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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Crítica de Cinema

Retrato trágico do ídolo de futebol ganha atualidade

Miguel Pereira* - Do Portal

24/04/2012

 Divulgação

Produzir um filme que narra a decadência de um personagem público é sempre um desafio e tanto. José Henrique Fonseca, diretor, e Rodrigo Santoro, ator, se uniram, numa espécie de pacto artístico, para recriar a história de um dos maiores ídolos do futebol brasileiro, Heleno de Freitas. Já nas primeiras imagens os sinais da devastação física, causada pela síflis, deixam o espectador perplexo. E mais. Quando o filme volta no tempo, essas imagens primeiras contrastam com a exuberância cênica e uma reconstituição de época fulgurante.

Esse procedimento contrastante está ancorado numa narração off do protagonista. Assim, ao mesmo tempo em que o drama humano é exposto pelas imagens explícitas, a tragédia pessoal vai ganhando intensidade e introspecção. Fica evidente que Heleno tinha plena consciência de seus males e não parecia arrependido. No fundo, o filme de José Henrique Fonseca traça um retrato hedonista de um herói que desaparece da cena ainda no auge de suas possiblidades profissionais.

Embora a narrativa evite qualquer tipo de julgamento moral, fica evidente que a deteriorização física é também psicológica, e, seguramente, suas atitudes, muitas vezes inexplicáveis, tiveram muito a ver com a doença e seu processo destrutivo. Ainda assim, o espectador espera, inutilmente, uma melhora que não vem. Essa é a lição da tragédia, coletiva ou pessoal. A vida ensina o caminho.

José Henrique Fonseca contou com uma equipe técnica afinadíssima para produzir todos os belos climas das cenas filmadas. Não apenas a brilhante fotografia, em preto e branco, de Walter Carvalho, mas os interiores e os seus objetos são precisos e bem colocados, além da conjugação das externas com as ações dramáticas. Produção cuidadíssima e hoje mais frequente no cinema brasileiro. Essa visualidade, preocupada em não falhar, acaba, ao mesmo tempo, produzindo admiração e um certo vazio incômodo que só desaparece se o espectador for capaz de ver o todo, isto é, o drama humano que acompanha o personagem em toda a sua trajetória. É uma hipótese que parece estar, de forma sutil, na proposta do filme. Significa dizer que no mundo das “celebridades” esconde-se sempre um ser igualzinho a todos nós pobre mortais.

Olhando por essa dimensão, Heleno ganha uma atualidade que nos deve nos fazer pensar, ainda mais no contexto midiático em que vivemos. O Heleno do filme tem em Rodrigo Santoro uma das suas mais completas interpretações no cinema. Quem conheceu o personagem histórico, certamente vai encontrar diferenças e semelhanças. Porém, sem sombra de dúvidas, doravante a imagem do Heleno estará sempre associada a essa belíssima interpretação de Rodrigo Santoro.

* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.