Felipe Castello Branco e Maria Silvia Vieira - aplicativo - Do Portal
12/02/2015O consumo de alimentos orgânicos sobe a ladeira no Brasil. Impulsionado por políticas públicas para agricultura familiar – como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – e pelo avanço de feiras orgânicas e de lojas especializadas (físicas e on-line), o melhor acesso a produtos livres de agrotóxicos, corantes, conservantes, e afins irriga a procura crescente por uma alimentação saudável. A perspectiva de mais negócios neste segmento estimula, a despeito das turbulências macroeconômicas, novos investimentos das iniciativas pública e privada. Lançado em 2013, o Plano Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), por exemplo, busca articular políticas e ações de impulso ao cultivo orgânico, com cerca de R$ 8 bilhões destinados ao setor. “Vamos incentivar a produção orgânica por agricultores familiares, aumentando sua renda e ampliando a oferta de alimentos saudáveis na mesa dos brasileiros”, disse a presidente Dilma Rousseff, por meio de sua conta no Twitter. Para o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Rogério Dias, a iniciativa deve ser acompanhada de uma coordenação de esforços para adubar este potente mercado:
– O Planapo é fundamental para mexermos em questões estruturantes. Várias ações caminham nesse sentido. Por isso, acredito que daqui a uns cinco, dez anos, estaremos colhendo o resultado – projeta.
Embora gestores públicos e executivos da área avaliem que este mercado ainda está decolando no país, percebe-se já um salto no volume e no tipo de negócios. Assim indica, por exemplo, a descoberta dos alimentos e bebidas saudáveis pelo comércio eletrônico, ou vice-versa. Para o diretor de marketing do Organomix, maior supermercado on-line de orgânicos e naturais do Brasil, Leandro Dupin, o crescimento do setor decorre, entre outros fatores, do aumento de informações sobre os produtos do gênero. “Isso torna o consumidor mais amadurecido, capaz de identificar os benefícios de alimentos orgânicos, o que impulsiona a procura”, observa o executivo. Ele é categórico:
– Ao observar o mercado, nota-se que a maior circulação de informações sobre os benefícios desses alimentos revela-se o motor do consumo de orgânicos, que não é tão direto quanto o dos alimentos convencionais, amplamente consumidos. As pessoas precisam entender o método como os alimentos orgânicos são cultivados, a diferença para os convencionais e os benefícios para a saúde. Esses três aspectos fazem o consumidor enxergar a vantagem do produto orgânico e natural.
A ampliação do mercado de orgânicos no Brasil começa a elevar a fatia do país no mercado internacional. Na 10ª Feira Internacional de Produtos Orgânicos e Agroecologia, em junho de 2014, especialistas projetaram que o setor movimentaria cerca de R$ 2,5 bilhões anuais no país. No mundo, os orgânicos moveram em torno de R$ 150 bilhões em 2013. Deste total, os Estados Unidos responderam por R$ 80 bilhões; a Alemanha, por R$ 18 bilhões; e o Canadá, por R$ 10 bilhões. Para o presidente do International Federation of Organic Agriculture Movements (Ifoam), que reúne associações de cerca de 120 países, Andre Leu, as características do clima serão determinantes para o Brasil se destacar:
– Estar entre os principais mercados de orgânicos é uma questão de pouco tempo para o Brasil. Pela diversidade de clima e a possibilidade de ofertar um mix variado de produtos ao consumidor, o país deve aumentar rapidamente a presença no comércio mundial de orgânicos.
A professora do curso de Biochip da PUC-Rio, Ana Branco, uma das organizadoras da feira orgânica promovida às quintas na universidade, nota “grande aumento” na quantidade de interessados numa alimentação saudável:
– É possível perceber isso aqui na feira e, principalmente, no curso de Biochip. As pessoas querem aprender sobre alimentação viva. Elas estão se dando conta de que os alimentos orgânicos têm inúmeros benefícios para a vida – anima-se.
Paralelamente ao crescimento do consumo de orgânicos no país, na última década, o Brasil passou a ocupar o quinto lugar no mundo em área cultivada, segundo a Ifoam. De acordo com o Instituto Biodinâmico (IBD), responsável por certificações na área, o Brasil já soma 1 milhão de hectares em produção orgânica. Cerca de 95% deles estão ocupados por produtores de pequeno e médio porte. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) estima que mais de 50 mil agricultores não praticam a agricultura convencional. Parte deles mira o exterior. Os principais importadores de orgânicos no mundo – EUA, Europa e Japão respondem por 90% do mercado internacional – apostam no potencial do Brasil para exportação. Hoje, aproximadamente 60% desta produção vai para fora do país. Outros 30% são vendidos no mercado interno, e o restante é usado para o consumo próprio.
“O mercado vai crescer, com o fortalecimento da cadeira produtiva”, prevê executivo
Apesar de projeções ousadas, o setor de orgânicos no país sofreu com os efeitos da crise internacional deflagrada em 2008, mas dá sinais de recuperação, adubada pela guinada internacional. De acordo com a Organic Monitor, o mercado global de orgânicos obteve, em 2013, um lucro de US$ 64 bilhões, o que representa um crescimento de 27% em relação a 2008.
A recuperação do mercado americano, destaca Leandro Dupin, tem dupla importância comercial e simbólica para as ambições brasileiras, e cria diretrizes para as tendências estratégicas no setor:
– O Brasil é um país emergente, e por isso tem um mercado aspiracional. Miramos, como espelho, o mercado dos Estados Unidos, por exemplo, que apresenta um crescimento acentuado. É claro que são realidades diferentes, mas enxergamos o nosso mercado, em até dez anos, muito mais aberto a aceitar alimentos orgânicos – prevê o executivo de marketing do Organomix.
O também executivo do setor Dick Thompson, sócio do Sítio do Moinho, tradicional produtor e importador de produtos do gênero, reforça que o comércio internacional é a chave para a evolução dos orgânicos: “Está havendo uma evolução enorme na área orgânica internacional. Fico impressionado como as coisas vêm evoluindo”. Ele observa, como uma das razões do crescimento, a “maior conscientização” sobre os benefícios dos orgânicos.
Animado com o perfil mais amadurecido do consumidor e com o avanço dos comércios interno e externo do segmento, Leandro faz um prognóstico audacioso. Acredita que, “num futuro não muito distante”, as pessoas façam “100% de suas compras orgânicas”. Ele pondera, contudo, que é necessário o fortalecimento da cadeia produtiva:
– Ainda não esperamos que formem 100% de uma compra, mas esperamos que a porcentagem dos produtos orgânicos de um consumidor aumente. Hoje, no Organomix, é possível ter uma compra com uma grande quantidade de orgânicos. Em supermercados comuns, isso não é possível. É importante que a cadeia se fortaleça para que o mercado possa crescer.
Selos e certificações indicam a procedência do produto
Neste mercado crescente, no qual é inserida uma quantidade crescente de produtos, o consumidor deve ficar atento a certificações que indiquem a procedência de alimentos e bebidas orgânicos e naturais. O designer Ionã Matheus Oliveira, de 25 anos, conta que só compra itens certificados:
– Sempre procuro algum selo que comprove a procedência do alimento. Tenho medo de ser enganado e acabar levando para casa algum produto que, apesar de aparência, não seja orgânico.
No Brasil, a legislação contempla dois tipos de certificações: uma por auditoria; a outra, participativa. A participativa é feita por associações nas quais um produtor inspeciona o trabalho do outro e, em conjunto, buscam manter a seriedade da produção orgânica. Já a por auditoria depende da inspeção dos órgãos certificadores.
As normas da certificação de orgânicos passaram por mudanças em 2011, quando foram incorporados novos parâmetros federais. Das 40 certificadoras registradas no Inmetro naquele ano, apenas seis permanecem no mercado. Três por auditoria – IBD, Ecocert e Tecpar – e as outras, participativas. Nenhuma certificadora internacional foi aprovada no novo processo.
De acordo com o fundador do Sítio do Moinho, Dick Thompson, “a metodologia ficou muito mais rígida, poucas certificadoras permaneceram no mercado, e isso prova que a forma da análise que faziam não era válida”. Ele lembra que as mudanças chegaram a dificultar a importação de alguns alimentos:
– É muito complicado importar produtos orgânicos. Às vezes, ele até é considerado orgânico no seu país de origem, mas, ao ser importado, não passa pelo processo de certificação aqui. Em 2004, inauguramos a primeira panificadora orgânica do Brasil, com farinha importada da Itália. Em 2012, para poder continuar evoluindo, tivemos de pedir ao IBD que enviassem um inspetor para a empresa estrangeira. Na época, importávamos cinco farinhas, oito massas distintas, azeite e azeitonas orgânicos e o agave (adoçante natural). Tudo vinha de fora do Brasil. Em 2012, éramos o maior importador de produtos orgânicos em variedade – conta o empreendedor.
Thompson aponta dois grandes problemas para quem precisa ou quer importar orgânicos: o “inflexível” processo de avaliação e os altos custos para a adequação de um produto internacional. Ele reconhece e incentiva, contudo, a atividade das certificadoras. Orgulha-se em ressaltar que o Sítio do Moinho possui a certificação do IBD desde 1997 e destaca a importância do selo SisOrg: “Para um produto orgânico ser vendido no Brasil, precisa ter esse selo”.
O diretor de marketing do Organomix acrescenta que este selo deve ser vericado pelo consumidores nos produtos “que se dizem orgânicos”. Ele explica:
– O selo que os consumidores devem procurar e o selo que os produtores devem ter é o do SisOrg, o “Brasil Orgânico”, o mais confiável, concedido só depois de rigorosa avaliação do Ministério da Agricultura. Um dos critérios da avaliação determina que os alimentos processados precisam ter ao menos 95% de seus ingredientes orgânicos para receber o selo.
“É importante que o produtor saiba produzir organicamente”, afirma gestor do IBD
Já o gestor do IBD, José Pedro Santiago, lembra que, “antes de pensar em qualquer selo ou certificado, é importante o produtor ter conhecimento técnico sobre a produção orgânica”. Segundo determinação da Sociedade Nacional da Agricultura (SNA), para um alimento caracterizar-se como orgânico, não basta a ausência de transgênicos, fertilizantes ou agrotóxicos. É necessária uma “agricultura baseada em práticas sustentáveis que buscam o equilíbrio ecológico e o respeito ao homem”. Significa um modo de produção sustentado por cadeia sustentável, que valoriza a biodiversidade, reduz o desperdício de recursos naturais e evita a contaminação do solo, da água e do ar.
A SNA aponta práticas essenciais para a produção ser considerada orgânica, como solo enriquecido naturalmente; não utilização de sementes transgênicas; animais criados livremente; trabalhadores com direitos preservados; legislação sanitária atendida. Assim determina a Lei 10.831, de dezembro de 2003, alusiva às normas que regem os produtos orgânicos.
Produção orgânica deve aproveitar recursos naturais e socioeconômicos
As plantações orgânicas apresentam um ritmo de produção distinto da agricultura tradicional. Não só pelo tempo, em princípio mais lento, mas também pelo uso dos recursos naturais. Enquanto alguns produtores tradicionais exaurem o solo para tentar manter uma produtividade intensa, produtores orgânicos aplicam a lógica da rotação de cultura e adubação verde. Dick Thompson esclarece:
– Uma das filosofias importantes para a produção orgânica é manter 20% da área sem produção, plantando com adubação verde e rotação de cultura para levar mais nutrientes ao solo. Numa plantação orgânica, produz-se com 80% da área. Se não se faz dessa forma, aos poucos o solo vai se desnutrindo.
Tais cuidados aumentam o tempo médio de cultivo, o que deixa o alimento orgânico mais caro. Thompson explica, por exemplo, que uma alface tradicional leva 60 dias para ser colhida depois da muda transplantada, enquanto a orgânica leva 90 dias. Com isso, a agricultura tradicional pode ter até seis colheitas por ano, enquanto a orgânica tem, no máximo, quatro na mesma metragem de horta.
Outro aspecto que influencia o preço dos orgânicos é uma procura maior do que a quantidade de produtores envolvidos no processo. Com o aumento do número de pecuaristas e agricultores no setor, o preço tende a cair. Leandro Dupin observa que tais alimentos já custam menos, e aponta caminhos para torná-los mais em conta:
– Há formas de baratear. A primeira é o ponto de distribuição, como o supermercado, por exemplo, incidir menos no preço do produto. A segunda é fornecer instruções e subsídios para os produtores. Se o produtor souber exatamente como, quando e o que plantar, além de como transportar, ele certamente terá menos perda e vai conseguir aproveitar melhor a terra. Isso já vem acontecendo e, inclusive, recebemos por vezes produtos orgânicos mais baratos que alimentos convencionais – constata o executivo de marketing do Organomix, que reúne cerca de 4 mil itens cadastrados.
Feiras, restaurantes e internet potencializam o acesso aos orgânicos
O avanço de feiras do gênero também contribui, ao lado do comércio eletrônico e da maior oferta em cardápios, para ampliar o acesso a alimentos e bebidas orgânicos e naturais. No Rio, o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas já se estende por várias regiões, como Glória, Bairro Peixoto, Ipanema, Jardim Botânico, Botafogo, Flamengo e Tijuca. Lojas físicas se multiplicam na cidade, como o restaurante que o Sítio do Moinho vai abrir, em março, na Barra (a marca mantém ainda um misto de loja e delicatessen no Leblon). Dupin considera as feiras “de extrema relevância” para o mercado de orgânicos, pois o consumidor “vai até lá e vê os produtos, reconhece a qualidade e conversa com os agricultores”. Mas ressalva:
– É um dia no qual o produtor pega a produção, leva para esses locais e passa todo o tempo nesse trabalho. Assim, ele não exerce a sua principal atividade, que é cuidar da terra e dos alimentos na lavoura. Por isso, o e-commerce de alimentos orgânicos é uma opção interessante – pondera.
Ainda assim, as feiras continuam fazendo a cabeça de muitos consumidores. Em 2013, a Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio) registrou salto expressivo do faturamento anual: de R$ 600 mil para R$ 3,5 milhões, só nas seis feiras do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas.
Nutricionista: benefícios ao sistema imunológico e ao metabolismo
Irrigada pela maior oferta de informações na área, a procura por alimentos saudáveis ganhou mais um adubo em julho do ano passado, quando a Universidade de Newcastle, na Inglaterra publicou, no British Journal of Nutrition, uma pesquisa que confirma a maior de antioxidantes em alimentos orgânicos, em relação a alimentos convencionais. A pesquisa analisou 343 estudos, de diversos países.
O nutricionista clínico e funcional Fábio Bicalho alerta que “alimentos com excesso de agrotóxicos podem causar distúrbios neurológicos, alterações respiratórias e do sistema endócrino”. Ele ressalta, por outro lado, que alimentos orgânicos tendem a proporcionar melhoras no sistema imunológico e no metabolismo:
– As pesquisas indicam que, em um solo saudável, mantido sem fertilizantes e pesticidas, os alimentos adquirem uma qualidade superior aos convencionais, em geral mais saborosos. A literatura científica sugere um aporte maior também de minerais, compostos fenólicos e vitaminas, como a C, o que beneficia o sistema imunológico e o metabolismo, por exemplo.
A também nutricionista Maria José de Biazzi Bombini acrescenta que os alimentos orgânicos tendem a ter maior durabilidade. Por ser livre de agrotóxicos, a cloragem das folhas, por exemplo, dura uma semana a mais do que as que não orgânicas:
– Como há uma higiene maior, livre de agrotóxico, não há necessidade de tanta eficiência na higienização, o que traz segurança ao consumidor. Saber que não há defensivo agrícola, nem metais pesados, que futuramente podem trazer malefícios, é muito confortante – comenta.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regula a quantidade de agrotóxico utilizado nas lavouras. O órgão faz avaliações toxicológicas regulares, para verificar a aplicação dessas substâncias.
Busca por rotina alimentar mais saudável abriga diferentes perfis de consumidores
A crescente busca por alimentos mais saudáveis abriga diferentes classes, idades, personalidades. O ator e titereiro José Carlos Meireles, de 45 anos, lembra que a adoção de uma rotina alimentar equilibrada decorreu foi motivada, incialmente, pelos esforços em se livrar de uma alergia. Ele conta que a melhora foi significativa:
– Conheci a alimentação viva por meio da Ana Branco, numa entrevista à TV Brasil. Ela disse que a alimentação alcalina cura doenças, melhora a disposição do organismo, melhora a qualidade do sono e desperta o corpo para a vida. Aí resolvi experimentar e fiz o curso de Biochip na PUC. Tive uma melhora significativa nos meus processos alérgicos. Desde então, passei a priorizar os alimentos orgânicos.
O engenheiro Hamilton Correia, 61 anos, foi influenciado pela filha a aderir a uma dieta à base de orgânicos. Ele diz que o incentivo ao pequeno agricultor e o acesso mais fácil a esses produtos também pesaram para a mudança de hábito:
– Minha filha, sempre voltada à natureza e à alimentação saudável, acabou influenciando a família toda. Achei a ideia ótima, tanto pelos ganhos à saúde como pelo incentivo ao pequeno agricultor. E a feira na PUC, ao lado da minha casa, facilitou o acesso aos alimentos orgânicos.
Já a bailarina Denise Bessa, 22 anos, aderiu à alimentação saudável para o rendimento no palco. A jovem elaborou, com uma nutricionista, um programa alimentar à base de orgânicos. Ela se diz empolgada com os resultados:
– A minha ideia era melhorar alimentação para melhorar a performance na dança. Hoje, depois de três anos de dieta, não abro mão de forma dos alimentos orgânicos.
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