Miguel Pereira* - Do Portal
21/11/2012A verdade tem nome e está no sujeito que a vive. 5 x pacificação é a verdade de seus quatro realizadores: Cadu Barcellos, Luciano Vidigal,Rodrigo Felha e Wagner Novais. Tem retaguarda. Sua inspiração, consciente ou não, é o fundamental e inovador Crônica de um verão, de 1961, de Edgar Morin e Jean Rouch. Ali, a dupla lançou as bases de um método e um modelo de documentário que iriam revolucionar o cinema. O filme do quarteto brasileiro se insere nessa tradição com particulares aspectos de inovação no que diz respeito à verdade e ao método.
A verdade está no olhar e o método, na sua revelação sem mediações. A proposta do trabalho não fica escondida ou suposta. As imagens das reuniões e encontros que vagueiam e divagam sobre o fazer do filme são reveladoras. Exatamente como Jean Rouch e Edgard Morin experimentaram há mais de 50 anos.
Se no filme francês era a classe média ascendente que estava sendo objeto da indagação dos cineastas, no do quarteto brasileiro é o drama agudo de uma cidade que busca caminhos de superação de uma violência selvagem, irracional e avassaladora. Importam menos os resultados e mais as ações inibidoras, certas ou erradas, desse clima irrespirável que a sociedade carioca viveu e vive, com o sentimento cotidiano de horror, medo e impotência.
Sabemos todos – talvez até mais os realizadores do filme, por viverem nesses espaços – que as soluções são mais complexas do que meras ações repressoras. No entanto, um certo alívio fica estampado no rosto e nas falas de muitos moradores das favelas ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) por onde as câmeras do filme fizeram seus registros. Assim, concordando ou não com esse projeto de segurança em implantação no Rio de Janeiro, 5x pacificação é uma particular e importante visão da vida da nossa cidade, uma produção de Carlos Diegues e Renata Magalhães.
Do ponto de vista propriamente cinematográfico, ressaltam algumas inspirações genuínas dos talentos que conduziram a narrativa. Destaco a ironia presente em muitas imagens que evidenciam independência do olhar em relação às figuras públicas, por exemplo. A credibilidade está na sinceridade, mesmo que parcialmente encenada, dos sujeitos dessa guerra e suas versões. Afinal, é a vida deles que está em jogo, tanto os arrependidos do tráfico, como os que palpitam com a insegurança do dia a dia.
É claro que o problema focado é bem mais complexo em relação às suas possíveis soluções. Mas, também não podemos ser hipócritas e fechar os olhos para as causas dessa tirania imposta pelas armas às sociedades contemporâneas. Este é o foco principal de 5x pacificação: mexer com a nossa passividade e individualismo. É um filme que provoca e exige uma reflexão ativa de todos, pois, de uma forma ou de outra, estamos no mesmo barco.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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