Miguel Pereira* - Do Portal
25/06/2012Filmes sobre juventude são raros e geralmente abordam questões de relacionamentos românticos ou de crítica social agressiva. Vê-se mais os efeitos do que a verdadeira compreensão desse importante momento existencial da vida de todos nós. Como a idade da passagem para a chamada fase adulta, a juventude é o alvo preferido das mensagens publicitárias da sociedade de consumo em que vivemos. O mercado fala a linguagem do jovem e o coloca no lugar do prazer e da experimentação. Tudo é permitido. Os limites são alargados, dando sensação de poder ilimitado, embora as identidades estejam sendo formadas na dúvida e na insegurança. É um pouco dessa investigação que o cineasta Marcos Prado busca realizar no seu primeiro filme de ficção, Paraísos artificiais. Não aborda esse tema de um modo genérico, mas fixa um momento determinado do transe juvenil.
A narrativa se concentra num movimento que ecoou fortemente numa parcela da classe média que tem acesso às drogas sintéticas, associadas à música eletrônica dos DJs. Esse fenômeno que está sendo estudado por diversos grupos da pesquisa acadêmica continua na cultura do jovem contemporâneo, e o filme de Marcos Prado faz um registro dos dramas que circundam esse pequeno universo. Sem ser moralista, seu olhar é compreensivo e ao mesmo tempo condenatório de certos procedimentos que envolvem o tráfico dessas drogas, os riscos do seu consumo descontrolado e o impacto que causam nas famílias e nos afetos.
As primeiras imagens do filme têm a marca do inspirado documentário Estamira, primeiro filme dirigido por Marcos Prado. O arame farpado sobre os muros altos de uma prisão, seguido de um primeiro plano que acompanha um homem caminhando em direção ao portão da saída, dá a dimensão simbólica da narrativa. No ato de atravessar a rua para o encontro com a mãe, o personagem já não é mais o jovem que ali entrou. Tornou-se adulto. Dos tempos de uma liberdade ilusória, resta muito pouco em sua alma. Seu desejo é recomeçar do zero.
A partir dessas imagens primeiras, o filme passa a ser narrado ao sabor das idas e vindas para recompor um passado que ainda se faz presente nas atitudes do irmão mais novo, assim como no sentimento de culpa pela morte acidental do pai. Essas revelações se misturam aos outros personagens que interagem nas raves e no irresponsável fruir das sensações. Mas, as cenas do presente são curtas e poucas, levando o filme a um fim um tanto abrupto.
Sem dúvida, Paraísos artificiais se esmera na produção das festas e das paisagens, tanto na Holanda como no Brasil. Se isso é um mérito que busca uma estética visual cuidada, acaba não permitindo um aprofundamento de sua proposta de entender a juventude enquanto um estrato sem rumo que se entrega aos mundos artificiais. Uma sucessão de cenas caracteriza essa cultura que reúne os jovens nesses ambientes. Mas, as motivações mais profundas passam de modo rápido e superficial. De qualquer forma, o filme de Marcos Prado tem a coragem de abordar esse mundo dos consumidores de drogas e músicas radicais, sem juízos preconceituosos. Vale como alerta.
* Miguel Pereira é jornalista e crítico de cinema.
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