Miguel Pereira* - aplicativo
15/09/2013O filme Frances Ha, de Noah Baumbach, é inquietante. Apresenta um modo de vida jovem em que basta o existir, o estar vivo, uma experiência bem diferente das vivências da juventude do passado. Ao naturalizar as relações amorosas e cotidianas como mutantes e efêmeras, coloca seus personagens numa perspectiva existencialista fechada e um tanto fora de moda. Há, sem dúvida, um ambiente de desencanto característico das crises do sistema capitalista, em que os jovens e os mais idosos são as principais vítimas dessa situação. No caso da Europa, por exemplo, o desemprego entre os jovens é muito alto e preocupante em relação ao futuro dessas gerações. A perda já está dada. São vidas pela metade. Nos Estados Unidos, o jovem faz de tudo para levar adiante a sua independência. É da cultura americana essa atitude de autonomia. Os filhos deixam a casa dos pais muito cedo e assumem a sua própria vida da maneira que podem.
O filme de Noah Baumbach ilustra bem esse comportamento e constrói uma personagem que termina se afirmando sem o nome completo, indicando a precariedade de uma vida em transe. Daí o título, Frances Ha. Na verdade, é o que cabe do seu nome na identificação da caixa do correio de sua primeira moradia sozinha. Simbolicamente, é uma identidade partida. Neste sentido, o filme aborda a vida jovem de modo crítico e quer demostrar que a autoafirmação passa por uma espécie de provação, que o ambiente social lhe impinge. E quando os adultos aparecem em cena, há sempre um contorno de atitudes falsas e comportamentos hipócritas. Alguma solidariedade de superfície e uma ideia de amizade contaminada por interesses divergentes completam o quadro precário e mutante desse modo de viver. É, no entanto, uma juventude que não esmorece. Busca seu caminho com determinação. Num dos momentos do filme, a personagem Frances cai, mas logo se levante a continua a correr mesmo mancando. Dos obstáculos mais simples aos mais complexos, vai se adaptando às circunstâncias como se nos dissesse, sem apelos melodramáticos, eu existo. Olhe um pouco para mim. É a afirmação de uma carência que nos deve inquietar.
Frances Ha é, assim, um filme que responde à realidade contemporânea com a perspectiva de um olhar interessado e compreensivo. A sociedade e os jovens não estão em sintonia. Esse é o dilema que nos propõe o eclético Noah Baumbach. Mas tem ainda uma bela interpretação de Greta Gerwig, como a protagonista Frances, uma ótima fotografia em preto e branco de Sam Levy, além de escore musical perfeitamente adequado às diferentes atmosferas do relato.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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