Miguel Pereira* - Do Portal
25/05/2012Fernando Trueba é um cineasta habilidoso e sabe contar uma história com a necessária dose de interesse para manter o espectador dentro do drama narrado. Para alcançar esses resultados, usa as estratégias comuns da linguagem cinematográfica e por isso A dançarina e o ladrão, de 2009, tem conseguido uma boa acolhida do público. O filme tem seu charme e busca em personagens do chamado mundo marginal uma espécie de retorno à normalidade, sempre de difícil alcance. Baseado num relato ficcional do escritor chileno Antonio Skármeta, El Baile de la Victoria, que também colaborou no roteiro, o espanhol Trueba foi ao Chile não apenas ambientar o seu filme, mas para denunciar as atrocidades cometidas pelo regime do ditador Augusto Pinochet. É uma intenção evidente no filme. Além desse ponto de vista político, o cineasta espanhol, consagrado pelo Oscar de melhor filme estrangeiro por Belle Époque, de 1992, e inúmeros prêmios internacionais conquistados ao longo de sua carreira, procura compreender o drama humano dos ex-presidiários.
É no enlace desses dois motivos, a política e a tragédia humana, que Trueba constrói a sua inspirada narrativa cinematográfica. Se a ditadura esconde tesouros materiais, as feridas das suas vítimas não cicatrizam facilmente. Este é o destino da personagem central, a jovem bailarina Victoria Ponce, largada no mundo, depois do assassinato de seus pais pela ditadura de Pinochet. O encontro dela com dois egressos do regime penitenciário comum constrói uma narrativa de ação cheia viradas românticas bem à moda do cinema clássico. Algumas referências aos símbolos redentores, como a fuga pelas montanhas geladas e o desmonte do farisaísmo do concurso de dança, encaixam perfeitamente numa proposta cinematográfica que apela para um conteúdo mais denso e não apenas para a mera ação policial. O motivo parece justo. Assaltar um cofre da ditadura é mais que razoável, embora os fins não justifiquem os meios, como indica o final do filme.
De qualquer modo, Trueba, ao abordar duas linhas narrativas diferentes, torna seu filme menos comum e é ajudado nisso por bons intérpretes, com destaques para Ricardo Darín, no papel do arrombador de cofres, o jovem Abel Ayala, como o sofrido Angel, a bela Miranda Bodenhofer, a bailarina Victoria, e a primeira dama do nosso balé, Marcia Haydée, como a professora e protetora da dançarina do título. Boa trilha musical e ótima fotografia conjugam um resultado cinematográfico atraente e bem narrado.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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