Amanda Reis - Do Portal
14/11/2012A Rádio PUC, que estreou nesta quinta-feira, 8 de novembro sua programação com 24 horas de música instrumental brasileira, conta com um acervo de cerca de 2 mil músicas. O responsável por este garimpo é o pesquisador musical e historiador Paulo Cesar de Araújo, ex-aluno e atual professor do Departamento de Comunicação. Para oferecer aos ouvintes o melhor da música instrumental brasileira – “que preza pela beleza, riqueza e diversidade”, como define, Paulo Cesar trabalhou cerca de três meses na seleção de músicas, priorizando a qualidade das gravações. O repertório abrange desde grandes instrumentistas, como Pixinguinha e Ary Barroso, a jovens músicos, como Hamilton de Holanda, e inclui a obra instrumental completa de Tom Jobim.
Apesar do repertório genuinamente brasileiro, o consultor destaca que há temas nacionais nas interpretações de músicos estrangeiros, como o trompetista Miles Davis tocando Corcovado, de Tom Jobim. E que a rádio não tem preconceito de estilo:
– Todas as influências que a música brasileira incorporou, como o jazz e o rock, estão na rádio – conta Paulo, destacando que de segunda a sexta, das 9h às 17h, não há repetição de gravação na programação. “Pode haver repetições de músicas, mas de diferentes intérpretes”, explica. A partir das 17h, começa uma programação randômica.
A experiência com música instrumental inaugura uma nova etapa da carreira do pesquisador. Paulo Cesar é responsável por trazer de volta “bregas” como Waldick Soriano e Odair José com o livro Eu Não sou cachorro, não – Música popular cafona e a ditadura militar (2002), e escreveu a biografia não autorizada Roberto Carlos em detalhes (2006), que lhe rendeu prestígio e muita dor de cabeça. PC termina o livro em que conta a relação polêmica com o rei. Com lançamento previsto para este ano, teve que ficar para 2013. Não pela alegada dificuldade de escrever, ou por ser baiano; é que este ano, além do novo trabalho na Rádio e no curso de Comunicação e Música Popular Brasileira, na PUC, Paulo se dedicou às aulas de história na escola pública em que trabalha, em Niterói; às do doutorado em Ciências Políticas, na UFF, e às duas filhas pequenas.
Portal PUC-Rio Digital: Como está sendo voltar à PUC dando aulas sobre música popular brasileira?
Paulo Cesar de Araújo: O curso é o que desejei encontrar na PUC quando passei no vestibular. Na minha época, tinha disciplina de história do teatro, do cinema, da imprensa, mas não tinha história da música. O curso abrange a música brasileira moderna, a bossa nova, que mudou tudo, a relação com os meios de comunicação e a questão do bom e mau gosto.
Portal: E o consultor de música instrumental? Como é entrar nesse universo novo?
PC: É um desafio. Sempre ouvi este tipo de música por prazer, mas agora tenho a oportunidade de ampliar este leque da música brasileira. A primeira fase foi ouvir o acervo da rádio, dar um parecer e selecionar o repertório. Depois, vou avaliar o que está faltando na programação.
Portal: Como e quando surgiu a pesquisa sobre Música Popular Brasileira?
PC: O projeto surgiu quando cursava as faculdades de Comunicação, na PUC, e História, na UFF, no final da década de 1980. Fiz a primeira entrevista em março de 1990, com o Tom Jobim, no Jardim Botânico. Este foi o pontapé inicial para 253 entrevistas ao longo de 15 anos. A maioria das conversas foi pelo orelhão que tinha perto da minha casa. Dali falei com a nata da música popular brasileira. Só fui ter telefone fixo em 1998.
Portal: Por que decidiu começar as entrevistas com os principais nomes da música?
PC: Por incrível que possa parecer, era mais fácil contatar as grandes figuras do que os bregas. Tinha mais acesso ao telefone dos figurões do que ao número do Waldick Soriano, por exemplo. Eu queria ouvir todo mundo: os famosos, os excluídos, os não muito conhecidos. Não queria cometer nenhum equívoco excluindo uma parte. Só não consegui falar com o Roberto Carlos. Posso até pedir inclusão no Guiness Book, porque tenho documentado o meu esforço tentando entrevistá-lo durante 15 anos.
Portal: Como surgiu sua identificação com a chamada música brega?
PC: Na década de 1970, em Vitória da Conquista, eu só tinha rádio, e era este tipo de música que tocava. Essa relação afetiva com a música brega veio principalmente do meio social onde eu vivia.
Portal: A sua vida pessoal levou à profissional. Você se sente orgulhoso por ter o reconhecimento dos ídolos que recuperou em seu primeiro livro, Eu não sou cachorro, não?
PC: Tive todas as emoções possíveis, desde o prestígio à ingratidão. Primeiro, fiquei muito feliz por fazer o livro e ter sido bem recebido pelo público e pela crítica, apesar de todas as dificuldades. Segundo, Eu não sou cachorro, não trouxe uma nova concepção. Odair José disse à revista Piauí: “Depois do livro, eu passei a respeitar a minha própria obra”.
Portal: Por que decidiu fazer Comunicação?
PC: No Ensino Médio, tive professores de português, literatura e história que me fizeram ter uma identificação com a área de humanas. Sempre gostei de ler jornais e revistas, principalmente os cadernos de música, cinema e futebol. Sabia que não queria ser professor nem dar palestras. Jamais pensei numa profissão em que tivesse que falar em público. Na época da escola, fazia os trabalhos, mas na hora de apresentar eu apenas segurava o cartaz. Porém, no primeiro período da faculdade de Comunicação, tomei a decisão que mudou a minha trajetória. A professora de literatura e português passou um trabalho em grupo com apresentação individual. Eu não sabia o que fazer, já que não conhecia ninguém. Decidi encarar o desafio. O único pedido que fiz à professora foi para apresentar por último, porque ainda tinha esperança de que alguma coisa acontecesse, como faltar luz. Lembro até hoje quando caminhei até o centro da sala, tive a sensação de quem vai dar um salto no ar. Ao longo do trabalho, fui me acalmando e deu tudo certo. Tirei dez e a professora ainda me elogiou. A partir deste momento, quis apresentar os trabalhos e todo mundo queria ser do meu grupo, pois sempre tirava notas altas.
Portal: Por você ser tímido, não tinha vergonha de entrevistar grandes nomes da música?
PC: Eu sou um tímido esquisito. Eu não tinha esse tipo de timidez de falar com as pessoas. O meu problema era falar em público. Eu não representava um veículo específico e o fato de ser estudante, ainda por cima da PUC, ajudou bastante. Todo mundo me atendia, como Caetano Veloso e Chico Buarque. Eu repito: só não consegui falar com o Roberto Carlos, que era o único que tinha assessoria de imprensa na época (Ivone Kassu, que morreu em julho).
Portal: Você deixou de admirar Roberto Carlos depois que ele o censurou?
PC: A música do Roberto não ficou feia porque ele me processou. Por conhecê-lo muito bem, sei que ele tem suas limitações e contradições, como não ter o hábito de ler. Só uma pessoa com pouca intimidade com livro para apreender meus exemplares e colocar num depósito em pleno século XXI. Sei que o meu livro não tem o menor sentido para ele. Não esperava nenhuma reação dele, só não contava que fosse me atrapalhar. Vocês não têm ideia do que é ser processado por uma instituição nacional. Roberto Carlos é como o carnaval ou o futebol brasileiro.
Portal: Você se sentiu frustrado, quando os exemplares da biografia do rei foram recolhidos?
PC: O livro foi publicado e quase 50 mil cópias foram vendidas. Estaria derrotado se o livro tivesse pronto e não pudesse ser publicado.
Portal: Roberto Carlos em detalhes está disponível na internet. Isso o incomoda?
PC: Fiz o livro para ser lido. Quando a obra foi proibida, imediatamente surgiram arquivos. Fico feliz por ter conquistado novos leitores. Outro dia, recebi um e-mail de um americano oferecendo uma contribuição em dinheiro porque achou uma injustiça a proibição. Pelas vias tradicionais, o livro não alcançaria este tipo de leitor.
Portal: Você acredita que Roberto Carlos em detalhes poderá ser liberado?
PC: O processo ainda não terminou. O livro foi tirado de circulação por um acordo entre a Editora Planeta e Roberto Carlos. Caso seja aprovado o projeto de lei que impede a censura prévia a biografias, que tramita no Congresso, qualquer editora poderá publicar o livro, exceto a Planeta, pois não renovei o contrato e o livro me pertence.
Portal: Seu novo livro conta a sua relação com o rei desde as tentativas de entrevistas até a proibição da biografia. Conte como está sendo fazer esse resgate às lembranças.
PC: É um livro de memórias. Comecei pelas mais recentes, que são mais fáceis de serem esquecidas. Agora, estou conversando com a editora para definir o nome e a data de lançamento. Seria este ano ainda, mas não deu. Será em 2013.
Portal: No início do século, surgiu no Pará um ritmo novo que une música eletrônica e o brega tradicional, conhecido Tecnobrega. O que você acha dessa ascensão musical?
PC: É uma geração que não sofreu o preconceito na década de 1970. Usam o brega como substantivo, e não como adjetivo. O próprio nome já assumiu esta mudança. É um reflexo de maior tolerância. Vai chegar o momento em que vão falar do brega sem tomar como ofensa.
Portal: Você pesquisa música popular brasileira, escreveu sobre os cafonas, que tiveram seu auge nos anos 70, e só agora, este ano, comprou seu primeiro celular. É alguma resistência ao que é novo?
PC: Quando era garoto, nunca tive o desejo de ter um carro, como a maioria dos garotos. Esse tipo de produto não me atrai. Por outro lado, não gosto de jornais, revistas, livros velhos. Quanto à tecnologia, estou antenado na internet. Não abro mão de ler a Folha de S.Paulo na internet. Não tenho preocupação com o novo. Quando estreia um filme, não preciso vê-lo agora. Se ele for bom realmente, vou ver daqui a pouco. Sempre penso: tenho uma opinião a dar sobre determinada coisa depois de dez anos do seu surgimento.
Portal: Há quanto tempo e por que você decidiu ser vegetariano?
PC: Sempre pensei na questão dos animais que são impedidos de viver para se tornarem comida. Em 1998, no dia do meu aniversário, 14 de março, parei de comer carne. De uma vez. Um dia, voltando para casa, achei um gato no meio do lixo, ajudei- o a sair da lixeira e ele me seguiu até em casa. O gato ficou um período na minha casa, quando me mudei para um apartamento, ele foi para casa do meu irmão, até que desapareceu. Prefiro acreditar que era um gatinho andarilho. Depois que vi este gato, foi a gota d’água: não conseguia mais olhar para um pedaço de carne sem pensar no gato ou num boi que desejam ser feliz. Não sei por que fiz essa associação. Acho um bife delicioso, mas não posso comer um cadáver. Estaria sendo cúmplice de um massacre. É uma questão ideológica: vejo um animal como um ser humano. Não é fácil ser vegetariano, sempre sou sacaneado entre os amigos.
Portal: Você nunca trabalhou numa redação de jornal. Tem vontade de ter essa experiência ainda?
PC: Minhas dificuldades são para falar, escrever e lidar com prazos. Na faculdade, ficava desesperado quando tinha que apurar e escrever na aula. A professora de Estética da Comunicação, Rosangela, pediu para ao longo do semestre fazermos um livro. Eu nunca imaginei ser escritor. Não conseguia escrever uma reportagem, quanto mais um livro. Gravei uma fita sobre a trajetória de um jovem na época da Abertura política do Brasil. Apesar do material não ser escrito, a professora adorou e disse que poderia escrever qualquer coisa. Isso foi surpreendente.
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