Miguel Pereira*
28/06/2013Com o início das férias do meio do ano, a programação cinematográfica procura atender ao público escolar. É neste contexto que Além da escuridão – Star Trek, de J. J. Abrams, ganha um espaço especial e algumas adesões um tanto precipitadas. É certo que é uma aventura bastante popular da chamada ficção científica. Começou, ainda nos anos 1960, como uma série de televisão, mas já rendeu inúmeros frutos em todas as mídias. No cinema, o primeiro foi dirigido por Robert Wise, em 1979, e teve o título brasileiro de Jornada nas estrelas: o filme, e não alcançou o sucesso pretendido. O prestígio de Robert Wise e sua maneira particular de narrar não foram suficientes para que aquela versão primeira no cinema obtivesse o reconhecimento da crítica e dos produtores. Diante dos efeitos especiais que foram incluídos na versão final, Wise lançou a sua versão, tempos depois, em outro suporte. No entanto, lembro-me bem que na entrevista que Fernando Ferreira e eu fizemos com ele para O Globo, por ocasião do lançamento do filme no Brasil, Wise estava bastante entusiasmado com o filme. Apesar das desavenças, bastante comuns nos esquemas hollywoodianos, entre o diretor e os produtores, o filme conseguiu uma boa renda e demonstrou, claramente, a potencialidade de outras aventuras do mesmo filão. E foi exatamente isso que aconteceu.
Embora não chegue a se constituir numa aventura inovadora da série, Além da escuridão - Star Trek, de J. J.Adams, consegue segurar a atenção do espectador através de uma trama que envolve uma espécie de conto moral. A determinação do herói para salvar o valor central de sua missão tem algo de altruísmo que escapa até mesmo aos efeitos especiais e à parafernália do 3D usados quase que apenas como ornamento e sem a profundidade espacial sugerida. As imagens do espaço sideral pertencem a um universo imaginário já consolidado pelo gênero e formaram um padrão de beleza que os efeitos atuais não conseguem atingir do ponto de vista de uma dramaturgia cinematográfica coerente. Acontecem, simplesmente, na nossa frente, como um embalo emocional, sem esmero cinematográfico. Esperava-se dessa nova abordagem uma interação mais expressiva com todos esses novos meios que se colocaram a serviço da linguagem do cinema.
O padrão que domina a narrativa é o mesmo de tantos e tantos filmes que buscam na ficção científica um olhar sobre o futuro da humanidade, sem refletir mais a fundo sobre o tema. O que vemos na tela confirma a tendência ainda dominante de colocar em primeiro plano o efeito e não a indagação. O conto moral fica esvaziado. Lembro aqui a força narrativa de 2001, uma odisseia no espaço, do mestre Stanley Kubrick, que conduziu como ninguém, todos os dilemas da humanidade num futuro que é também presente contínuo. Além da escuridão – Star Trek atende a um público fanático pela série, mas não revela nada de novo no que diz respeito ao fazer cinematográfico contemporâneo.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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