Miguel Pereira* - Do Portal
17/09/2012Sucesso espetacular na França, com mais de 20 milhões de espectadores, Intocáveis, da dupla Olivier Nakache e Eric Toledano, é um filme que busca aparar as arestas de um país intolerante com a imigração que afetou e ainda está afetando a Zona do Euro. Sua história, baseada no livro autobiográfico Le Socond Soufllé, de Phillippe Pozzo di Borgo, narra as relações entre um negro à beira de se tornar um bandido e um milionário tetraplégico. Em vez do drama, o filme focaliza as situações divertidas que podem ocorrer numa relação incomum, embora esteja dito que os fatos narrados têm a realidade por base.
Neste sentido, o título que o filme adotou em Portugal, Amigos improváveis, diz quase tudo da sua proposta, pois que a situação é, sem dúvida, mais improvável do que provável. O filme optou por tratamento mais ameno, com tiradas realmente engraçadas, em alguns momentos, quase histriônicas, que beiram o improvável. Esse tratamento se assemelha muito ao mote das chanchadas cariocas com Oscarito e Grande Otelo. É também uma dupla de um branco e um negro que apronta poucas e boas. Claro, é um registro livre de momentos que conquistam as plateias e de algum modo rebaixam o tema complexo que essas situações de intolerância racial carregam.
A segunda vida de Phillippe, o milionário tetraplégico, é apresentada, no filme, como uma espécie de farsa onde a dor é afastada e a graça corre solta. Talvez seja mesmo a melhor maneira de abordar essa marca odiosa das diferenças raciais que os chamados civilizados não conseguem superar. Os comportamentos ridículos merecem o tom do excesso, fixado em vários momentos da narrativa. Cito apenas um exemplo, a transformação do concerto clássico, na mansão milionária, em uma dança de ritmo irresistível. Essa mistura e ao mesmo tempo separação dão o tom central ànarrativa.
Intocáveis é, assim, um filme que relaciona dois mundos antagônicosque se tocam pela excepcionalidade de ambos. O normal seria exatamente que a vida pudesse caminhar igual para todos. Tirar proveito de uma e de outra situação, num registro cômico, é a grande sacada da dupla de diretores franceses, Olivier Nakache e Eric Toledano. Mas, acima de tudo, o africano Driss, que Omar Sy interpreta com as nuances satíricas desejáveis, é um dos pontos altos do filme.
O mundo paralelo dos subúrbios parisienses que vez por outra estoura em conflitos, dando muito trabalho às autoridades, fica em segundo plano. De algum modo, Intocáveis aponta para a solução pacífica dos conflitos como, certamente, a autobiografia de Phillippe quis fazer.
Divertido e bem narrado, este grande sucesso dos franceses está agora ao nosso alcance. Vale a ida ao cinema.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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