Miguel Pereira* - Do Portal
08/04/2013Tela escura, barulho de uma explosão, gritos, sirenes, enfim, cenas não visíveis do que se presume ser um atentado. Segue-se a imagem de uma jovem caída no chão como se fosse uma das vítimas. Um terceiro plano mostra essa jovem escrevendo uma mensagem e a colocando numa garrafa. Essa abertura do filme franco-israelense-canadense Uma garrafa no mar de Gaza, do cineasta francês Thierry Binisti, é realizada com a simplicidade de um relato em três tempos. E é isso que vamos ver a seguir. Um estado de coisas oscilante, sob constante ameaça, e, aparentemente, sem perspectivas.
A tela escura pode ser vista como uma economia de produção, mas também como algo que nos impede de ser, de desejar, de construir uma vida numa situação de normalidade cotidiana. São os imprevistos, as casualidades, o descontrole que atormentam a vida deste nosso mundo contemporâneo atraído pela fatalidade do desastre iminente. Paul Virilio diz, num de seus livros, que quando o homem fabrica um navio pressupõe também o naufrágio. Não que isso aconteça todos os dias e todas as horas. Mas é uma possibilidade. Tudo vai depender do uso e do cuidado com que tratamos esses artefatos que a tecnologia nos proporciona. No caso do filme de Thierry Binisti, a garrafa ao mar é uma metáfora para mostrar os dois lados de um mesmo problema, o conflito sem fim de duas culturas irmãs que não se entendem. Ainda bem que o ser humano subsiste a isso, não importando o jogo de poder que insiste em não apostar na paz e concórdia entre os povos e as pessoas.
A jovem adolescente judia tem todo o direito de cobrar do palestino uma explicação para os atos de violência que atingem inocentes e imolam vidas. Muito justamente, ela quer entender também o porquê da raiva que parece corroer os espíritos que assumem essas atitudes de autoimolação. O método de comunicação, através de uma mensagem engarrafada, traz à tona o aleatório, o não premeditado, matéria-prima instigante para uma narrativa que pode surpreender. Dosado e bem construído, o filme não foge às questões mais íntimas de um clima opressor de ambos os lados. Há um espaço mínimo de possível entendimento entre os jovens. É única esperança de futuro ventilada pelo filme. Uma garrafa no mar de Gaza joga todas as suas fichas numa possibilidade em que o afeto e um verdadeiro amor, construído em tempos revoltos, podem sedimentar um mundo melhor. É uma possibilidade, sem pieguismos. Pega o espectador na contramão de um ímpeto revanchista. Isso é muito positivo. A imagem final não é necessariamente um desencontro, mas a esperança de um encontro futuro. Esses jovens são belos.
Numa narrativa simples, direta, sem efeitos especiais, dosando com mão firme as emoções, o filme de Thierry Binisti mostra também o contexto de muitas partes do planeta em que se vive o medo, a incompreensão e a falta de solidariedade. Vale a ida ao cinema.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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