Kaio Caiazzo* - Da sala de aula
09/05/2014O título desta resenha crítica é propositalmente ousada e aberta à polêmica. A evocação da inquestionável obra-prima de Federico Fellini feita em 1960, porém, não é gratuita. As primeiras divulgações e trailers de A grande beleza já evidenciavam uma chamativa semelhança com a obra de Fellini, até mesmo com ecos de outros clássicos do cultuado cineasta. Selecionado na competição oficial do Festival de Cannes em 2013, o sexto filme de Paolo Sorrentino teve uma consagração internacional absoluta – que culminou com a vitória na última edição do Oscar.
Antes de ser rotulado apenas como “o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro”, a obra de Sorrentino pode ser encarada como uma grande celebração ao Cinema Italiano. Comparar La Grande Bellezza à obra de Fellini é perigoso e prepotente, mas é impossível negar os ecos da filmografia do gênio italiano nas excêntricas imagens dessa produção. Todos os elementos-chave estão lá: as festas da alta sociedade, os personagens excêntricos, a crise existencial que permeia cada um, as reflexões filosóficas que movem o protagonista e o absurdo quase surreal da vida burguesa que o cerca. Apesar desses ecos e possíveis influências, no fim das contas Sorrentino realiza uma obra autoral com sua marca, fazendo uso de um humor ácido e cínico que lhe é característico.
O protagonista vivido por Toni Servillo tem uma aura que lembra inevitavelmente a persona de Marcello Mastroianni. Charme e estilo marcam o escritor e jornalista decadente Jep Gambardella, que vive da fama de tempos passados. Mas Servillo, um dos maiores atores em atividade na Itália, compõe seu papel de forma complexa e brilhante, com incrível carisma. Presente em clássicos modernos da filmografia italiana, como Gomorra (2007) e Il Divo (2008) – sua outra premiada parceria com Sorrentino –, Servillo se reinventa em cena, pegando inspiração nos ídolos do passado para criar um errante personagem deslocado com o século em que vive. Ou seja: é a essência dos protagonistas de Fellini, mas mergulhado nos novos tempos do século XXI.
É um filme longo (142 minutos), mas a viagem é prazerosa e purificadora se o público se permitir levar pelas hipnóticas imagens orquestradas por Sorrentino – desde a musical introdução até a poética conclusão, que fica em aberto dependendo do nível de recepção e envolvimento do espectador. As estonteantes locações italianas ajudam na imersão, além de servirem como evidências do museu a céu aberto que é aquele paraíso europeu chamado Itália.
Curiosamente, há ainda espaço para algumas imagens surreais que evocam a fase mais estilizada da carreira de Fellini, com obras como Satyricon (1969) e Roma (1972). São sequências pontuais que marcam intensamente o filme, como o escritório da editora anã, o “show” de uma pequena gênia da pintura e, principalmente, todo o bloco focado na centenária freira santa. Isso é perceptível até no uso de uma paleta de cores mais exagerada. Por um momento, Sorrentino adentra no mundo dos sonhos e do inconsciente sem pedir licença ao público. São duas as soluções possíveis: se distanciar diante de tamanho estranhamento, ou se deixar levar pelo intenso fluxo de imagens e pensamentos que movem a trama. A segunda vale muito mais a pena.
São precisos olhos maduros para interpretar e captar a força de La grande bellezza. Olhares mais ingênuos ficam presos nas polêmicas superficiais presentes na produção. Só que por trás de toda depravação, sexo, drogas, luxúria e exageros visuais mostrados na tela, está uma delicada e poética reflexão sobre a verdadeira grande beleza da vida. Com considerável potencial para polêmicas, o filme dividiu a opinião de muitos críticos, mas vale aqui lembrar que poucos foram os que admiraram obras como A doce vida e A aventura na época de seus lançamentos. Filmes assim merecem ser assistidos mais de uma vez, merecem um estado de espírito determinado e especial durante suas exibições. Assim, cabe à História colocar A grande beleza no posto que merece: o de nova obra-prima do Cinema Italiano.
* Aluno da disciplina Teoria e Crítica Cinematográfica, da professora Denise Lopes.
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