Carolina Ernst e Giovanna Santoro - aplicativo - Do Portal
10/12/2015Poucas horas separam os negociadores reunidos na 21ª Conferência do Clima (COP 21), em Paris, da missão de converter as 29 páginas do rascunho do acordo internacional em avanços concretos, com a "força de lei" preconizada por líderes como o presidente americano, Barack Obama. Significa contemplar políticas e iniciativas coordenadas para diminuir o aquecimento global e a emissão de gases formadores do efeito estufa. Em outras palavras, significa dar régua e compasso a deveres de casa encaminhados em outras importantes conferências do gênero (Rio92, Rio+20, Copenhague etc.), mas ainda presos à retórica. Caso, por exemplo, das ações voltadas a restringir o aumento da temperatura do planeta 2ºC até 2100, meta já considerada por especialistas insuficiente para conter efeitos socioeconômicos drásticos.
A estatura prática do compromisso costurado por representantes de 150 países depende da capacidade em desatar nós como a extensão das metas sustentáveis e a divisão de financiamento e responsabilidades para atingi-las. Um dos deveres de casa mais difíceis, símbolo da crônica dificuldade de conciliação entre interesses ambientais e econômicos, remete ao 12° dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável consolidados na Agenda 2030, estipulada na Cúpula das Nações Unidas, há três meses. O documento, assinado por 150 chefes de Estado e de governo, aponta metas como a erradicação da pobreza, a promoção do "trabalho decente" e a implementação de energia limpa nas cidades. A 12ª delas indica caminhos para a produção e o consumo sustentáveis: gestão sustentável, uso eficiente dos recursos naturais, diminuição do desperdício de alimentos, manejo ambientalmente correto de resíduos, incentivos a empresas e governos, e até acesso das sociedades à informação. Embora reconheçam avanços na área, analistas alertam sobre a urgência de gerir melhor os recursos.
Para o presidente da Presidente do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABND) e coordenador do Instituto Brasil PNUMA, Haroldo Mattos, predominam, no Brasil e no mundo, modelos de produção já comprometidos no discurso com a sustentabilidade, porém distantes na prática. Se a conscientização sobre a finitude dos recursos avançou, desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, quando “os ambientalistas cabiam dentro de uma kombi”, por outro lado ainda se revela insuficiente para mudar decisivamente filosofias econômicas hegemônicas. O sócio-diretor do iSetor e presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Profissionais de Sustentabilidade (Abraps), Marcus Nakagawa, também identifica uma distância significativa entre o conceito de sustentabilidade incorporado aos discursos e a aplicação nas rotinas econômicas. "Fala educação sustentável ao consumidor", avalia.
– O conceito de consumo sustentável, de consumo consciente, está aumentando no país. No entanto, ainda falta muita educação do consumidor. Vivemos um momento no qual, apesar da crise financeira, houve uma inserção no mercado de muitos consumidores das classes C e D. Essas pessoas ainda estão experimentando o consumo em si, ou seja, a noção de consumo tradicional. Leva um tempo até que o consumo incorpore os conceitos de sustentabilidade – pondera o professor.
A disseminação de modelos e práticas sustentáveis exige, entre outros avanços, a adoção sistemática – por empresas, governos, consumidores – de uma visão de longo prazo. Sem tal atributo, argumentam os especialistas, não se percebe a relação direta entre a sustentação de negócios, reputações corporativas e compromissos ambientais. Desastres como o de Mariana (MG) evidenciam que, apesar de normas e protocolos ambientais mais rigorosos, a ficha ainda não caiu por completo.
Mattos afirma que os acordos para universalizar a produção e o consumo sustentáveis "vão além das taxações e leis". Demanda, segundo o especialista, incentivos fiscais. Logo, pondera ele, depende políticas públicas e da disposição da iniciativa privada em reduzir as margens de retorno. “A contribuição dos governos para a produção sustentável está sendo discutida, por exemplo, pelo manual da Firjan", acrescenta. Para a coordenadora de Comunicação do Instituto Akatu, Ana Neca, o Brasil começa se alinhar com as principais discussões e iniciativas dirigidas à construção de um novo modelo de consumo:
– Já temos muitos consumidores interessados pelo assunto, mas faltam soluções de mercado. A equação da produção e do consumo sustentáveis é composta por cinco fatores: mudanças tecnológicas, mudança radical de política pública, fundos públicos a serem investidos, consciência dos consumidores, ou seja, mudança do estilo de vida, e produtos e serviços radicalmente novos. Estamos falando de uma nova organização da sociedade, um novo modelo de consumo. O mundo não tem mais espaço para essa economia antiga. Ainda temos um grande caminho a percorrer.
Embora observe-se uma dificuldade renitente em implantar políticas públicas e estratégias corporativas alinhadas às novas exigências ambientais – dificuldade refletida nas negociações governamentais da COP 21 –, a indústria abre janelas para materializar a visão de longo prazo em torno da conciliação entre rendimento econômico e sustentabilidade. Formado por mais de 50 empresas de grande porte do Brasil, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), por exemplo, lançou o Manual de Compras Sustentáveis. Na mesma linha, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) investe num programa que simula táticas de produção e consumo sustentáveis no estado.
Nakagawa ressalva, no entanto, que “nem todas as empresas brasileiras estão aderindo à produção sustentável”. Na avaliação do professor, essa “educação” precisa ser aplicada nas médias e micro empresas. Mattos sugere a ampliação de estímulos como isenções fiscais e premiações a empresas com destacadas performances ambientais, de acordo com indicadores de sustentabilidade empresarial.
– Ainda são relativamente poucas as empresas brasileiras que se projetam nesse cenário. Não dá pra dizer que a maioria está aderindo à produção sustentável. Por outro lado, grandes empresas estão puxando esse conceito para o dia a dia, para ser incorporado pelo consumidor – observa Mattos – Atos simples, como comparar produtos pelo impacto ambiental antes da compra, não são implantados de um dia para outro na população – completa.
O diretor do programa de educação sustentável Pé na Estrada, Jorge Rafael Dias Oliveira, propõe a disseminação do conceito nas escolas. Ele argumenta, que, embora o tema antigo seja antigo, a inclusão no currículo escolar brasileiro é recente. À medida que se formarem, por meio da educação escolar e familiar, consumidores engajados em compromissos sociais, o mercado tem de se ajustar a esse amadurecimento, projeta Oliveira:
– O consumidor é o ponto central (do mercado), é ele quem manda. Logo, o consumidor consciente, que, por exemplo, pensa no lixo produzido no momento da compra, estende isso para o ambiente à volta. Consumo consciente significa ter informações e usá-las no momento da compra. Significa ceder cada vez menos espaço ao consumo por impulso. Esse outro olhar só vem pela educação.
Oliveira admite que escolas pública e particulares têm levado as discussões e práticas ambientais para a sala de aula. Mas, na opinião dele, instalações precárias “dificultam o ensino eficaz de sustentabilidade”. Ele lembra que a educação ambiental começa em casa:
– Com a terceirização da escola como educadora integral, a consciência ambiental torna-se mais difícil. Consumo sustentável também vem de casa. Como muitos pais não tiveram essa educação, não têm conhecimento para transferir a seus filhos.
Nakagawa defende a extensão desse aprendizado do ensino fundamental ao universitário, de maneira coordenada: “É necessário ampliar essa percepção sistêmica, que termina no consumo”. Mas as resistências socioeconômicas, afirma, ainda são “grandes”:
– Muitas vezes os produtos que emitem menos (poluentes) têm um custo mais alto, porque não existe ainda uma escala de preço diferente da convencional. Se houvéssemos preços equivalentes, teríamos outras opções de compra – propõe.
O analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Alexandre D’Avignon, considera decisivo o papel da mídia no conjunto de esforços para desenvolver uma educação sustentável desdobrada em modelos de produção e consumo mais comprometidos com os deveres de casa ambientais. A publicidade, argumenta D’Avignon, revela-se essencial à “formação do consumidor consciente”:
– Temos que fazer campanhas mostrando que existe há qualificação técnica dos produtos e análise do ciclo de vida, por exemplo.
Modelo de consumo é insustentável, diz coordenador da Ecolatina
O amadurecimento da produção e do consumo sustentáveis esbarra no “consumismo desenfreado”, presidente do Instituto de Educação Tecnologia e coordenador da Ecolatina (Conferência Latino-Americana sobre Meio Ambiente e Responsabilidade Social), Ronaldo Gusmão. Ele aponta os indicadores ambientais americanos como os principais símbolos do consumo levado ao extremo. Os Estados Unidos são o segundo colocado no ranking dos países mais poluentes do mundo, atrás só da China praticante do “comunismo de mercado”. De acordo com o CAIT Climate Data, os EUA respondem por 14,4% das emissões de gases globais e consomem 25% da energia mundial.
– Esses números começam a ser construídos com a prosperidade pós-guerra, fundamentada na filosofia de “quanto mais consumo, melhor para economia” e no tal american dream (sonho americano), que perdura e influencia outros países até hoje. Os EUA têm a maior indústria de entretenimento do mundo: cerca de 70% do PIB são direcionados para o divertimento, como Hollywood. É um modelo insustentável.
Gusmão avalia ainda que os exageros capitalistas alimentam danos ambientais. Uma rota de colisão com o sustentável:
– A população não quer baixar os padrões de consumos atuais. As pessoas só vão realmente se conscientizar quando mais desastres ambientais, como o do Rio Doce, acontecerem – alerta.
Ainda de acordo com o coordenador da Ecolatina, a cidade de São Paulo simboliza a insustentabilidade não só do modelo de produção e consumo atuais, mas da própria organização urbana. Os 8 milhões de automóveis em circulação na capital paulista, afirma o especialista, “produzem gases que literalmente sufocam a cidade”. Segundo pesquisas da USP, mais de 2 mil moradores morrem por ano em decorrência de complicações causadas pela poluição do ar.
A articulação entre as iniciativas pública e privada, a começar pelas políticas governamentais, como se espera da COP 21, é o principal caminho para atingir as metas ambientais e dirimir o planeta de colapsos como a falta de água. Um dos exemplos desta articulação insinua-se a Declaração Ambiental de Produtos (Environmental Products Declaration), elaborada pela União Europeia. Trata-se de um sistema com no qual o produtor declara, na internet, os impactos ambientas da produção de cada item. Tais informações são certificadas por uma empresa independente, espécie de auditora, o que garante credibilidade e transparência ao processo. Para Alexandre D’Avignon, “O governo e as grandes empresas são o que chamamos de vetores de transformação”:
– Por serem consumidores em alta quantidade, impõem o tipo de produto que querem e são capazes de alterar o processo de produção. Por meio de conhecimento técnico, solicitam esse produto mais sustentável e as empresas têm que se adequar – explica.
O analista do Ministério do Meio Ambiente lembra que existe, no Brasil, o sistema de etiquetagem ecológica. Esta espécie de certificado de procedência indica o ciclo de vida de cada produto e o nível de impacto ambiental. Pouco ou nada vale se o consumidor deixar de consultá-lo ou de considerar a qualidade ambiental na decisão de compra.