Miguel Pereira* - Do Portal
20/04/2012"Xingu" não é apenas a saga dos irmãos Villas-Bôas na luta pela causa indígena, fato histórico, por si só merecedor de uma reflexão à distância, mas também uma aventura que mistura as características do gênero western com o ambiente fulgurante da região amazônica. Dessa mescla, resulta um filme que dosa o sentido antropológico da cultura indígena, através do respeito ao seu próprio tempo lento e paciente, com o gosto pela aventura e o desbravamento de terras desconhecidas.
Se no início do filme de Cao Hamburger a motivação não parecia clara sobre as razões mais profundas dos três irmãos empreenderem essa aventura, ao longo da narrativa as intenções se explicitam e a ação do trio torna-se uma causa nacional. Assim, o brilho das imagens da natureza se conjuga com os dramas dos índios e os afetos construídos pelas relações entre pessoas.
Alguns desses espaços afetivos são tratados por Cao Hambuger com sutileza e especial atenção e respeito ao íntimo, ao pessoal e ao indizível, manifestados nas paixões e nos sentimentos produzidos pelas carências do cotidiano. O cineasta respeitou profundamente esses afetos, ao sugerir o sentido ambíguo das relações entre indígenas e brancos. Cao Hamburger foi recatado e não se deixou levar pelo sensacionalismo simplista. A sequência do namoro da índia com Claudio Villas-Bôas é um primor de simplicidade e eficiência. Ambos sentem, e nós espectadores com eles.
É certo que "Xingu" tem ainda aspectos conjunturais muito bem construídos e passa facilmente a atmosfera política que envolveu a saga dos irmãos Villas-Bôas. Vários governantes, assim como empresários e cientistas sociais aparecem no filme de modo a conferir verdade ao relato cinematográfico. O médico e sanitarista Noel Nutels, assim como o antropólogo Darcy Ribeiro, além de políticos conhecidos, são personagens de curtas aparições no filme que marcam o tempo histórico e definem os contextos em que estão inseridos os fatos narrados. Na verdade, esses procedimentos do roteiro têm também a função de um dialogo com o presente.
"Xingu" nos diz exatamente que a causa indígena ainda deve nos preocupar e que o nosso modelo de desenvolvimento não pode destruir a vida em quaisquer das formas que ela se apresente na cultura contemporânea. Olhar para o índio é olhar para um modo de ser atual. É se colocar na atitude do aprendiz. Esse talvez seja o recado mais importante do filme de Cao Hamburger. Não se trata deuma denúncia, mas de um discurso indireto que usa da poesia para se expressar.
"Xingu" enche os nossos olhos de prazer contemplativo e ao mesmo tempo nos convida a pensar os rumos do nosso desenvolvimento que se diz e quer ser sustentável. Além disso, o filme de Cao Hamburger é harmônico em sua estrutura narrativa, com interpretações excelentes, fotografia deslumbrante de Adriano Goldman, música precisa de Beto Villares, enfim, todas as suas partes caminham para um todo eficiente e muito bem construído.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e critico de cinema.
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