Miguel Pereira * - Do Portal
24/08/2011Cineasta de poucos filmes, cinco longas-metragens em quase quarenta anos de carreira, Terrence Malick já é considerado, por alguns críticos e analistas, como um artista à Stanley Kubrick. Talvez pelos métodos particulares e cuidados de produção, mas também por estar fora dos padrões tradicionais de Hollywood. No entanto, seus filmes sempre chamaram a atenção em festivais e ensaios cinematográficos. A árvore da vida, ora em cartaz no Rio de Janeiro, não foge à regra. Além de premiado com a Palma de Ouro de Cannes deste ano, tem recebido boas críticas por todos os cantos onde é exibido. Não é um filme simples e de narrativa comum. É mais uma indagação sobre o existir do que uma história narrada nos moldes dos contos ou das novelas que se passam num tempo e num espaço determinados e precisos.
O mundo reconstruído por Malick com seus personagens e situação existenciais é mais para se contemplar do que para se seguir numa continuidade com uma lógica mais explícita. Sua fixação na infância e adolescência interioranas já delimitam o lugar de sua indagação. Trata-se de um mundo que desapareceu da memória social frente ao frenético construtivismo tecnológico e arquitetônico dos dias atuais. Mas, mesmo aqui, as perguntas continuam as mesmas: quem somos, o que somos e para onde vamos. O símbolo da árvore como uma ramificação de livre curso é um pouco a metáfora da vida. São muitas as imagens, no filme, desse mundo povoado por espaços onde a natureza ainda ocupava um lugar de destaque na convivência diária nos anos pós-Segunda Guerra Mundial. São imagens poéticas em contraste com construções labirínticas contemporâneas ou alertas ecológicos de um finis terrae que vez por outra aparecem como para nos dizer: olhe para onde vamos. Essas imagens, no entanto, não nos são propostas de modo moralista, mas como indagação filosófica.
O filme de Terrence Malick nos leva a um tipo de sentimento onde a eficiência tecnológica e das engenharias tem nos conduzido a um mundo sem saída. Contemplar um espaço cada vez mais perdido pela ação predadora do homem é talvez um lugar de observação não apenas necessário, como obrigatório no percurso que hoje fazemos nesta nossa terra degradada. Mas, além desse tom ecológico evidente, o filme de Terrence Malick também nos mostra como essa história foi sendo construída. No núcleo central da sua narrativa estão as relações familiares onde um pai, pianista frustrado, impõe à mulher e filhos uma espécie de terror despótico, sob a capa de uma religiosidade formal e mal vivida. Assim, a indagação sobre o espaço físico amplia-se para o espaço humano e mostra como há uma interdependência entre os seres do universo. Aqui talvez esteja o princípio da convergência formulado por Teilhard de Chardin. E é também aqui que o sentido do religioso aflora no filme. Referências a essa abordagem não faltam e considerando a formação filosófica de Malick essas observações fazem total sentido.
A árvore da vida é um filme para se ver com todo o respeito e consideração. Ele não apenas nos encanta com suas belíssimas imagens e uma seleção musical primorosa, mas nos toca, profundamente, ao nos indagar sobre o sentido que damos à nossa própria existência.
* Miguel Pereira é professor da PUC-Rio e crítico de cinema.
"Chico – Artista brasileiro": um filme pleno e encantador
Quartinho dos fundos sob um olhar crítico e bem-humorado
'Jia Zhangke': um documentário original e afetuoso
Irmã Dulce: drama exemplar de uma vida santa, reta e generosa