Miguel Pereira* - Do Portal
29/04/2013Parece até brincadeira. E o pior é que não é. Está mais para tragédia. O fato é que o lançamento no Brasil do filme Invasão à Casa Branca, de Antoine Fuqua, está muito próximo das explosões que ocasionaram três mortes e vitimaram mais de uma centena de pessoas, na última maratona de Boston. Sem querer correlacionar a natureza os dois fatos, pois um filme é um filme e os acontecimentos de Boston são história viva, é possível tomar o trabalho fílmico de Fuqua sob um olhar mais questionador. A fábula e a lenda se tornam muitas vezes uma espécie de indicadores de caminhos ou reflexões sobre os sentimentos experimentados.
A premissa de Invasão à Casa Branca está na fala de um dos seus personagens que, no meio do furacão, diz que há, no mundo, um crescente e forte antiamericanismo. Na realidade, a história narrada se refere a personagens coreanos que invadem a Casa Branca com um poder de fogo invejável. No entanto, não são as forças políticas das Coreias que agem nesse improvável/provável acontecimento ficcional. Diz mais respeito a uma história de bandido e mocinho, com todos os ingredientes das típicas produções americanas regadas aos efeitos especiais cada vez mais mirabolantes, e, já a estas alturas, completamente sem graça. Porém, o título original, Olympus has Fallen, em português, O Olimpo caiu, nos remete para um evidente sentido político.
Claro, este não é o melhor momento da vida americana em muitas décadas. Não apenas a crise econômica mundial que teve uma das suas origens nos Estados Unidos, mas, principalmente, as muitas frentes de guerra que vêm consumindo milhares de vidas e estratégias intervencionistas equivocadas podem ser arroladas como um adequado contexto para o filme Invasão à Casa Branca. Não que o redima de sua pirotecnia epidérmica, mas, sem dúvida, indaga sobre algo que parece estar considerado na narrativa do filme de modo ufanista. Por outro lado, o cineasta Antoine Fuqua tem certa credibilidade e seguramente não usaria seu talento para desviar-se de uma inquietação que, sem dúvida, está no seu filme, mesmo sob a capa de um gênero que se encanta em destruir cidades e pessoas.
Num mundo complexo como o nosso, Invasão à Casa Branca aparece como um sintoma bastante impreciso que, no entanto, nos alerta para possibilidades que parecem desafiar a vida contemporânea. Mesmo revestido pelas fórmulas de um cinema essencialmente de entretenimento, sua existência já indica que não pode ser descartado. É quase uma ficção científica que cada vez mais se aproxima da vida histórica. E isso é preocupante.
*Professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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