carreira sólida que rendeu à escritora, entre tantos orgulhos, a quebra de um tabu em especial: foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, em 1996/97. Na PUC-Rio, onde formou-se em jornalismo, em 1957, Nélida já abraçava a vanguarda. Ali não estava para “procurar marido”, como era comum se pensar nos anos 50, mas para impulsionar a formação intelectual:
– Na época, existia um enorme preconceito contra as mulheres na universidade. Como se não pudessem buscar conhecimento pela sua própria natureza. Pelo fato deste instigar a vida, o saber – lembra a escritora.
A jovem universitária, nascida
– Como não existia uma pressão machista entre os colegas, nós mulheres tínhamos muita liberdade – conta.
Mas não foi exatamente nos pilotis atuais que Nélida conheceu esse convívio. A escritora viveu a transição do campus da universidade. No primeiro ano de graduação, a PUC ainda ficava em um antigo casarão na São Clemente, em Botafogo, conhecido como Palacete Joppert:
– Era uma casa bonita. Dava a ideia de que não se estava na universidade.
Depois do primeiro ano, a aluna do curso noturno de comunicação acompanhou a transferência da universidade para a Gávea. Um "enorme espaço" daria lugar ao campus, começando pelo prédio Cardeal Leme. A PUC era uma adolescente, com 14 anos de vida. Mesmo assim, a escritora lembra que a instituição já atraía "grandes profissionais":
– A PUC, apesar de nova, tinha prestígio, por causa dos seus fundadores, os jesuítas. Contava com professores respeitáveis desde aquela época.
Alguns deles marcaram a passagem de Nélida pela universidade, como Madalena Vieira Pinto, especialista em geografia – matéria que Nélida tinha "gosto por estudar". Com o interesse, veio a facilidade nas aulas e ela passou a “sentar na sala, fazer o que tinha de ser feito e sair para algum outro compromisso”. A atitude, sob o amparo das boas notas, rendeu-lhe o carinhoso apelido de “Levada”, dado pela professora. Fernando Tute de Souza (“um excelente jornalista”), Marcelo Ipanema ("um historiador do jornalismo"), o publicitário Mauro Salles, formado anos antes pela própria PUC, também reforçaram os bons momentos no campus da Gávea.
Apesar dos "grandes mestres" que a cercavam, nenhum deixou um legado intelectual tão inusitado quanto Clarival Valadares. Especialista em artes – “grande intelectual baiano” – o professor se identificava com a "aluna que sabia muito de arte”. O curioso era o assunto: a beleza das estátuas dos cemitérios brasileiros.
– Eu li muito sobre cemitérios por conta dele – lembra Nélida.
Os variados conteúdos apresentados à escritora na universidade tiveram um papel decisivo em sua formação. O ambiente temperado por grandes educadores e igualdade entre homens e mulheres – o que garantia "uma liberdade muito grande" – foi, segundo ela, essencial ao desenvolvimento profissional.
– Eu não sentia um ambiente de pressão. Assim, pude crescer.
Ainda na graduação, os resultados apareceram. A menina que gostava muito de ler – e desde criança projetava-se escritora – resolveu escrever seu primeiro livro. O esboço nasceu concomitantemente às atividades acadêmicas, mas a obra só foi lançada em 1961. Segundo Nélida, o debate teológico que ela faz no livro é fruto do convívio com os jesuítas na universidade.
– Na PUC houve um prolongamento, com os jesuítas, da educação que me foi oferecida pelos beneditinos. Houve um aperfeiçoamento da minha formação teológica. E isso apareceu no livro.
O jornalismo como busca do cotidiano
Mesmo com boa formação literária, Nélida ainda se sentia deficiente em alguns aspectos. A rua sempre a fascinou, mas faltava-lhe "essa experiência". Assim escolheu o jornalismo, para "suprir essa ausência". Nascia na jovem o "sentimento de reportagem".
– Eu pensei: se eu faço jornalismo eu vou me jogar na rua e isso vai ser importante para mim. Eu busquei o cotidiano – explica.
Na própria PUC, vivenciou a rotina de apurações e entrevistas, como repórter do jornal Unidade. Escrevia sobre o tema favorito: literatura. Ela recorda-se de uma reportagem em particular, sobre o lançamento do primeiro livro de Françoise Sagan, escritora que, aos 18 anos, produziu sua maior obra: "Bonjour Tristesse" ("Bom dia tristeza"). O extraordinário sucesso da francesa influenciou os jovens intelectuais no mundo todo, inclusive os brasileiros:
– O lançamento atordoou a todos nós brasileiros que liam e acompanhavam a literatura francesa.
As outras experiências da repórter Nélida foram em "jornaizinhos" da comunidade espanhola no Rio, ainda enquanto estava na graduação. O pai espanhol "era só orgulho": recortava e guardava os artigos nos bolsos das blusas e os apresentava aos amigos pelas ruas.
– Ficava apavorada quando saia com meu pai. Quando vinha alguém ao nosso encontro, eu sabia que ele ia tirar os jornaizinhos e dizer: ‘Olha aqui o que a minha filha escreve’ – conta, com carinho.
A filha era a paixão de Lino Piñon Muiños, que morreu pouco antes de Nélida lançar o primeiro livro.“Sempre tive uma grande tristeza de o meu pai não estar vivo quando eu publiquei [o livro]”, lamenta. Lino dizia que seu grande orgulho era a formatura da filha, tanto que decidiu presenteá-la com uma joia.
– A minha formatura foi a alegria que eu pude dar a ele. Ganhei uma joia, comprada com dificuldade, e jamais esquecerei isso. Lembro-me perfeitamente: usávamos uma roupa azul. Lembro-me do olhar do meu pai quando ele entregou aquela caixa [com a joia]. Posso dizer que fui muito feliz na PUC.
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