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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

Uma Coreia longe da tensão e perto do cinema experimental

* Miguel Pereira - Do Portal

24/04/2013

 Reprodução

No momento em que a Coreia está novamente na primeira cena da política internacional, dois filmes, que ainda estão em cartaz, têm o país como motivo. Um deles, Invasão à Casa Branca, de Antoine Fuqua, é uma produção americana com veleidades de se tornar campeão de bilheteria. O outro é um singular filme coreano de um dos seus mais prestigiados realizadores atuais. Trata-se de A visitante francesa, de Hong Sang-soo. É importante destacar que a Correia do Sul é um dos países asiáticos que, há décadas, vem desenvolvendo uma produção consistente e bastante diversificada. Pode-se dar ao luxo, portanto, de certas experimentações e originalidades.

Hong Sang-soo é uma dessas carreiras de pesquisador da realização cinematográfica, na busca de um estilo pessoal e experimental. Na sua aparente simplicidade narrativa, produz indagações extremamente inquietantes e desenha personagens que parecem viver à deriva, ao sabor do acaso, em permanente busca de algo impreciso, através de processos que nunca se fecham. Acompanhar as suas histórias com a lógica das narrativas canônicas é um exercício inútil. O espectador precisa se despir dessas roupagens cômodas e tentar penetrar um universo cheio de sugestões que o colocam muito além dos possíveis enredos que possa elaborar na sala escura. São camadas que se interpõem, se sucedem ou se sobrepõem umas às outras, criando significados díspares e muitas vezes antagônicos. É como se fossem enigmas que se transformam em outros enigmas, num emaranhado sem fim.

Esse exercício estilístico radical aparenta, em A visitante francesa, excessos e redundâncias paradoxais. As microssituações dramáticas abolem qualquer tipo de fronteira do espaço e do tempo para narrar num presente quase absoluto. Por isso, não podemos nos fixar apenas nesses critérios narrativos. A todo instante, as três histórias parecem se repetir umas às outras quando, na verdade, são apenas variações que buscam indagações muito mais conceituais do que existenciais.

Um exemplo desse procedimento estilístico é a ação da relação amorosa na tenda do salva-vidas. É realizada, através de uma elipse, procedimento mais do que tradicional na história do cinema, com um realismo quase chocante. Parece inclusive fora do lugar. Na verdade, porém, adiciona ao drama uma perfeita impressão do desconforto vivido. Certamente o que está em jogo não é o ato amoroso em si, mas o sentido de um acaso, parcialmente concluído, que leva a personagem a outras questões, como se fossem um fio condutor da própria vida. Isso se concretiza, de forma mais clara, nas perguntas e respostas da cena com o monge budista. As quebras de tempo e espaço são, na verdade, fruto de uma imaginação produtiva, a da jovem roteirista que, no fundo, é quem manipula aqueles destinos. Este é o elo central do filme que pode ser apreciado também a partir de um único ponto de vista, cuja personagem representa uma espécie de mestre de cerimônias ao conduzir os visitantes aos seus aposentos.

O estilo Hang Sung-soo é original e muito elaborado. É o que se pode chamar, com propriedade, de “cinema conceitual”, literalmente pós-moderno, que nos faz pensar e sentir o mundo subjetivo como algo mutante e criativo, coisa bem diferente do temor que se vive na história política. No fundo, o que as Coreias desejam mesmo é que o muro caia. Só para registrar: Isabelle Huppert está soberba.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.