Júlia Cople - aplicativo - Do Portal
14/03/2014A bibliodiversidade brasileira está ameaçada. O conceito, que remete à variedade de títulos disponíveis aos consumidores, primordial à formação do leitor, padece com a concentração do segmento literário nas mãos de grandes corporações e com a concorrência das próprias editoras e das redes varejistas. Tais dificuldades se refletem na cultura dos best-sellers, que põe em risco a circulação de exemplares clássicos, e na "banalização do preço das obras". Assim avalia, em tom de alerta, o presidente da Associação Nacional de Livrarias, Ednilson Xavier, mas ressalva que o setor está "se reinventando".
Em entrevista ao Portal, Xavier destaca os esforços do mercado editorial para baratear os livros e pondera a importância do apoio estatal para que pequenos e médios estabelecimentos tenham igualdade de condições. O presidente da ANL questiona a adesão maciça às edições digitais, por induzirem à "leitura desfocada e desconcentrada", embora as considere uma tendência. Ele defende avanços no atendimento oferecido pelas livrarias, para que "não sirvam só de vitrine". "Há de se buscar alternativas de trazer o cliente para dentro da livraria. Não pelo fator comercial, mas pelo papel social de formação do leitor", argumenta. Desta forma, espera que o nível de leitura no Brasil se aproxime do observado nos países desenvolvidos. O brasileiro lê, em média, menos de cinco livros por ano, incluindo a leitura obrigatória das escolas, enquanto, nos Estados Unidos, por exemplo, chega a 17 títulos.
Portal PUC-Rio Digital: Diz-se que a bibliodiversidade é essencial para formar o leitor e ampliar o nível de leitura. O que significa este conceito?
Ednilson Xavier: A bibliodiversidade nada mais é que uma boa diversidade de títulos disponíveis aos nossos leitores. É uma preocupação do mercado livreiro com a formação do leitor. É colocar à disposição do leitor a maior variedade de títulos.
Portal: O que prejudica a bibliodiversidade brasileira?
Xavier: A concentração de mercado. Os grande grupos editoriais, cada vez mais difundidos, que, obviamente, apostam na cultura do best-seller (livros de maior vendagem, em tradução livre para o português). Não somos contra os best sellers, afinal eles mantêm, muitas vezes, o faturamento das livrarias. Mas é preciso se preocupar com a qualidade, com a formação do leitor, que se dá por meio de bons livros clássicos.
Portal: Os livros clássicos têm sido preteridos, em virtude de um apelo comercial supostamente menor?
Xavier: A circulação desses exemplares acaba sendo, de certa forma, esquecida, deixada de lado, para se priorizar os best sellers. Outra ameaça à bibliodiversidade é justamente a perda dos nossos fundos de catálogo, os de cauda longa. Esses não têm vendagem tão expressiva, mas são clássicos e importantes, como eu disse, para a formação do leitor e também do professor. Muitos deles estão esgotados, porque não há interesse de colocar em circulação livros com vendagem pequena.
Portal: Mas os best-sellers também não contribuem para a formação do leitor?
Xavier: Em que, por exemplo, Cinquenta tons de Cinza forma o leitor? Até pode formar, mas precisamos passar desse estágio. A boa literatura faz com que saiamos desse processo alienante político e social. Uma pessoa mal instruída vota mal e, assim, o país não muda.
Portal: O que o senhor quis dizer, em artigo publicado no jornal O Globo, com "a guerra e a banalização do preço do livro que se estabeleceu em nosso mercado"?
Xavier: Num mercado em que não há regulamentação de preço, uma das propostas da Associação Nacional de Livrarias, como existe na França, na Espanha e na própria Argentina, rege a livre iniciativa. Nesse contexto, a própria editora vende livros ao consumidor. Isso é, no mínimo, uma concorrência desleal. A editora acaba colocando preços abusivos. Isso é uma ameaça à bibliodiversidade. Não tem impacto só na presença de bons títulos, como também na pulverização de livrarias pelo país inteiro. A editora concorre com o livreiro do interior do Estado. A própria editora, que alimenta esse livreiro, alimenta o consumidor dele. Como ele vai se sentir encorajado a abrir uma livraria? A banalização é isso: a concorrência da editora.
Portal: A concorrência de janelas alheias ao mundo de livrarias, como os varejos, preocupa?
Xavier: Esse é outro fator, reflexo do livre mercado. São sites oferecendo descontos abusivos. Vendem livros a preços totalmente predatórios mesmo, com o objetivo de ganhar o cadastro do consumidor para depois vender outra coisa, como TV ou viagens. O que forma o leitor é a livraria física, com tempo para folhear o exemplar. Na livraria, você pega o livro e folheia. E a biblioteca também tem esse papel social.
Portal: Uma das grandes complexidades do mercado livreiro é o risco de encalhe. Como se defender desse risco?
Xavier: Uma alternativa tem sido as consignações, modelo de operação comum, que oferece menos riscos à livraria. Para não correr esse perigo, trabalha-se com as editoras e as distribuidoras mais flexíveis. No caso de encalhe, há chance de negociar a troca de livros com esses parceiros.
Portal: Além do apoio entre livrarias e editoras, o senhor já declarou ser a favor de uma ajuda estatal para os pequenos e médios estabelecimentos. Como seria esse auxílio?
Xavier: Em 2010, com um programa de incentivo, também reivindicado pela ANL, houve a criação de atividades estruturais em pequenas e médias livrarias. O Ministério da Cultura lançou, à época, um edital do qual só as pequenas livrarias poderiam participar, com limite de faturamento. Elas desenvolviam atividades culturais com apoio, patrocínio. Outra ação que pode voltar remete às compras escolares de biblioteca via livraria total. Como o projeto do livro popular em parceria com a Biblioteca Nacional, cujo objetivo era abastecer bibliotecas com livros de até 10 reais fornecidos localmente. O governo pode canalizar o espaço da livraria para a descentralização dos livros. Faz com que a livraria possa fornecer mais para as bibliotecas públicas. O vale-cultura é também uma iniciativa bacana, que esperamos ser efetivamente colocada em prática.
Portal: O senhor mencionou iniciativas por livros mais baratos. Como se pode, concretamente, reduzir o preço?
Xavier: Nesse ponto, temos que parabenizar o mercado editorial, que tem se esforçado para deixar os preços mais atrativos. Raízes do Brasil, por exemplo, do Sérgio Buarque de Holanda, tem edição normal e edição de bolso. Na livraria Cortez, da qual sou diretor, fazemos muitas compras em grupo. Um universitário quer comprar livro mais em conta, faz a lista da classe e os descontos chegam a 20%. Observamos esforços das livrarias neste sentido. Em São Paulo e Campinas, há cartão do educador, com apoio da ANL, em que o professor tem desconto de 20%. Precisamos buscar alternativas para trazer o leitor para dentro da livraria. Não pelo fator comercial, mas pelo papel social da livraria, referente à formação do hábito de ler.
Portal: Nesse cenário de concentração e concorrência, como o mercado editorial busca se reinventar?
Xavier: A maioria das editoras já está se reinventando, mas a passos lentos. Isso tudo ainda é reflexo do pouco hábito de leitura do Brasil. Nós ainda não adquirimos esse hábito. O americano lê 17 livros ao ano, enquanto no Brasil essa média não chega a cinco, incluindo o que é leitura obrigatória da escola.
Portal: Apesar dos esforços para tornar o livro mais barato, qual o peso do fator preço para os baixos níveis de leitura e compreensão textual do brasileiro?
Xavier: Grande. Se as editoras, quando vão publicar um livro, têm em mente que a vendagem não é expressiva, a tiragem é pequena. É o chamado efeito de escala, em que, quanto maior a tiragem, menor o preço. São fatores obviamente interligados. O preço está atrelado à falta de leitores também. Todo segmento precisa se preocupar com a descentralização do mercado editorial. Temos que saber que, quanto mais pontos de venda, mais possibilidades de venda do livro da editora. Mais uma vez, há de se ter tratamento igualitário para todas as livrarias, porque as de pequeno e médio porte não têm as mesmas condições.
Portal: O senhor afirma que as livrarias independentes acabam reduzidas ao papel de "divulgadoras". Qual deve ser a função delas?
Xavier: A livraria independente entra com o papel social, embora não pague salário com capital social e sim com financeiro. As livrarias, até pela banalização de preços, acabam servindo de vitrines. Se a livraria não souber fidelizar o cliente, oferecer bons serviços, bom atendimento, boa variedade, acaba servindo só de divulgadora. Hoje o meu cliente entra com a folha do caderno e o smartphone, tira foto e já faz uma pesquisa online para saber onde está mais barato. Tem que ser um espaço atrativo, porque o consumidor troca de loja sem muita cerimônia.
Portal: A ascensão da classe C mudou o foco do mercado editorial no país?
Xavier: Mudou. As editoras têm investido em políticas de preços mais atrativos, mais populares. Têm tentado atrair essa classe em ascensão, em especial com livros de literatura infanto-juvenil.
Portal: Outra tendência é a expansão do mercado de livros digitais. O que o senhor pensa sobre essa nova plataforma de leitura?
Xavier: Precisamos de um pacto pró-leitura, discutir que caminhos podemos tomar para formar o leitor. Se eu tenho perspectivas de um leitor voraz, tenho perspectiva no livro digital. Sem esse cenário, como vou acreditar nesse negócio? Do ponto de vista das livrarias, não temos opinião formada sobre o resultado prático financeiro dessas livrarias com ebooks. Mas como a ANL é reflexo do pequeno e médio livreiro, primeiro temos que entender o que é o livro digital e depois, mais uma vez, saber em que mercado investir. É potencial? No Brasil ainda é insignificante. É muito pouco, por volta de 3%. Claro que é uma tendência, mas será que nós vamos aderir a essa ruptura? Mal temos os impressos para ler. O digital ainda é bifocado, o que faz perder a concentração. Chega uma foto, um e-mail na notificação. A leitura acaba sendo desconcentrada. A leitura desfocada, na verdade, não acrescenta muita coisa.
Portal: Como o senhor projeta o mercado editorial brasileiro para os próximos anos?
Xavier: É um mercado em mutação, e temos que estar atentos às exigências desse novo leitor. Livro digital é tendência, é preocupação das editoras. Mas é preciso pensar o mercado como um todo e não favorecer as grandes corporações. Vejo um mercado muito flexível, mutante, que exige mais critério na hora de se editar, embora surjam muitos atendimentos sob demanda. O mercado está concorrendo com várias frentes, até mesmo com revistas, e precisa ficar atento.
Portal: Nesse contexto, o senhor é otimista? O que define a qualidade de um serviço livreiro?
Xavier: Eu sou otimista. No Brasil, existe ainda espaço para boas livrarias, que são as preocupadas com quatro aspectos. O primeiro é ter atendimento personalizado, diferenciado. O segundo é a posse de um acervo variado, focado e atualizado. Se o cliente perceber que o estabelecimento está sucateado, vai procurar os sebos. Sou a favor dos sebos, têm bibliodiversidade grande. O terceiro é o mimo ao consumidor em pequenos serviços, como um cafezinho, uma balinha, uma encomenda rápida, uma entrega no bairro sem burocracia. Até mesmo ir à escola do bairro ou trazê-la para a livraria. O quarto aspecto é estar bem informado. O bom livreiro é agente cultural que não se fixa só no livro, mas em cinema, teatro, futebol, vida política. Uma pessoa antenada que apresente um mundo de conhecimento ao cliente.
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