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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

"O dia que durou 21 anos" incentiva novo olhar ao passado

Miguel Pereira* - Do Portal

16/04/2013

 Reprodução

Exibido em poucas sessões, o documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, é um lançamento extremamente oportuno. O golpe de 1º de abril de 1964 ainda reverbera não apenas pela data, mas pelas zonas de sombra que recobrem esse acontecimento desastroso para o nosso país. Apesar de mais meio século de distância, considerando o contexto e os antecedentes, o fato ainda permanece na penumbra em muitas de suas inúmeras facetas. O filme de Camilo Tavares aborda fundamentalmente uma: a dos americanos e sua participação nesse ato de intervenção na vida política brasileira. Não dá para simplificar um acontecimento dessa natureza. No entanto, de certa forma, o filme buscou fontes documentais até agora pouco ou mesmo não utilizadas em nossa cinematografia histórica. Esse é um indiscutível mérito do documentarista que mergulhou, principalmente, nos arquivos nacionais norte-americanos, para garimpar comprovações de uma versão já bastante conhecida.

Por outro lado, o filme, num campo um pouco mais sutil de sua narrativa, levanta interrogações bem interessantes. Uma delas, que até hoje deixa os estudiosos perplexos, embora existam explicações consideradas óbvias, refere-se aos motivos que levaram João Goulart a não resistir ao golpe. O dia de durou 21 anos deixa nas entrelinhas uma hipótese até agora não muito considerada pela historiografia. A construção das sequências em que se dá a saída de Goulart e sua relação com as imagens mais próximas do antes e do depois deixam no ar a possibilidade de seu ato ser um acordo tácito com os poderes norte-americanos da época. São conversas próximas, não inteiramente reveladas, entre Goulart e os diversos níveis da política americana. Não é o caso de se imaginar uma conspiração assim tão sofisticada. Mas, de qualquer modo, essa é uma leitura possível que decorre do filme. Sem juízos de valor, pois o íntimo do presidente é sempre uma suposição. E, muito menos sem a paixão que o tema deixa transparecer, não seria a operação Brother Sam, com seus equipamentos marítimos deslocados para águas territoriais brasileiras, que impediria uma reação ao golpe.

O jogo de cena, muito comum nas disputas de natureza política, é um teatro ancorado em estratégias de convencimento de parte a parte, construídas, neste caso, no clima de Guerra Fria, e num processo sem grandes surpresas. Claro que os imprevistos sempre fogem ao controle de quem planeja ações dessa natureza. Neste caso, o embaixador Lincoln Gordon foi a regra e Vernon Walters, não. Ele passou por todas as fases da participação americana no pós-Segunda Guerra Mundial na Europa, onde o Departamento de Estado jogou rios de dinheiro para promover o americanismo em oposição ao sovietismo. Lidou com esse momento como uma raposa infiltrada.

Uma leitura não maniqueísta do filme aponta para essa e outras perguntas que se constituem em algo novo neste documentário de Camilo Tavares. Já a sua comentada estética mais contemporânea contém uma armadilha. Atrai os amantes de um cinema intervencionista, através dos efeitos tecnológicos, e, ao mesmo tempo, não se importa muito com a ética do documentário, considerada um dos templos da sustentação do gênero. É claro que a verdade está sujeita a muitas interpretações. Investigar mais é preciso. O filme de Camilo Tavares é uma boa contribuição para essa discussão.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema