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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

Filme aborda de forma corajosa assédio sexual no Egito

Miguel Pereira* - Do Portal

14/05/2012

 Divulgação

Embora pouco conhecido no Brasil, o cinema egípcio tem uma forte tradição de qualidade, e, no cineasta Youssef  Chahine, falecido em 2008, o seu nome mais internacional. Vez por outra, é homenageado pelo mundo afora, inclusive aqui no Brasil. Portanto, não deveria causar espanto que um filme egípcio chegasse às nossas telas com o selo de qualidade. Cairo 678, de Mohamed Diab, aparece dentro do clima do que se convencionou chamar de “primavera árabe”, iniciada em janeiro de 2011 no Egito, logo depois da queda do presidente da Tunísia, Ben Ali, que estava no poder havia mais de 23 anos. Apesar de a transição política do país ainda não ter se completado, o contexto da redemocratização favoreceu o interesse do público pelo filme de Mohamed Diab. Muitos pensaram que se tratava de um documentário sobre os acontecimentos do Cairo. O filme, no entanto, trata de uma questão bastante presente nos países de cultura mulçumana tradicional, onde a mulher tem um papel de subordinação frente ao homem. O assédio sexual vinha sendo tratado como uma espécie de tabu. Acontecia diariamente e não era objeto de denúncias ou processos. O filme de Mohamed Diab constrói uma narrativa ficcional, bem próxima dos fatos reais, e aborda, de modo corajoso, essa problemática vivida pelas mulheres egípcias.

No centro da trama, uma funcionária pública é assediada durante suas viagens de ônibus para o trabalho. Revolta-se com a situação, e, com o apoio de uma jovem burguesa, também vítima de assédio sexual, reage, criando uma ação em cadeia que resulta na promulgação de uma lei que penaliza quem pratica esse tipo de desrespeito à dignidade da mulher.

O enredo bastante simples reveste-se de sutilezas narrativas e imprime um tom humanístico ao sofrimento e angústia das personagens. Junto a esse processo das mulheres molestadas, um detetive torna-se a figura chave da história. Investiga os acontecimentos de modo a equilibrar as ações dramáticas e desviar a narrativa para meandros menos evidentes. Com isso, o filme ganha na sua dinâmica e evita repetições indesejáveis, criando lacunas que geram no espectador um clima de interesse renovado.

Além de muito bem narrado, Cairo 678 tem excelentes interpretações, com destaque para Bushra Rozza, no papel da jovem mãe que sofre abuso sexual, e para Maged El Kedwany, como o detetive Essam.  Além disso, reproduz, com certo cuidado, o caos do trânsito do Cairo e dá ao filme um tom semi-documental, com cenas de futebol e em espaços públicos que desenham uma cidade que sempre nos cobre de curiosidade.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema