Gabriel Cariello - Da sala de aula
20/06/2011Ao meio dia de uma quinta-feira de junho de 2010, o sol estava a pino sobre um restaurante no Leblon, no Rio de Janeiro, onde a jovem editora de imagem Marilia Moraes encontrou para um almoço um cânone do cinema brasileiro, o diretor Walter Salles. Ela fora convidada pela cineasta Carolina Sá, a pedido do próprio diretor, que queria conhecê-la por seu último trabalho, Feliz Natal. O nervosismo de Marília atingia o ápice quando, ainda do lado de fora, ouviu: “Muito prazer, eu sou seu fã. Adorei o filme que você montou”, da boca de Walter Salles.
Feliz Natal é o primeiro filme do ator Selton Mello como diretor. Também é o primeiro da carreira de Marilia, que tinha montado curtas de amigos e trabalhado como assistente de edição. A oportunidade para assinar a montagem nasceu de uma conversa informal com Selton, que ofereceu o roteiro para ela ler. Marília, que era assistente no filme, devorou o script em uma noite e, no dia seguinte, expôs suas opiniões – e críticas. Ele gostou e fez o convite inusitado: “Topa montar comigo?” Ela topou.
A edição é a fase mais longa de um filme e uma das menos disputadas. O site Filme B, especializado no mercado brasileiro, registra 303 diretores, 172 produtores, 87 roteiristas e apenas 36 montadores cadastrados. É também a fase mais solitária, mas, em sua primeira experiência, Marilia dividiu a tarefa com Selton. “Óbvio que ele era o diretor e tinha a palavra final. Mas a minha função era fazer aquela história funcionar da melhor forma, dentro da visão dele. Foi um filme feito a quatro mãos”, conta. O reconhecimento veio em forma de prêmio no mês de estreia. Em novembro de 2008, ganhavam como melhor montagem no IV Festival de Cinema Brasileiro de Goiânia.
Marilia, que tem 28 anos, não duvida de que Feliz Natal a impulsionou no mercado. Em 2009, ela montou Construção, um filme sobre a família da documentarista Carolina Sá, e começou um trabalho sobre o artista plástico pernambucano Francisco Brennand. No ano seguinte, editou a série de minidocumentários Vozes do Araguaia, um projeto da TV Globo para divulgar uma novela. Mais uma vez, o reconhecimento: o projeto foi indicado ao Emmy Digital na categoria ficção. E agora, está terminando O Palhaço. O segundo filme da parceria com Selton Mello será lançado em agosto.
Marilia se formou em publicidade pela PUC-Rio em 2005, mas sofria com a falta de identificação com a área. Cinéfila, decidiu mudar de carreira ao frequentar o cinema ao lado do apartamento em que vivia em Botafogo. Era aluna quando foi convidada para estagiar numa produtora de trailers. “Era a propaganda do cinema”, resume. Em 2006, voltou à universidade para começar o novo curso.
Desde então, mergulha no trabalho como nos filmes das salas escuras do cinema. Tem sua própria ilha de edição em casa e também usa as ilhas específicas dos filmes – na casa do Selton Mello ou em prédios em Ipanema ou Jardim Botânico. É nesta que Marilia convive com Carolina Sá. As duas são responsáveis por Construção. “É um filme pessoal, e ela tem muita sensibilidade, ótimo para uma montadora”, diz Carolina. Durante o trabalho, as duas se divertem. Marilia diz que se esqueceu de pagar a conta de luz e o marido, o advogado Bruno Vigneron, teve que tomar banho frio pela manhã.
Eles se casaram num sítio em Nova Friburgo, cidade natal dos dois, no dia 31 de janeiro de 2009. Foi uma cerimônia especial e atípica, que celebrou também o aniversário de 26 anos de Marilia. Ideia da editora, que marcou para as 18h, imaginando a luz do pôr-do-sol como cenário do casamento e a noite para embalar a festa. Cercada de amigos cineastas, nenhum serviço de filmagem foi contratado, mas dezenas de câmeras digitais e até uma Super 8 se espalharam entre os convidados. O padre também não foi chamado – o mestre-de-cerimônias foi um arquiteto, padrinho do noivo.
“Não somos um casal convencional”, define Bruno, quando mostra a aliança prata, fosca, com design ondulado. Quem chega ao apartamento dos dois é convidado a um tour pelos cômodos, que tem parada obrigatória no banheiro. “O Robert De Niro fica me olhando”, comenta o advogado sobre o quadro com o pôster de Taxi Driver pendurado sobre os azulejos, que ele mesmo colocou. “Ele anda de terno, lê o jornal inteiro, vem comentar economia comigo e ainda seleciona as matérias que me interessam. Acho isso o maior barato”, explica a editora, sobre o marido.
Marilia acredita que o reconhecimento é fruto do trabalho, ao qual dedica seu tempo com prazer. Como editora, é uma contadora de histórias. Ela fala rápido com cortes secos e simples. São ideias que obedecem a uma sequência lógica, mas atemporal. Não é uma pessoa de datas, não sabe quando começou a namorar. “De repente a gente estava junto, de repente a gente estava junto todos os dias, de repente a gente se casou e de repente a gente está junto até hoje”, diz. Tem muitas “Marilias” dentro de si – da apreciadora de arte à paranoica com a TPM. Neste momento, todas estão focadas no trabalho, e ela até consegue eleger um filme preferido. É Amor à flor da pele, do chinês Wong Kar-Wai. “É um cinema extremamente sensorial, do tipo que eu gosto. Você sente e não precisa explicar, simplesmente vive aquilo. É do tipo que fala das coisas sem falar”. Com cortes simples, em uma sequência lógica, mas atemporal.