Miguel Pereira* - Do Portal
30/10/2012A palavra sentimento pode assumir muitos significados. Seu radical vem do substantivo latino sentis, is ou sentes, ium, que quer dizer silvas, sarça, espinhos. A mistura dos afetos se constitui num sentimento em que o prazer e o amor podem estar associados à dor ou ao obstáculo para a sua realização. Praticamente todas as histórias que fazem parte do reportório cultural da humanidade se caracterizam por essa ambiguidade entre o desejo do bem e as dificuldades para alcançá-lo. O sentimento só é experimentado na relação com o outro ou no diálogo interior. Gonzaga, de pai para filho, de Breno Silveira, navega no sentimento como matéria-prima de sua narrativa. É um filme assumido como sentimental, emotivo, envolto na aura do afetivo.
A trajetória dos protagonistas assume dimensões multifacetadas de um único arco dramático motivador: a reconciliação entre filho e pai. Esse retorno às origens é também o motivo do sofrimento e dos espinhos que minaram as relações familiares. Tudo passa a ser revivido num processo que alicia técnicas narrativas com a restauração de um percurso existencial presente na dinâmica do movimento. Por isso, o filme alcança uma fácil adesão do público.
Alguns procedimentos colaboram para esse tipo de resultado. Não se trata mais do melodrama tradicional, mas da tentativa de expor o vivido como uma espécie de documento da história. Não é por outro motivo que as imagens ficcionais são invadidas e misturadas a outras de registros fotográficos ou audiovisuais como para validar a narração. Todas essas passagens são realizadas com muito equilíbrio e pertinência dando ao filme um tom de veracidade, com tudo que essa afirmação tem de relativo. Por outro lado, o tom geral do filme oscila entre o conflito das relações e o extraordinário talento musical de pai e filho.
Ao mesclar apresentações musicais com o enredo, Breno Silveira se aproxima do esquema que lhe rendeu o grande sucesso de 2 filhos de Francisco, de 2005. A fórmula recebeu agora novos ingredientes que enxugaram o relato. Está mais sequinho e direto do que o primeiro filme. Algumas reconstituições de época poderiam ser mais caprichadas, mas, em momento algum, prejudicam o resultado final do filme.
Sem dúvida, o roteiro de Patrícia Andrade, com a participação de George Moura, a fotografia de Adrian Teijido, assim como um elenco afinado e bem conduzido são elementos que, somados ao musical embutido no filme, acabam compondo um resultado que, todos esperamos, venha a superar o sucesso dos filhos de Francisco.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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