João Pedroso de Campos - Do Portal
26/11/2012Motivados por filmes de ficção científica ou congestionamentos quilométricos, alguns sonham com botões que tornem os carros alados, turbinados, voadores. Enquanto isso, uma pesquisa da Consultoria Accenture, que ouviu mais de cinco mil jovens ao redor do mundo, aponta que a geração Y, composta pelos nascidos entre 1981 e 1995, não sonha com os céus, mas quer segurança, conectividade e interatividade ao volante. Se sistemas de comando de voz, telas de cristal líquido e acesso a celulares, tablets e smartphones eram exclusividades dos modelos luxuosos, a maioridade dos millennials – apelido dos integrantes da geração Y – leva as montadoras a intensificar a inclusão de equipamentos de informação e entretenimento nos veículos, inclusive os menos sofisticados. Especialistas em direção alertam, contudo, que a maior disponibilidade destes itens não pode representar uma ameaça à concentração do motorista.
A pesquisa mostra que 63% dos entrevistados têm interesse em usar recursos de comunicação no carro; 83% querem uma tecnologia que solicite automaticamente atendimento mecânico em caso de quebra ou acidente; e 75% dos recursos mais procurados pelos consumidores estão relacionados à segurança. Atentos a tais demandas, os principais fabricantes ampliam o peso de itens como sistemas de conexão à internet, comandos integrados de áudio e vídeo e monitoramento por satélite (GPS). Assim confirmou o Salão do Automóvel de São Paulo, no mês passado.
Decano do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC), Luiz da Silva Mello observa que modelos como o Peugeot 208 e o Chevrolet Onix, entre R$ 30 mil e R$ 40 mil, mostrados no Salão de São Paulo, já aderem a MP3, GPS, sistemas de fotos e leitura de e-mails, amparados por Bluetooth ou Wi-Fi. Silva Mello avalia que a popularização destes equipamentos seja “uma questão prioridade”:
– A indústria automobilística trabalha com escolhas. Há muitas outras tecnologias disponíveis. É uma questão de mercado. O que o consumidor prefere? Banco de couro ou carro conectado? Essa é a questão que somente uma pesquisa de mercado pode responder.
Se a pergunta fosse feita a um consumidor da geração Y, a opção seria bem previsível, para não dizer óbvia: a pesquisa da Accenture aponta que 59% dos jovens entre 20 e 31 anos que possuem carro querem controles para os seus smartphones acoplados ao volante e 58% deles desejam ler e editar e-mails no veículo. No Brasil, entretanto, apenas 9% dos millennials têm carro próprio e só 21% da Geração Y brasileira estão habilitados a dirigir, estima o Programa Volvo de Segurança no Trânsito.
Ainda assim, Silva Mello pondera que esta é uma faixa etária com poder aquisitivo em expansão no país. Tais jovens já representam mais de 35% da força de trabalho brasileira, segundo o Hay Group, empresa especializada em treinamento profissional. À medida que ganham o mercado automotivo, esses consumidores acostumados a uma rotina de alta conectividade tendem a querer, ou exigir, que o carro acompanhe o ritmo.
– Quem usa smartphone e tablet no carro é quem os usa no dia a dia, e o tempo todo. Isso aponta para uma demanda maior a carros de entrada de linha, como o Onix, da Chevrolet, e o 208, da Peugeot. Embora o custo acrescido ao valor total seja pequeno, é preciso balanceá-lo em relação ao preço total do carro – ressalva o decano do CTC.
Investimentos crescentes em "itens de conectividade"
A gerente de marketing da Fiat, Maria Lucia Antonio, reconhece que o jovem da geração Y muda o mercado automobilístico a partir da busca por ambientes adaptados ao uso dos chamados gadgets, equipamentos e acessórios de conectividade. Segundio ela, esta turma, “que já nasceu conectada”, impõe novas maneiras de se pensar e produzir os carros: “Além de seguros, os sistemas têm de ser inteligentes, complementares”. Para atender a tais demandas, as montadoras dedicam, ainda de acordo com Maria Lucia, investimentos crescentes no desenvolvimento de setores especializados em conectividade e na sua interação com áreas como marketing e engenharia, cujas funções são "encaixar o pacote conectividade" nos carros sem grande impacto no preço.
– As ideias vêm da demanda do mercado e de um trabalho conjunto entre setores da montadora. A geração Y é muito importante para identificar as tendências do mercado. É um público que já nasceu conectado e cresce junto com a inovação, além de gerar conteúdo 24 horas por dia e estar sempre em busca de novidades. Mas o nosso trabalho tem de ser conjunto, coordenado. O Fiat Social Drive, por exemplo, foi uma criação da Agência Fiat, já o Stillo Connect foi criado por outra equipe. A conectividade é um serviço de inteligência, por isso não encarece o preço do carro – explica Maria Lucia.
O professor do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Rio Sérgio Braga, esclarece que, antes de se consolidarem num automóvel pronto para as ruas, as parcerias entre montadoras e empresas de tecnologia, como as gigantes Microsoft, Apple, Intel e IBM, manifestam-se nos carro-conceito – inovações sobre rodas comuns nos grandes salões automotivos, até como peças de marketing, mas cujas novidades muitas vezes não chegam ao mercado. Há duas semanas, Braga esteve numa convenção da Peugeot em Paris. O professor conta que a montadora francesa debateu com especialistas a ampliação dos investimentos em "tecnologias de conectividade". Ele projeta uma massificação destes recursos:
– Creio que vão virar itens de série na maioria dos carros com relativa rapidez. As montadoras estão pensando nisso há muito tempo. Perceberam que inserir este tipo de tecnologia envolve a entrada de um novo tipo de consumidor no mercado. Um consumidor com crescente poder de compra: os jovens conectados o todo tempo, que procuram estender isso a seus carros.
Repórter do caderno Carro Etc, do jornal O Globo, Marcelo Cosentino também explica que as montadoras seguem a onda da conectividade a partir dos modelos premium, que ditam as tendências aos modelos mais simples. Cosentino aponta entradas USB, GPS e conexão com celulares como os pontos mais procurados pelo consumidor "cada vez mais antenado".
– Há modelos como o A1 e o A8, da Audi, que já se conectam a tudo e possibilitam o atendimento de ligações ao volante, sincronizadas pelo handsfree (mãos livres): o motorista pode utilizar todas as ferramentas de conectividade sem tirar as mãos do volante, usando a voz – exemplifica Cosentino.
Segundo Maria Lucia Antonio (foto), as montadoras devem tornar os veículos mais conectivos à medida que segurança e conforto não sejam comprometidos:
– Conectividade, segurança e conforto devem estar interligados, precisam ser trabalhados juntos.
Ainda conforme Maria Lucia, o lançamento do Stillo Connect, em 2005, deu a largada para a consolidação de modelos com sistemas de viva-voz e Bluetooth no país. De lá pra cá, a novidade da montadora nesta área foi o sistema Blue&Me. Disponível desde 2007, o equipamento permite o reconhecimento da voz para realização de ligações e leitura de SMS. O Blue&Me é fruto de uma parceria da montadora com a Microsoft e dá suporte ao Fiat Social Drive, serviço lançado neste ano que conecta o carro às redes sociais. Apostas para fisgar quem vive com o modem na veia.
– É uma forma pioneira de conexão que garante a segurança do motorista – assegura a gerente de marketing – Uma tecnologia complementa a outra. O Blue&Me sustenta o Social Drive, presente no novo Punto, que possibilita ao motorista receber informações de Facebook, Twitter, Foursquare e principais portais de notícias. Acredito que parcerias com as empresas de tecnologia serão cada vez mais exploradas pelas montadoras – prevê.
Tecnologia também deve ser empregada contra imprudência
Apesar do desejo e do discurso de conciliação entre os itens de conectividade e a segurança do veículo, a disponibilidade crescente de "carros conectados" acende o alerta em relação ao risco de acidentes (a maior parte é causada por imprudência). Especialistas reforçam que direção segura exige, entre outros requisitos, concentração ao volante. Assim, orientam que os equipamentos de diversão no carro, por exemplo, devem receber a atenção só dos passageiros.
Sérgio Braga lembra que, antes mesmo do surgimento daqueles recursos, motoristas já se colocavam em perigo ao manusearem celulares. Por isso, ele não relaciona a conectividade a um aumento dos risco de acidente. Pelo contrário:
– A tecnologia deve ser empregada também contra o uso indevido desses equipamentos – argumenta.
O professor da PUC-Rio afirma que o desenvolvimento de sistemas de conexão vai além de mudar a maneira de se usar os gadgets, baseados no conceito de handsfree:
– Só mais tecnologia pode evitar que ela própria seja um tiro no pé do motorista. Seria como um feedback negativo dentro do sistema. Bastaria restringir o uso de determinados aplicativos quando houvesse alguém ao volante, ou impedir o uso quando o cinto de segurança não estivesse sendo usado – propõe – Mas isso é difícil. Não se saberia se quem está utilizando o aplicativo está no banco do motorista ou no do passageiro – admite.
Silva Mello (foto) também acredita que o mau uso da tecnologia possa ser evitado e “a conexão possa ajudar muito na segurança”. Ele projeta que, em dez anos, no máximo, programas trarão informações em tempo real sobre acidentes e o estado das rodovias. A tecnologia, observa o professor, já é testada por montadoras como a alemã Audi. Contudo, ele reitera o alerta: recursos como handsfree não dispensam a atenção integral ao volante.
– É necessário limitar o uso dos recursos de conexão de acordo com a intensidade do tráfego e a velocidade de deslocamento – sugere – Da mesma forma que você não consegue dirigir sem botar o cinto de segurança, os próprios sistemas terão que restringir o uso dos itens de conexão dependendo das condições. A preocupação com a segurança deve ser primordial. Sensores estão sendo testados, em protótipos, para evitar batidas com base na posição dos carros ao redor: é o radar automotivo.
Marcelo Cosentino observa que a conectividade com as mãos livres é a base também do Sync, parceria da Ford com a Microsoft. A novidade associa-se ao argumento de que este tipo de recurso favorece a segurança, pois permite que o motorista, teoricamente, não tenha de manusear o smartphone ou o tocador de música digital. Nem sempre é assim, e nem sempre é sufiente para assegurar uma atenção exclusiva na direção.
– Com o Sync, a Ford busca compradores de primeira viagem da geração Y. O sistema evita que se tire as mãos do volante, mas, às vezes, é quase inevitável: as pessoas acabam pegando o celular, tentando se conectar, o que é perigosíssimo – salienta Cosentino.
A especialista em relações públicas Hellen Prado, de 24 anos, conta que o Sync (foto) pesou na compra do seu primeiro carro, um New Fiesta. Ela se diz "correspondida", mas conta que encontrou dificuldades na interação entre seu pen-drive e o sistema multimídia: “
– Acho um recurso prático e seguro, até pela maneira como se pode interagir com mensagens SMS. Mas, como qualquer programa e sistema tecnológico, tem o que melhorar.
Escrever mensagens e atender o celular enquanto se dirige são dois dos maiores vilões no trânsito. Todavia, assim como reconheceu o repórter do Globo admitiu, a prática ainda é comum. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), digitar mensagens no celular aumenta em até 23% o risco de acidente. Um estudo realizado na Universidade de Rostok, na Alemanha, vai além: o tempo de reação de pessoas conversando ao telefone é ainda menor do que os que apresentam entre quatro e cinco gramas de álcool por 100 ml de sangue. A pesquisa mostra que, ao usar o celular, a resposta a estímulos que demandem atenção também diminui, entre uma série de outros pontos.
Apesar destes estudos, Marcelo Cosentino aponta que em alguns estados dos Estados Unidos o uso do celular ao volante é permitido.
– Nos Estados Unidos permitem até mesmo que se mandem mensagens de texto enquanto se dirige. Há muitos estudos que apontam que isso aumenta a porcentagem de chance de batida. Você fica totalmente às cegas, por isso a intenção das montadoras é desenvolver dispositivos que poupem o motorista dessa distração.
Futuro reserva papel secundário ao motorista, que se tornará passageiro
O decano do CTC vê grandes mudanças no horizonte da relação motorista-carro. Ele projeta que os passos da conectividade para os próximos 15 anos vão em direção à substituição total da parte humana da relação por sensores, dentro e fora do carro.
– O limite para a tecnologia automotiva é o que se chama de rodovia inteligente, em que você entra no carro, dá o destino e o veículo dialoga com a estrada até chegar ao ponto final. Isso tira toda a influência do motorista no processo de condução e assim evitaria que os imprudentes continuassem a causar acidentes. – vislumbra.
A pioneira neste tipo de tecnologia da informação é a Audi. O Audi Connect transforma o carro num ponto de Wi-Fi, num roteador ambulante, que expande o sinal da Internet por até 10 metros ao redor do veículo. A base do funcionamento do sistema da montadora alemã, que já está disponível no Brasil como opcional – os preços variam de R$ 5 mil a R$ 7 mil –, se dá a partir da inserção de um chip de telefonia móvel com acesso à Internet.
Leandro Radomille, diretor de vendas e marketing da Audi no Brasil, aponta que os modelos da montadora prezam pela interatividade, mas ele reconhece essa tendência à conectividade nos produtos como direcionada, inicialmente, ao atendimento de uma demanda dos clientes com mais poder aquisitivo. Porém, Radomille acredita que estas tecnologias migrem a outros segmentos.
– Assim como tudo que cerca o consumidor, principalmente o mais jovem, o carro tem de se comunicar com o ambiente externo. Nossos projetos buscam seguir esta tendência, por exemplo, para evitar colisões e fazer com que o consumidor pegue o caminho mais fácil quando há congestionamento.
Marcelo Cosentino também projeta que o futuro da tecnologia de conexão fará do carro o soberano da direção. Ele avalia que as empresas de tecnologia do Vale do Silício, como o Google, ganharão espaço no setor automotivo.
– A conectividade nos veículos tende à segurança e a que o consumidor não precise mais dirigir. O Google, inclusive, está projetando carros nos quais você se acomoda ao lugar do motorista e ele faz todo o trabalho, segue o caminho se comunicando com outros carros para evitar batidas. Ainda há muita experimentação, imagino que estes projetos sejam lançados no mercado a longo prazo. Mas há algumas tecnologias, como os GPS que indicam os caminhos mais livres, que já existem.
Sérgio Braga segue o mesmo raciocínio. Para ele, os próximos passos da conectividade vão em direção à comunicação entre os veículos e a uma maior autonomia deles: “mais autônomo, o carro se protege para que não fique quebrado e você fique a pé”. Contudo, segundo Braga, uma maior comunicação só será possível em longo prazo, quando um número maior de carros tiver conexão com internet móvel e o preço do serviço se popularizar.
– Hoje, se é fácil localizar um telefone celular, localizar um carro é bem mais fácil. Imagino que uma comunicação eficiente entre os veículos só se dê a longo prazo, porque a sua massificação em modelos mais populares depende do preço do projeto, do sistema. Mas, com certeza, colisões serão evitadas com esse tipo de tecnologia. Hoje em dia o carro toma decisões por você que antigamente não tomava. Exemplo disso são os carros automáticos e os dualogic. Você já não passa as marchas na velocidade em que quer. Isso é aparato de segurança. Antigamente se você tivesse a 100 por hora e quisesse engatar uma primeira, a marcha entrava e você quebrava sua caixa de câmbio. Hoje em dia não há como fazer isso, nem à força.
O engenheiro eletricista Alexandre Abib, de 24 anos, faz parte da Geração Y e ilustra que, se o carro era o principal sonho de consumo dos jovens de outras gerações, os millenials unem esta paixão aos gadgets e fazem a indústria automobilística enveredar pelos caminhos da tecnologia móvel. Dono de um conector Onbord Diagnostic System (OBD), que permite que ele faça telemetria e leia dados do carro com um celular/tablet, Abib pesquisou preços e trocou seu Volkswagen Gol, sem nenhum recurso de conexão, por um Chevrolet Sonic. O modelo possibilita a personalização do sistema de som além do atendimento de ligações telefônicas. Ele afirma que além da admiração pela marca, “sempre gostei da GM”, e dos recursos multimídia, o design, o câmbio automático e o conforto foram os diferenciais para a aquisição.
O engenheiro diz se sentir seguro ao volante quando manuseia os recursos de conectividade. Caso trocasse a engenharia elétrica pela de informática, Alexandre Abib inventaria tecnologias semelhantes às de Audi e Google.
– Me sinto muito mais seguro atendendo ao telefone com Bluetooth do que tendo que tirar uma das mãos do volante para atender o celular. Sem contar o déficit de atenção que isso causa. Por isso eu inventaria um carro com capacidade de pegar estradas sozinho e dirigir em comboio, para tirar tal responsabilidade de maus motoristas.
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