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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Campus

"Só não ouço sertanejo", diz Nelson Motta

Clarissa Pains - Do Portal

15/03/2010

 Camila Monteiro

“Vamos começar o Nelson Motta Acústico MTV”. Foi assim que o compositor, letrista, produtor cultural, jornalista, escritor e descobridor de talentos Nelson Motta iniciou sua palestra, proferida na sexta-feira (12/03), na PUC-Rio. O encontro marcou o último dia da série de conferências Operação Leitura, realizada pela Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio.

Aos 65 anos, o autor da bem sucedida biografia de Tim Maia – mais de 140 mil exemplares vendidos – e da letra da canção Como uma onda, conhecida na voz de Lulu Santos, contou que Nelson Rodrigues é sua maior influência e que, na escola, foi reprovado duas vezes em português. Eclético, não consegue se ater a apenas uma profissão. Da mesma forma, ouve de rock a bossa nova. “Gosto de tudo... Menos de sertanejo”, confessou.

– Eu queria ser designer. Mas, no último ano do curso, fui seduzido por meu professor de comunicação verbal, Zuenir Ventura, que me chamou para um estágio na redação do Jornal do Brasil. Resultado: um designer a menos no mundo – disse ele, arrancando risos da plateia – No entanto, o que aprendi fazendo projetos de design me ajuda até hoje na elaboração de shows, colunas de TV.

Após passar pela editorial Geral do JB (“só escrevendo sobre buraco na rua, assalto”), Motta foi para o Caderno B e começou a se envolver mais com a área cultural, da qual já gostava. A partir daí, passou a se dedicar a vários veículos, várias profissões. “Talvez, se eu tivesse seguido apenas uma área, fosse melhor nela do que sou hoje. Mas seria o mais infeliz dos seres”, afirmou. Ele contou que o português, disciplina que, pelas mãos do jornalista Zuenir Ventura, o encaminhou para sua “verdadeira vocação”, lhe trazia lembranças traumáticas dos tempos de colégio:

– Na sétima série [atual oitavo ano], fui reprovado em português. Não passei nem na recuperação – lembrou – No primeiro ano do Ensino Médio também: precisava tirar três e só tirei um. Claro que parte disso se deveu a muita vagabundagem, mas os professores também tiveram sua parcela de culpa: só passavam livros de José de Alencar. A minha geração queria ler Hemingway, Albert Camus, Jules Verne, Jorge Amado, Fernando Sabino, Rubem Fonseca. Escritores latino-americanos, como Gabriel García Marques, também me influenciaram muito. Aprendi a escrever lendo quem escrevia bem.

Segundo ele, no entanto, sua maior influência é Nelson Rodrigues, de quem chegou a ser colega de redação. O polêmico escritor costumava juntar todos os repórteres ao seu redor e criar suas crônicas ali, na hora. “Ver uma crônica de Nelson Rodrigues nascer é como assistir a um show dos Rolling Stones”, se entusiasmou. “Ele se faz presente em tudo o que eu escrevo”.

Nelson Motta só se tornou escritor profissional aos 50 anos, com o Guia cultural de Nova York. Mas, ainda assim, o livro tinha forte carga jornalística. Já com Noites Tropicais, em que ele detalha os bastidores da música nacional entre os anos de 1958 e 1992 – quando decidiu deixar o país para morar em Nova York –, Motta conseguiu criar um estilo um pouco mais próximo do romance. Depois dessa publicação, sua mãe teve grande participação na escolha do estilo de seu próximo livro:

– Ela sempre foi minha crítica mais ferrenha e me disse que, se eu quisesse mesmo me tornar um escritor, tinha que escrever ficção. Então, fiz O canto da sereia, que é na verdade uma paródia, um “noir baiano”. Quer maior contradição que um noir baiano? – indagou – A Bahia é o lugar mais ensolarado que existe. Aliás, escrevi boa parte da biografia de Tim Maia em Salvador. Lá é tudo mais lento, sem pressão. Paradoxalmente, minha produtividade aumenta muito na Bahia.

Ele costuma seguir o sábio conselho da mãe: escreva sobre algo que você conheça bem. O livro Vale tudo – O som e a fúria de Tim Maia é prova disso:

– Escrever a biografia do Tim foi uma moleza, não vou enganar ninguém. Eu já o conhecia muito bem, contava as histórias dele, o imitava nas festas. Ele era meu personagem preferido – contou – Durante um ano, viajei o Brasil inteiro fazendo pesquisas e entrevistas. Em qualquer lugar que chegava, encontrava ene histórias relacionadas ao Tim. Ele foi a pessoa que mais me divertiu na vida, tinha um humor espontâneo, que só poupava a mãe. E, ao mesmo tempo, deixou uma contribuição incalculável para a música brasileira.

Depois do sucesso da biografia, ele ficou “se sentindo”. Mas não se aprende nada com o sucesso, apenas com o fracasso: com o show que não deu certo, com o disco que não saiu. Passou um ano sem conseguir escrever nada porque “o Tim” era melhor que todos os personagens em que conseguia pensar.

– Escrever é uma sensação maravilhosa de liberdade. A tela em branco aceita tudo o que eu quiser criar, sem a técnica necessária na TV. Mas, vez ou outra, há crises. Alguns escritores dizem que chega uma hora em que os próprios personagens tomam conta da história. Para mim, não funciona desse jeito. Chega uma hora em que a história simplesmente não anda. O que fazer? Eu faço tudo, inclusive nada. Saio, leio um jornal, fumo. Em último caso, fico em frente à tela, de castigo. Uma hora sai. Se não sair, tem que mudar de profissão. Vai ser jockey, sei lá – brincou.

 

Ele aplicou o mesmo conselho da mãe em sua mais recente obra: Força estranha. Todos os dez contos que o livro reúne apresentam situações reais, que ele mesmo viveu, e aspectos ficcionais. Com o devido cuidado para não revelar demais sobre o livro, Motta preparou os leitores:

– As primeiras histórias parecem que não têm nada a ver uma com a outra. Mas, ao ler a última, vê-se que todas estão intimamente ligadas.

Quanto aos trabalhos relacionados à música, pelos quais é mais conhecido, ele avalia que suas melhores canções são versões de músicas estrangeiras. De acordo com Motta, o principal valor de uma letra de música é a sonoridade:

– A frase poética pode ser totalmente arrítmica, mas a frase musicada tem que ser melodiosa – ensinou – Eu ouço as melodias até “encher o saco” e tento achar palavras que tenham som parecido com o que o cantor faz.

Ele evita o tom apocalíptico ou preconceituoso em relação a estilos musicais. Samba, funk, bossa nova. Para ele, gostem ou não, esse é o som do Rio de Janeiro.

– Costumam dizer que o samba vai acabar, mas está sempre “bombando”. Diogo Nogueira, Maria Rita, Roberta Sá, por exemplo, estão renovando esse estilo – disse – Meu cantor favorito é João Gilberto, que só canta samba. Ele, inclusive, diz que bossa nova é invenção dos outros, o que ele faz mesmo é samba.

Motta contou que, na época do advento do rock brasileiro, quem estava envolvido com bossa nova não podia gostar de rock e vice-versa. Apesar de a maioria das pessoas considerar os estilos musicais excludentes, ele gostava dos dois:

– Eu sentia que tinha o direito ouvir o que quisesse. Até hoje é assim: ouço de tudo... Menos sertanejo – confessou, rindo – Mas, de resto...