Uma rigorosa pesquisa embasa o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle. Parte de uma pergunta que todos queremos ver esclarecida. O ex-presidente João Goulart morreu de um ataque cardíaco ou foi envenenado? É uma dúvida legítima, uma vez que as circunstâncias parecem indicar a possibilidade de um assassinato político. Apoiado pela família do ex-presidente, Paulo Fontenelle saiu a campo e construiu um dossiê cinematográfico bastante completo. Apenas a prova final não foi possível trazer à cena, uma vez que só agora, nos próximos meses, é que deve ocorrer a exumação do corpo do ex-presidente, por decisão recente da Comissão da Verdade do governo federal. Mesmo que a prova científica demonstre que não houve envenenamento, o filme de Fontenelle permanecerá válido. O centro da narrativa de Dossiê Jango consiste no levantamento de depoimentos e documentos que levam à necessidade do esclarecimento dos fatos. Inteligentemente, não afirma verdade alguma. Sua função é despertar a consciência da população brasileira para a necessidade que temos de conhecer a nossa história de modo transparente e objetivo.
Embora parte do material de arquivo não seja inédito, o documentário consegue dar um tratamento diferenciado às imagens e busca uma releitura particular e incisiva que estabelece um ponto de vista que parece ser também o da família de Jango. Aliás, são as imagens da intimidade familiar que despertam um especial interesse pela narrativa. Elas carregam afetos e lembranças. Os depoimentos do filho João Vicente Goulart, da filha Denise e da mulher Maria Thereza entram na medida justa como elementos de apoio à tese que está sendo defendida pelo filme. Por outro lado, algumas pistas como do agente uruguaio Mário Barreiro Neira acabam não convencendo muito por sua fragilidade. Mesmo o argumento que levanta a hipótese de assassinato de líderes políticos da esquerda latino-americana, como a morte dos três da Frente Ampla – Jango, Lacerda e Juscelino –, ocorrida num espaço de tempo muito curto entre elas, não parece muito consistente, embora já bastante divulgada.
De qualquer modo, o documentário de Fontenelle tem inegáveis méritos e suas indagações só fortalecem a absoluta necessidade que todos temos do direito à verdade. Afinal, a verdadeira democracia exige conhecimento, transparência e ação política consciente para o bem de todos.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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