Uma trama em que a lógica do sentido da história se mantém oculta por muito tempo costuma ser o principal segredo dos filmes de suspense e ação. Mas fazer disso o único trunfo de uma narrativa cinematográfica é um risco muito grande. Existem outras lógicas que devem conferir credibilidade às situações e personagens. No caso do filme Sem saída, de John Singleton, as chamadas reviravoltas da trama estão a serviço de algo pueril e sem consistência. A cada novo personagem que entra em cena um efeito logo se faz presente na ação do filme. Mas, contexto e motivação são deixados de lado e ficamos à espera que um pouco mais adiante se esclareçam. Até aí tudo bem. São as regras do jogo. No entanto, a decepção pode ser o resultado final dessa engrenagem de superfície. É como se houvesse uma predeterminação de que as ações valem em si e não precisam ser articuladas e motivadas. Basta acontecerem. É um tipo de aventura que hoje é bastante comum no cinema americano que prefere os efeitos tecnológicos ao sentido do narrado.
Tanto o rito de iniciação do jovem adolescente, realizado pelo pai postiço, como a revelação da sua identidade e origem estão a serviço de uma dimensão mais próxima das aventuras juvenis tipo Harry Potter ou da série Crepúsculo, de onde vem o ator que faz o personagem central de Sem saída, Taylor Lautner, do que de uma trama de espionagem, o elemento central do filme. Essa mistura entre a fragilidade e o poder das armas e do corpo treinado pode dar resultado num contexto de magia, de fábula ou de transposição para o onírico. Mas, fazer de um adolescente, embora musculoso e bem treinado, esse campeão de uma maratona que se fecha num estádio de basebol com todas as pirotecnias à James Bond é um pouco demais para uma história que deseja convencer o seu público. Assim, John Singleton segura um segredo de polichinelo que se esvai por sua própria inutilidade e lógica de superfície.
Com uma carreira que se iniciou com algum prestígio, pois foi indicado para o Oscar por Os donos da rua, em 1991, Singleton parecer ter sucumbido aos apelos de um cinema apenas preocupado com um divertimento de fácil consumo. Não que isso seja ilegítimo. Mas, para um cineasta afro-americano que parecer ter abraçado as causas das ações afirmativas, esperava-se outro empenho no campo da arte cinematográfica.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
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