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Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2024


Campus

"O lixo e o luxo perderam sua clássica divisória"

Clarissa Pains - Do Portal

10/03/2010

 Camila Monteiro

A pergunta “Que país é este?”, mote de canções e poesias no final da década de 1970, foi título de uma série de poemas reunidos 30 anos atrás em livro por Affonso Romano de Sant’anna. Partindo da discussão sobre o que é centro e o que é periferia na cultura brasileira, o escritor retomou o tema na palestra Afinal, que país é este? organizada ontem (09/03) pela Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio, no ciclo Operação Lei Tura.

Romano de Sant´anna apresentou o conceito de “deslocamentos simbólicos”, ou seja, mudanças de padrões que dificultam a compreensão do tempo em que vivemos e levam a uma série de inquietações. “Quem não está inquieto nos dias de hoje passou por uma lobotomia qualquer”, brincou.

Segundo ele, não apenas placas físicas se deslocam hoje – referindo-se aos terremotos no Haiti, no Chile e na Turquia –, mas também placas geopolíticas e sociais. Na tentativa de organizar o “terremoto da cultura”, ele apontou vários “sintomas” da confusão de nossa era:

– Aquilo que era marginal virou fashion. Em nossa pele, usamos piercings e tatuagens, que antes só eram usados por marinheiros e prostitutas. Roupas trash, rasgadas, com aspecto de envelhecidas são valorizadas e custam caro. O lixo e o luxo perderam sua clássica divisória – afirmou – A noção de gênero sofreu metamorfose e o homossexualismo se institucionalizou. O conceito de família também mudou. Não há mais a divisão entre público e privado: qualquer “moça de família” pode, por exemplo, posar nua sem problemas. A TV está cheia de reality shows, estamos vivendo uma exposição alucinante.

No campo da política, o escritor acredita que está cada vez mais complicado distinguir os partidos de esquerda dos de direita. Para ele, governos esquerdistas como o de Cuba mostraram que podem exercer o mesmo papel de ditaduras de direita. Já no plano econômico, o capital está cada vez mais volátil: circula virtualmente de dia e de noite. De acordo com ele, também não há separação entre centro e periferia no campo artístico. “O que antes era excêntrico, fora do centro, já deixou de ser”, disse o escritor, que dedicou dois livros ao tema: A metáfora do vazio e Desconstruir Duchamp.

– É importante perceber que nós não fomos educados para a norma, e sim para o excêntrico, para a transgressão. O problema é que, de tanto transgredir, já não se consegue transgredir mais nada. As artes plásticas são o setor da nossa sociedade que mais sinaliza a falta de rumo do nosso tempo. Porém, a arte dialoga com nosso inconsciente, por isso pode substituir a função que a religião e os partidos políticos já tiveram: oferecer novos valores.

Quando não é mais possível separar o que é norma e o que está marginalizado, a solução, segundo Romano de Sant´anna, é estarmos abertos à ideia de “policentrismo”, enxergarmos o centro do outro:

Avatar, apesar de ser um filme comercial, levanta essa questão. Os seres azuis da película não dizem “eu te amo”, mas “eu vejo você” – ele exemplifica – Realmente ver e compreender o outro é inaugural. Estão exigindo do povo americano que ele veja, por exemplo, a sociedade árabe.

Os próximos palestrantes da Operação Lei Tura serão Ignácio de Loyola Brandão, no dia 10, Zuenir Ventura, no dia 11, e Nelson Motta, no dia 12, sempre às 17h, no auditório do CTC, no décimo segundo andar do prédio Cardeal Leme.

Nascido em 1937, em Belo Horizonte, Affonso Romano de Sant'anna teve participação ativa nos movimentos que transformaram a poesia brasileira. Com mais de 40 livros publicados, ele é professor em várias universidades brasileiras (PUC-Rio, UFMG, URFJ e UFF). No exterior, lecionou nas universidades da California (UCLA), Koln (Alemanha) e Aix-en-Provence (França).

Nos anos 1970, dirigindo o Departamento de Letras e Artes da PUC-Rio, estruturou o curso de pós-graduação em literatura brasileira, considerado um dos melhores do país. Como jornalista, trabalhou, entre outros veículos, na Veja, na Isto É e no Estado de São Paulo. Foi cronista da revista Manchete e do Jornal do Brasil, e está no Globo desde 1988. Sua obra tem sido objeto de teses de mestrado e doutorado no Brasil e no exterior.