Mariana Bispo - aplicativo - Do Portal
30/07/2015A escalada do dólar, as turbulências na China, a esgrima em torno do ajuste fiscal e a crise política em meio às denúncias da operação Lava-Jato tiram o sono de uma economia atrofiada pela química perversa entre crescimento baixo (nulo) e juro alto. No caminho da recuperação há pelo menos mais uma pedra, antiga, igualmente preocupante: as deficiências de infraestrutura. Dirimir este gargalo representa um dos maiores desafios para os próximos anos, avaliam especialistas, autoridades e agentes do setor. O governo federal deposita as fichas na nova etapa do Programa de Investimento em Logística (PIL), destinada a incrementar a modernização na área de transporte. Prevê investimentos de R$ 198,4 bilhões em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O engenheiro industrial Paulo Cesar Rocha, diretor-executivo da LDC Comex, alerta para a perspectiva de muitos desses projetos ficarem no papel ou para os próximos governos, pois R$ 69 bilhões serão investidos entre 2015 e 2018; e R$ 129 bilhões, só a partir de 2019. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, Rocha argumenta que o Brasil não pode esperar tanto pelas concessões. “A verba prevista são apenas números expostos para a mídia, e os investimentos não passam de intenção. O país precisa soluções rápidas, práticas e reais”, enfatiza. Na avaliação do executivo, os nós no setor só serão desfeitos com "um plano de logística integrado, planejamento real dos projetos e leis que garantam segurança jurídica aos investidores".
Portal PUC-Rio: Como o senhor avalia o setor de infraestrutura no Brasil?
Rocha: A infraestrutura é, sem dúvidas, um dos maiores gargalos do desenvolvimento do Brasil. Em termos de logística, estamos muito atrasados. O plano atual consiste em soluções pontuais para alguns problemas particulares, de interesse dos governantes. Deveria ser feito um plano integrado de transporte. Discutir os pontos de origem, melhores pontos de destino e as melhores maneiras de transportar as cargas. Um exemplo seria a soja: o Brasil tem um volume muito grande de grãos exportados. A produção brasileira passou, em vinte anos, de 40 milhões para 124 milhões de toneladas. A soja era produzida, basicamente, em São Paulo e no Paraná. Hoje em dia, está entre o Norte e Nordeste. Percebe-se um desequilibrio. Não adianta colocar toda a soja no Paraná ou solucionar o problema em uma parte de Tocantins. Deve-se analisar de uma maneira geral todo o procedimento. Muitas coisas precisam ser revistas, como o fato de nenhum um dos maiores aeroportos e portos serem ligados a errovias. O governo precisa pensar numa série de posições gerais e parar com as particularidades.
Portal: Até que ponto a política de concessões é eficiente para amenizar as crônicas deficiências no setor?
Rocha: A política de concessões só aconteceria se houvesse um plano de logística integrado geral. Atualmente, vem sendo usada como referência a Ponte Rio-Niterói, feita durante um período real de investimentos em concessões. Mas, se analisarmos o cronograma de investimentos da ponte, o principal acesso no Rio, a Avenida Portuária, e o acesso da ponte até a Linha Amarela, só será realizado em 2019. Não podemos esperar que a concessão seja mudada para tão longo prazo, pois o engarrafamento acontece hoje. Os investimentos, como a renovação da concessão da rodovia federal Rio-São Paulo, precisam de planejamento. Todas as concessões só serão feitas em 2019, mas a falta de mobilidade é atual. Não adianta fazer um novo plano de concessões para ser resolvido daqui a dez anos.São necessárias soluções rápidas e práticas, pois os problemas existem hoje.
Portal: O que avançou com o novo pacote de infraestrutura e que pontos principais precisam avançar?
Rocha: Não houve revisão no modelo de concessões. O que existe são só intenções de mudanças. Estão estudando o modelo ferroviário e rodoviário, assim como as tentativas com concessionárias de estradas para verificar como serão os contratos levados ao Tribunal de Contas da União (TCU). Não há nenhuma resolução, inclusive cerca de 50 portos estão aguardando a autorização do governo há 10 anos. O governo vem pautando a renovação de concessão de licença, mas ela depende de uma combinação prévia com o concessionário que pode não querer agir conforme as exigências do governo. Isso não é investimento, só existe intenção, não há nada de prático nessas políticas de concessões.
Portal: Estão programados R$ 198,4 bilhões para o setor. O é suficiente para aperfeiçoá-lo?
Rocha: Essa verba representa uma intenção. E, se fosse real, não seria suficiente para investir no precário setor de infraestrutura. Desse valor, R$ 86,4 bilhões referem-se às ferrovias, mas é um investimento inexistente. É um número colocado para mídia.
Portal: O Brasil transporta cargas predominantemente em rodovias, o que caracteriza a área como o principal corredor logístico para maior parte do produzido no país. Ainda assim, o segmneto sofre com falhas de segurança e conservação precária. Na sua avaliação, quais os caminhos para resolver esses problemas?
Rocha: Deve-se redesenhar e fazer um novo plano de logística. Mesmo o Brasil tendo o maior meio de infraestrutura do mundo, o mar, o corredor logístico ainda são as rodovias. Para alimentar os portos, o país precisaria investir realmente em ferrovias, o que não acontece. O modelo brasileiro de infraestrutura deve ser mudado. O corredor logístico precisa ser redefinido: portos e ferrovias são as principais maneiras de se aperfeiçoar o setor.
Portal: Neste ano, o valor destinado às ferrovias é de R$ 86,4 bilhões, superior ao do segmento rodoviário (R$ 661 bilhões). Ainda assim, o senhor considera insuficientes?
Paulo Cesar: Todos os R$ 194 bi são ilusão. Temos as propostas de renovações de concessão de rodovias, aeroportos, ferrovias e portos, mas ninguém sabe se irá ser feito. Existem R$ 86,4 bilhões destinados à indústria ferroviária, sendo que uma das estradas de ferro é inexistente e a outra ainda é um modelo não definido. Estradas de ferro concretas no Brasil, só temos a estrada federal, o que nos leva a pensar que todo esse modelo não vingará novamente, pois não há ações práticas.
Portal: Ainda em relação às ferrovias, sucateadas por uma sucessão de políticas públicas – desde a opção, na década de 1950, por investir prioritariamente nas rodovias, para atender a demandas da indústria automobilística – como tirar esse atraso? Falta mais verba, capacidade técnica ou, como se diz, vontade política?
Rocha: Primeiramente, o governo deveria trabalhar na definição de um modelo ferroviário. As duas estradas de ferro com um bom funcionamento são as do Vale Rio Doce, que transportam produtos para elas mesmas. Todas as outras ferrovias brasileiras funcionam de maneira irregular e sem planejamento. Não temos um porto, por exemplo, que tenha acesso ferroviário. Não seria determinismo afirmar que não há transporte ferroviário no Brasil. Nessa perspectiva, deve-se planejar melhor, analisar e redefinir modelos vigentes e, sobretudo, estabelecer metas, colocando em prática as decisões. Precisa-se de um esforço político, de forma que esses números saiam do papel. O governo carece de definições exatas em termos de transporte e de logística.
Portal: O Custo Brasil, referente aos encargos em torno de empreendimentos, faz com que os portos brasileiros sejam apontados como um dos mais caros do mundo. Que ações podem reduzir esta conta e, consequentemente, atrair mais investimentos e negócios?
Rocha: O modelo de comercialização de carga deve ser mudado. O Brasil é o único país do mundo que, além de ter os portos deficientes, cobra muito caro pelo serviço. A solução seria ter uma política mais abrangente, que definisse estratégias eficientes e elaboradas. Outra solução seria aumentar a quantidade de portos. Mas, não adianta conceder portos sem o conhecimento básico do funcionamento do transporte - quando e como chegará e, sobretudo, o custo. Essas três coisas precisam estar juntas para esse plano acontecer. O Brasil tem problemas sérios em relação a meio ambiente e definição do destino das cargas. Nesse contexto, o governo deveria fazer maior esforço, democratizar a carga, dar realmente condições para haver concorrência entre os portos e, principalmente, ter acesso a eles. Por exemplo, o Suape do Nordeste não tem um plano de logística integrado e, ao mesmo tempo em que se planeja trazer uma ferrovia, a Leste-Oeste, o Porto de Ilhéus não foi feito. Nesse contexto fica claro que não haverá integração de porto e ferrovia, o que prejudica o setor e é dinheiro jogado fora.
Portal: As novas regras para os portos revelam-se adequadas à expansão do segmento? Neste sentido, o que evolui e o que ainda precisa ser ajustado?
Rocha: Desde as novas regras, a única coisa que se ajustou foi a melhor definição em relação aos terminais privativos que não precisam mais ter cargas próprias. Mas as regras precisam dar mais competitividade aos terminais e portos. O preço cobrado não foi resolvido. Hoje em dia, não se consegue aportar cargas. O Custo Brasil continua alto pela impossibilidade de chegar carga aos portos.
Portal: Que efeitos o senhor projeta a partir de um investimento eficiente em logística no Brasil?
Rocha: Não tenho a pretensão de definir um modelo correto, mas qualquer investimento, se articulado a ferrovias e portos, resolveria os gargalos da logística no Brasil. Não há portos em funcionamento sem cargas. A maneira de se investir com eficiência nesses setores deve ser discutida entre os usuários, os operadores dos portos e ferrovias e o governo. No sistema portuário é preciso ter carga chegando, usuários interessados e investidores. Não é só o porto por assim dizer, há uma série de questões por trás.
Portal: Noves fora, como andam as expectativas dos empresários e a disposição para investir?
Rocha: Os investidores estão estagnados, esperando a melhor definição dos projetos e a garantia jurídica para os investimentos. É preciso que haja um bom planejamento e uma definição jurídica. Acontecendo isso, haverá uma melhor relação e expectativa. No Brasil, não temos garantia dos negócios, nem segurança jurídica sobre o investimento. Não se tem, por exemplo, uma estimativa de carga certa, nem uma segurança de que o dinheiro investido poderá sair do Brasil.
Portal: Até que ponto o ambiente político prejudica a consolidação de avanços no setor?
Paulo Cesar: Uma das coisas que mais inibem os investimentos é a ausência de projetos que definam os direitos dos empresários. O ambiente político prejudica, pois não proporciona a segurança jurídica. Investir pesadamente em algo aqui no Brasil é um risco. Sobretudo por estarmos vivendo um governo acuado com mudanças constantes nas leis pelo Congresso. Por isso, é natural a estagnação dos investidores mediante a situação do setor de infraestrutura brasileiro. A instabilidade política prejudica segurança jurídica. O investidor está preocupado em saber se existe uma lei que garanta a retirada de seu lucro ou, até mesmo, prejuízo.
Portal: Que exemplos externos podem servir de referência para a modernização? Como tornar a infraestrutura brasileira em pé de igualdade com países desenvolvidos e até os outros emergentes?
Paulo Cesar: Os Estados Unidos e países europeus podem servir como moldes para o Brasil. Uma solução possível seria investir em massa e não em partes. Fazer um plano de logística nacional, determinando regras e linhas mestras e verificando projetos setoriais. Voltemos ao exemplo da soja. Fazer pura e simplesmente uma estrada, como a rodovia para o porto do Pará, não resolve o problema geral, mas sim parte dele. Pois há problemas no porto, não só nas rodovias. Na mesmo raciocínio, fala-se que as ferrovias serão o corredor logístico para o transporte de soja. É muito bom ter dois projetos simultaneamente sendo feitos, quando eles saem do papel... O governo precisa definir prioridades, planejar melhor e, sobretudo, terminar as obras que estão paradas Um exemplo é a ferrovia Norte-Sul. A compra dos trilhos da estrada de ferro foi feita sem conhecimento técnico: não suportam o peso necessário. Assim, ela simplesmente não pode ser usada...
Leia mais: “Salto em infraestrutura exige marco regulatório consolidado”
Leia mais: "Infraestrutura é o maior problema do Brasil"
Leia mais: "Infraestrutura é o caminho para Brasil mais competitivo"
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"