Nathalia Melo* - aplicativo - Da sala de aula
06/10/2015Mundialmente conhecido por suas belezas naturais e um dos destinos preferidos dos turistas, o Rio, por seu relevo característico que une mar e montanha, facilita o montanhismo como poucas cidades no planeta. É por essas condições naturais privilegiadas que o município vai abrigar a primeira trilha ecológica de longo percurso do Brasil, a Trilha Transcarioca, que vai cruzar a costa da cidade de ponta a ponta. Ao todo, são 250 quilômetros, que poderão ser percorridos em 17 dias de caminhada. O percurso começa em Barra de Guaratiba e termina no Pão de Açúcar, na Urca. Cerca de 80 quilômetros já estão prontos no Parque Nacional da Tijuca, no Parque Estadual da Pedra Branca, nos Parques Naturais Municipais de Grumari, Paisagem Carioca, da Catacumba e no Monumento Natural Municipal do Pão de Açúcar, trechos já sinalizados e abertos ao público.
A Trilha Transcarioca poderá ser inteiramente percorrida até as Olimpíadas de 2016, e a ideia é que torne um atrativo a mais para os turistas. “A pacificação de comunidades com as UPPs abriu a possibilidade de explorar caminhos antes fechados pelo medo da violência”, afirma, otimista, o diplomata Pedro da Cunha e Menezes, idealizador do projeto.
Mutirão reunirá voluntários dia 24
Até lá, porém, falta bastante trabalho. Se a beleza e a variedade de montanhas da cidade permitem a realização de um projeto desse porte, por outro, a falta de segurança e a degradação ambiental preocupam organizadores e frequentadores de trilhas. Por isso, será realizado um grande mutirão no próximo dia 24 de outubro (leia mais na página da Trilha Transcarioca).
O primeiro grande mutirão da Trilha Transcarioca foi realizado em setembro de 2014, para sinalizar o percurso. Mais de 800 pessoas estiveram presentes e foi preciso fechar a lista de inscrições porque não seria possível ter mais gente nas trilhas naquele dia. Em um único dia, os voluntários trabalharam em mais de 180 quilômetros de trilha. “A população está abraçando o projeto. Entusiasmo, interesse e vontade de ajudar não faltam”, diz Menezes.
Ser um voluntário da Transcarioca significa podar a vegetação que obstrui o caminho, fazer modificações no ambiente como escavar degraus para facilitar o acesso, fazer drenos para escoar a água da chuva e retirar lixo. Também cabe aos voluntários instalar a sinalização que servirá para ajudar as pessoas a não se perderem. Isso inclui pendurar setas, pintar pegadas amarelas no chão (foto) e fechar atalhos que podem confundir o caminhante.
Rafael Martins, 25 anos, foi uma das 800 pessoas que estiveram na ação voluntária. Assim que soube da proposta, ele e alguns amigos se inscreveram imediatamente. “Cada um tem uma causa a qual acha que vale a pena ajudar. Sempre que vou a uma trilha, busco desobstruir o caminho e retirar o lixo que encontro pelo chão. Os organizadores ainda precisam correr atrás de muitas coisas para fazer o projeto dar certo. Então não custa nada fazer a minha parte”, diz.
O presidente do Centro Excursionista Brasileiro, Horácio Ragucci, exalta o trabalho dos voluntários. “Sem a disposição deles, seria impossível consolidar uma trilha dessa dimensão dentro de uma floresta tropical, onde as condições das trilhas mudam constantemente. É necessário um serviço permanente manutenção e remarcação, mesmo depois que a trilha estiver pronta”, afirma.
Se os cariocas não se sentem completamente seguros em parte alguma da cidade, o mesmo vale para as trilhas ecológicas. De acordo com o Ibama, a visitação ao Parque Nacional da Tijuca caiu de mais de 1 milhão de pessoas nos últimos dois anos, para cerca de 750 mil. Um dos principais motivos, segundo o instituto, seria a falta de segurança e os índices de assaltos. Aline Gurgel, 25 anos, já conhece essa trilha como perigosa: “Faço outras trilhas, mas essa, nunca. Tenho medo de tanto ouvir sobre assaltos na região. Essa já tem uma fama ruim”.
De acordo com a assessoria do Parque Nacional da Tijuca, assaltos são pontuais e isolados. Para manter a segurança dos visitantes, o parque conta com vigilantes privados contratados e apoio da Guarda Municipal e da Polícia Militar, que apoiam a proteção de atrativos como o Corcovado, as Paineiras, a Pedra da Gávea, a Floresta da Tijuca e a Vista Chinesa, além do Parque Lage, no Jardim Botânico.
Menezes reconhece que a segurança é um ponto primordial a ser planejado em qualquer trilha, especialmente nas de longa duração, como a Transcarioca. Por isso, ressalta que o trabalho tem sido feito em parceria com cada representante das unidades de conservação as quais a trilha atravessa. Cada um deles estuda a situação da própria região, já que se trata de uma distância muito grande para ser pensada em sua totalidade (veja mapa). “Cada local precisa ser pensado de forma isolada, pois cada área tem uma situação socioeconômica e um histórico de violência diferente. Por isso contamos com a ajuda de cada representante”, diz.
O lixo é outro grave problema. Para algumas pessoas que visitaram recentemente as praias selvagens do Rio, em Barra de Guaratiba – local onde começará a trilha Transcarioca –, a reação foi de desânimo. Giselle Cupolilo, 28 anos, esperava encontrar um paraíso deserto e encontrou muito lixo acumulado. “Depois de todo o esforço da longa caminhada, pensei que encontraria uma praia limpa e pouco frequentada. Encontrei uma praia cheia, com muito lixo tanto na areia, quanto nos arredores. É ótimo ter bastante gente que passou a conhecer o local, mas é preciso conscientização dessas pessoas de que não existe caminhão de lixo nesses locais”, reclama.
A equipe que está à frente do projeto busca inspiração e exemplo nos casos de sucesso espalhados pelo mundo, caso do chefe do Parque Nacional da Montanha da Mesa, na África do Sul, Paddy Gordon, trazido para dar dicas no projeto de segurança. “A verdade é que, por se tratar da primeira trilha de longa distância do Brasil, precisamos buscar pessoas com mais bagagem e experiência no planejamento desses grandes projetos”, conta Menezes.
O Mosaico Carioca de Áreas Protegidas está coordenando a sinalização e a logística da trilha, junto com voluntários, ONGs, Prefeitura e governos estadual e federal. Mas é o trabalho dos voluntários que faz o projeto ganhar forma, depois de ter ficado quase 30 anos apenas na cabeça de Menezes, que teve a ideia ainda na década de 1980.
Menezes sente que o projeto, aos poucos, está ganhando força no Brasil e tendo alguma repercussão internacional. Além de todos os desafios estruturais e de planejamento, eles almejam fazer com que as pessoas saibam que percursos que antes não tinham ligação, agora vão fazer parte de uma grande trilha. “Tem gente que faz só um trecho. Mas a nossa ideia é estimular os caminhantes a saberem que aquele trecho é parte de um todo: 90% se sentem estimulados a conhecer o resto”, diz.
* Reportagem produzida para o Laboratório de Jornalismo.