Carina Bacelar e Thaís Bisinoto - Do Portal
08/07/2011Novos tempos, novos territórios para a literatura. Em meio à supervalorização das ciências exatas, campo no qual o país ainda carece de mão de obra, o debate sobre caminhos inéditos para a ciência literária (e para os profissionais dessa área) movimenta simpósios, congressos e iniciativas como a Feira Literária de Paraty (Flip). A busca por novidades no campo das letras também foi a tônica do X Seminário Internacional de Estudos de Literatura: Criatividade sem limites, dias 20 e 21 de junho, na PUC-Rio. Professores brasileiros e estrangeiros abordaram temas como as linguagens do livro na era digital e a absorção de profissionais de letras pelo ramo audiovisual. Para o professor Jeffrey Schapp, da Universidade de Harvard, os livros não só passarão para o ambiente virtual, mas sofrerão grandes mudanças na aparência e na forma como dispõem textos na internet:
– O livro, como objeto, pressupõe uma maneira de uso que pode ser transgredida. Ainda hoje a página continua a circular como um elemento de base – ressaltou.
Segundo Schapp, que se denominou “arqueólogo cultural”, há um abismo entre a coleta de informações e a apresentação, de maneira atrativa, ao público. O professor afirma que essa distância é observada na própria universidade em que leciona: enquanto o “mapeamento do conhecimento é crescente” – uma tendência geral – muitos documentos nunca foram vistos pelo público.
O grande questionamento é como pensar ferramentas que aperfeiçoam a comunicação literária. Schappy considera o formato do livro comum, dividido em páginas, ultrapassado. Para ele, as ferramentas digitais devem criar novos modos de interação social. Como exemplo, apresentou o site Diseasome. Trata-se de um mapa online, dinâmico, que mostra a incidência de doenças em vários países do mundo. Esses dados, frutos de pesquisa, são dispostos de maneira interativa. Mas poderiam estar perdidos em paginações tradicionais.
– O conceito de publicação não é único. O Diseasome pode ser um exemplo de publicação não estável. – ilustrou.
O professor de Harvard avalia que um dos grandes desafios da literatura atual remete à forma de tornar o conhecimento disponível. A era “pós-imprensa”, na concepção de Schapp, inclui novos modos de conhecimento e a expansão do conceito de "objeto de conhecimento":
– Não há mais fronteiras entre pesquisa, ensinamento e comunicação.
Se ainda temos relativamente poucas experiências que integrem obras literárias e som, isso se deve, segundo Schapp, "à herança da mídia impressa". Ele prevê que o conceito tradicional de livro tenderá a ser "flexibilizado":
– O livro será um evento. Conjugará o moderno e o histórico.
Baseado no exemplo da ferramenta Google Earth, ele observou que o texto (imagem da rua), nesse tipo de publicação, se renova constantemente. O livro, no sentido clássico, possui uma temporalidade diferente.
– A literatura contemporânea nos ajuda a transpor limites – concluiu.
Já a palestrante Rosana Kohl ponderou que o próprio livro impresso ruma para uma linguagem mais dinâmica. Ela lembrou que alguns deles já se apresentam em formatos novos, tanto de em termos de conteúdo quanto de diagramação. É o caso, por exemplo, de “Extremamente alto, incrivelmente perto”, cujo enredo consiste nas memórias de uma criança de 9 anos.
Roteiros de cinema são alternativa para profissionais de letras no mercado
Professora do Departamento de Letras da PUC, Vera Follain destacou a aproximação entre a literatura e o cinema. Mas essa relação na se limita, segundo ela, ao grande número de adaptações de livros que saem das páginas e incursionam às telas. O mercado audiovisual, ressalta Vera, tem sido uma opção a mais para os profissionais de literatura.
– Os roteiros se situam entre os planos da escrita e da imagem. Com o surgimento dos suportes eletrônicos, a relação entre elas tomou novas feições – observou a professora.
É preciso, entretanto, que esses profissionais se adpatem à linguagem do cinema e da TV, ressavou. Os roteiros, em geral, exigem simplicidade no vocabulário. Predomina, por exemplo, formas verbais no presente e nominais.
– O roteiro é, hoje, a versão moderna do folhetim – comparou a especialista, que frisou também o importante "papel da indústria do entretenimento como grande demanda" por bens culturais e profissionais que os criam.
Dificuldade de retratar as diferenças foi tom do segundo dia de palestras
No segundo dia de palestras, o eixo das discussões foi a abordagem do “outro”, da alteridade, na literatura. Como falar do “nós” sem reduzir ou massificar? Professor do Departamento de Letras da PUC, Karl Erik Schollhammer debateu a relação entre juízos de valor sobre obras literárias e gosto pessoal. Para ele, esses dois conceitos não podem ser de todo separados:
– Não adianta falar bem de determinada obra que serve à sua teoria e não aguentar lê-la – criticou.
Schollhammer destacou ainda que é preciso trabalhar criticamente o gosto, não abandoná-lo de maneira ascética, e defendeu o direito do “não gostar”. Ele sugeriu a aplicação dessas habilidades para o aperfeiçoamento da forma com a qual a crítica literária é feita na imprensa:
– O que falta na imprensa é isso. Quem realmente está falando o que pensa? Quando alguém fala mal do que o outro fez, vira o traidor da pátria. Acho isso ridículo. Há um certo medo de se dar a cara à tapa.