Ana Clara Wilhelm - aplicativo - Do Portal
28/04/2014Em plena era digital, motoristas cansados das horas acumuladas ao volante (o carioca passa, em média, 47 minutos no tráfego para ir da casa ao trabalho, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio - Pnad) sonham com carros, digamos, independentes. Modelos que se ajustam, de forma automática, a circunstâncias como sinais de trânsito, riscos iminentes, vagas de estacionamento, exigências ambientais. Com o investimento crescente na eletrônica embarcada, laboratórios universitários e indústria automobilística apromixam esse futuro das nossas ruas e impõem novas qualificações aos engenheiros.
Ao lado da propulsão elétrica, o avanço dos dispositivos eletrônicos deixa de ser tendência para acelerar fortemente no mundo das quatro rodas. O professor de Engenharia mecânica da UFRJ Fernando Castro Pinto observa que o aumento da eletrônica no automóvel volta-se tanto ao rendimento quanto ao conforto, ao lazer e à comunicação:
– Os avanços estão ligados, por exemplo, ao gerenciamento do controle da tração e dos freio ABS (antitravamento de roda), para deixar o véiculo mais seguro. Mas também se voltam à parte interna, que se comunica com o motorista e os ocupantes. Assim, pode-se usar câmera de TV no lugar do espelho.
Se, até os anos 1980, as sofisticações do gênero eram sinônimo de sistemas de som incrementados, vidros elétricos e ar-condicionado, hoje tais recursos representam não só um vasto repertório de itens de comodidade – desde bancos elétricos reguláveis com memória e teclas de acionamento de som e de câmbio no volante até acesso à internet e às redes sociais – mas destinam-se também à interatividade. Facilitam a comunicação entre o motorista, o carro e o ambiente.
O computador de bordo, que saltou das pistas de corrida para os automóveis de passeio nos anos 80, incorporou mais informações. Municiam o condutor e o próprio veículo, que assim reúne melhores condições para consumar um prognóstico inexorável dos engenheiros e um desejo cada vez mais vivo dos motorista estressado pelos engafarramentos: o automóvel autônomo, que assume a direção por motivos de segurança e o conforto.
Tendência aponta para crescente autonomia do automóvel
Por ora, essa autonomia ainda está restrita a versões conceituais e iniciativas isoladas, como o Toyota Prius equipado com um sistema de estacionamento automático: o condutor programa as coordenadas e o veículo estaciona sozinho. Mas a tendência, afirmam os especialistas, é o controle crescente do carro, sobretudo para corrigir falhas humanas em circustâncias adversas, como perido de patinagem ou derrapagem.
Já os motores elétricos, cercados também de traços futuristas, embarcaram do prognóstico para a realidade. Testados há mais de 20 anos, começam a se tornar comuns fora da Ásia, onde já respondem por boa parte da produção desde a virada do século. Têm, pelo menos, duas vantagens em relação aos tradicionais motores a combustão, movidos a gasolina, etanol, diesel ou misturas afins: são ecologicamente corretos, pois não emitem gás poluente; e silenciosos (atributo para o qual se mostram indiferentes amantes dos esportivos, cujo ronco do motor é uma cultuada melodia). Segundo o também engenheiro Mauro Speranza, professor da PUC-Rio, os propulsores elétricos sejam dominantes em 30 anos:
– Esses carros têm desempenho muito bom, além de serem mais ecológicos – justifica – Mas a produção e o descarte da bateria são poluentes. Esse tipo de problema tem que ser mais estudado – ressalva Speranza.
Castro Pinto acrescenta que o armazenamento da energia também precisa ser aperfeiçoado, até para ampliar a autonomia do veículo elétrico (em torno de 100 a 150 quilômetros). "Como as reações químicas não estarão mais dentro dos tanques, será preciso aprimorar o conhecimento sobre o armazenamento químico dentro da bateria”, explica o engenheiro.
As novas legislações ambientais, que se tornaram mais rigorosas nos anos 1990, e a consequente valorização de fontes energéticas renováveis impulsionam o desenvolvimento não apenas dos propulsores elétricos, mas de soluções ecológicas embarcadas. "A indústria automotiva, respaldada por centros de pesquisa, estuda a troca de componentes metálicos por materiais como fibra de plantas e bambu etc", exemplifiica o engenheiro mecânico e aeronáutico Luiz Henrique Jorge Machado, vice-diretor da 20ª Competição Baja, na qual estudantes de Engenharia constroem modelos off-road.
A tradicional disputa é um incentivo às inovações tecnológicas, hoje influenciadas por demandas associadas ao meio ambiente, à segurança e à comunicação. Exigem do profissional e do estudante um empenho maior para conjugar teoria e prática, ressalta Speranza. Neste sentido, ele recomenda métodos criativos porém didáticos:
– Por exemplo, brinquedos como carrinho e avião, que são de baixo custo, podem ajudar a se entender o funcionamento de algumas partes.
Na PUC-Rio, os motores elétricos ilustram a necessária conjugação entre teoria e prática. Desde os primeiros períodos, esse tipo de propulsão é apresentado aos alunos, destaca Speranza:
– Os alunos de engenharia mecânica e elétrica são expostos às exigências do carro a bateria desde Introdução à Engenharia, no primeiro período. Os calouros já trabalham com bateria e motores elétricos, e, desta forma, se capacitam para as novas demandas do mercado.
Machado afirma, porém, que o aperfeiçoamento da relação entre a academia e a indústria tende a acelear os avanços tecnológicos no automóvel. Um dos caminhos, observam os especialistas, é a maior conjugação entre as áreas de engenharia. Para Castro Pinto, o carro elétrico retrata esse “trabalho multidisciplinar”, que exige conhecimentos coordenados:
– Envolve mecânica, eletrônica, eletricidade. O engenheiro até pode ter uma especialização, como em mecânica, mas é preciso conhecer as outras engenharias – conclui o professor.
Contrução de veículo acelera o casamento entre teoria e prática
Para reforçar a capacitação, universitários se engajam em complementições como a Baja, organizada pela Sociedade de Engenheiros Automobilísticos (SEA). Ao desenvolver um protótipo off-road, o aluno tem a oportunidade de aplicar e testar os conhecimentos adquiridos nas aulas, dirigidos a soluções criativas. Algumas delas acabam, não raramente, aproveitadas pela indústria.
– Até a gente entrar na faculdade, não temos noção de como são as coisas. Achamos que só vamos aprender física e matemática, mas, quando entramos em projetos como o Baja, vemos que não é só isso. Temos uma noção de trabalho em equipe, de experiência e ainda fazemos o que gostamos – anima-se Guilherme Reis, aluno de Engenharia Mecânica e participante da equipe Baja da PUC Rio.
A competição, disputada regional e nacionalmente, incentivam os universitários a buscar, no processo de construção do protótipo, informações além daquelas oferecidas nas aulas. Machado ressalta que a disputa ajuda a formação de um engenheiro comprometido com a inovação e, consequentemente, a maior valorização no mercado de trabalho:
– Essa é a maior contribuição da competição. O projeto também ajuda a qualificar os alunos envolvidos para os desafios do trabalho em equipe, assim como para o funcionamento de um projeto de engenharia desde a ideia inicial e a fabricação até o acabamento final.
O professor José Alberto Parise, orientador da equipe da PUC-Rio na competição, cuja etapa nacional está marcada para o segundo semestre, diz que as dificuldades para a construção dos carros são "enormes", porém a contrapartida de qualificação compensa os esforços concentrados em cerca de um ano dedicado à construção do veículo.
– Os alunos levam, da competição, muitas ideias. E os erros, como aprendizagem. O projeto criou engenheiros muito mais bem formados – afirma Parise.
O iminente adeus de um último romântico
O forte trabalho interdisciplinar e o arsenal de dispositivos tecnológicos, traços hoje marcantes da indústria automobilística terinados pelos futuros engenheiros nas universidades, contrastam com o tom romântico dos estúdios de feitio artesanal. Como o tradicionalíssimo Bertone, cujas portas ensaiam fechar. Responsável por desenvolver alguns dos mais belos carros do século XX, o ateliê Bertone ditou revoluções no design. Influenciou muitas montadoras, destaca Speranza. O professor pondera, no entanto, que os automóveis se tornaram menos rebuscados:
– Atualmente, fazem carros mais simples, mas feios – opina – Os carros de 1960 feitos pelo ateliê, apesar de menos confortáveis, eram muito mais bonitos.
Ainda de acordo com Speranza, “hoje não há mais pessoas que trabalhem como o Bertone”. Ele observa que hoje as montadoras e ateliês apresentam equipes com inúmeros profissionais que trabalham de forma articulada, e não mais "um individuo pensando o design como no auge do Bertone".
Fundado em 1912, por Giovanni Bertone, para construir carruagem, a companhia lançou carros que marcaram época, como o Lamborghini Miura P400 (1966). Fizeram sucesso de modelos exclusivos até carros “normais” encomendados, por exemplo, pela Citroën. Apesar do êxito e do peso histórico, a empresa entrou em processo de declínio em 1997, após a morte de Nuccio Bertone, neto de Giovanni, e deve fechar até o meio do ano, se não for vendida.
Equipe Baja da PUC-Rio abre as portas para o design e o marketing Sob a orientação do professor José Alberto dos Reis Parise, a equipe Baja da PUC-Rio reúne 12 integrantes, todos alunos de Engenharia, de vários períodos. Eles carregam a missão de planejar e construir, em aproximadamente um ano, o tipo de veículo que dá nome à competição. O processo é dividido em quatro etapas. Larga do projeto, feito em programa 3D, com o qual se avalia se as ideias cabem nos parâmetros do veículo. Depois começa a construção: algumas peças são feitas no próprio laboratório da universidade, outras são compradas no mercado. Terminada a fabricação, os alunos fazem a montagem. Por último, impõe-se a fase de testes. Para se obter a mistura entre o rendimento desejado a um custo ótimo, o princípio muldisciplinar mostra-se um combustível eficiente. A equipe recebe reforços até de fora da Engenharia, como estudantes de Design. – O Baja PUC é multidisciplinar – reitera Eduardo Mendonça, o capitão da equipe –Trabalhamos também com alunos do setor de Design, que ajudam com a aparência do carro e ainda queremos alguém da área de marketing para nos ajudar a conseguir mais patrocinadores. Segundo Eduardo, faltam patrocinadores que contribuam com recursos financeiros, não só com peças. Ele sonha também com mais tempo para os alunos trabalharem no projeto. Apesar das dificuldades, o estudante diz que o aprendizado "na pesquisa e na construção do veículo" tem sido fundamentral para expandir o conhecimento da sala de aula. |