Na manhã de 17 de junho de 2006 – véspera da estreia da seleção brasileira na Copa do Mundo da Alemanha – paramédicos de um hotel em Vaterstetten, região da Baviera, tentavam reanimar o corpo de Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda. O esforço, porém, foi em vão: um ataque cardíaco dava fim à trajetória do humorista brasileiro. Quatro anos depois, o jornalista Guilherme Fiuza lançava a biografia Bussunda - A vida do Casseta. Ao Portal PUC-Rio Digital, Fiuza falou sobre os primeiros passos de Bussunda no humor, a intensa paixão pelo futebol e o processo de pesquisa e escrita do livro.
Portal PUC-Rio Digital: Como surgiu, de fato, a carreira de humorista de Bussunda?
Guilherme Fiuza: Ele surge como humorista em 1980, aos 18 anos. Bussunda já era tido como um cara muito engraçado nos círculos que frequentava. Marcelo Madureira, Hélio de la Peña e Beto Silva [integrantes do Casseta & Planeta Urgente!] eram estudantes de engenharia de produção da UFRJ. Eles começaram a editar uma revista de humor chamada Casseta Popular, em 1978 – inicialmente como um protesto à falta de mulheres no curso – com críticas políticas e de comportamento. Dois anos depois, os estudantes estavam sem tempo para se dedicar à revista. Por isso, começaram a procurar pessoas engraçadas e que tivessem tempo de sobra, e o Bussunda tinha exatamente esse perfil. Assim, Marcelo, Hélio e Beto o recrutaram no Posto 9, na praia de Ipanema, para ser redator da Casseta Popular.
Portal: Bussunda morreu de infarto, aos 43 anos. O humorista cuidava da saúde?
Fiuza: Até os 30 anos de idade, Bussunda nunca deu a menor atenção à saúde. Quando menino, inclusive, se recusou a colocar aparelho nos dentes, apesar das insistências da família. Após o casamento, e principalmente após o nascimento da filha, Bussunda sentiu que precisava se cuidar melhor: passou a fazer exames, controlar o colesterol, levando mais em consideração o histórico cardíaco da família. Seis meses antes de morrer, o humorista teve uma taquicardia muito forte, chegando a se internar no hospital. Todos os exames feitos não indicaram nenhum perigo a sua saúde. Bussunda, então, sentindo-se muito seguro, acabou não levando seus remédios para a Alemanha.
Portal: Em que circunstâncias se deu a morte do humorista?
Fiuza: No dia anterior ao infarto, durante uma partida de futebol, Bussunda começou a se sentir tonto e nauseado. Foi dormir cedo e teve uma noite péssima: por ter comido bastante e tomado algumas cervejas, pensou que fosse algo a ver com isso. Todos insistiram para que fosse ao médico, mas, nesse ponto, Bussunda foi teimoso: se recusou por acreditar que acabaria sendo internado, o que o faria perder a Copa do Mundo. O humorista não admitia de forma alguma não assistir à Copa, ainda mais pelo fato do primeiro jogo do Brasil ser dali a dois dias. Não foi negligência da parte dele porque, de fato, em momento nenhum houve sintomas de infarto, não parecia ser esse o caso. Foi uma tragédia, enfim, porque Bussunda estava no auge do sucesso, da felicidade familiar e profissional. A morte do humorista pareceu um pouco paradoxal para mim.
Portal: Como a morte de Bussunda repercutiu entre os demais integrantes do Casseta & Planeta?
Fiuza: Todos ficaram desesperados. Pensaram até que poderia ser o fim do grupo. Não só pela questão afetiva – todos eram amigos de longa data – mas, também, porque Bussunda era quem mantinha muito viva a camaradagem entre eles, ao trazer o equilíbrio e consenso às decisões internas. Até por que, na elaboração dos quadros humorísticos, eram comuns discussões agressivas. Desse equilíbrio, o grupo sentiu falta até o fim do programa. Não foram muito afetados na parte criativa, por serem humoristas muito talentosos, mas nunca conseguiram compensar a própria presença do Bussunda, a figura de Bussunda, que era o mais conhecido entre os integrantes: até hoje, há quem me diga que parou de ver o Casseta e Planeta Urgente! depois que ele morreu. Apesar de tudo, o grupo conseguiu seguir em frente, conseguiu sobreviver à perda do amigo.
Portal: Seria possível definir o estilo de humor de Bussunda?
Fiuza: O humor do Casseta & Planeta, como um todo, é um humor muito lógico, em parte porque a maioria dos integrantes era de engenheiros. As tiradas que Bussunda criava eram pura matemática verbal, sua mente era uma linha de montagem lógica. Uma vez lhe perguntaram “Qual lugar mais estranho em que você já fez amor?”, e ele respondeu “São Paulo”. Quer dizer, era um humorista que conseguia transmitir toda uma piada com pouquíssimas palavras. Além disso, Bussunda era um grande crítico da realidade, dos costumes, um excelente observador. As piadas sempre se referiam a fatos do cotidiano, do mundo da política. No começo de 2001, o Casseta e Planeta criou o quadro “Deputados de Programa”, como crítica ao escândalo de compra de votos no Congresso Nacional naquele ano. A Câmara até ameaçou processar o grupo. Bussunda, então, redigiu uma nota: “A intenção do programa não foi de ofender deputados nem prostitutas. Apenas quisemos comparar duas profissões que aceitam dinheiro para mudar de posição”.
Portal: Bussunda era de família judaica. O judaísmo era presente no dia a dia do humorista?
Fiuza: Ele lia autores judeus, principalmente indicados pela mãe, mas não tinha o judaísmo como fé. A fé de Bussunda era o futebol. Era o mais importante para ele, a única coisa que ele realmente levava a sério, desde menino. O humorista costumava dizer que era judeu para poder jogar futebol na Hebraica. Bussunda, flamenguista fanático, tinha verdadeira idolatria pelo Zico. Na primeira vez em que encontrou o camisa 10 – em um dos camarotes da Marquês de Sapucaí, no carnaval – Bussunda não conseguia falar uma palavra. Essa é uma prova de que o futebol era uma coisa muito séria para ele.
Portal: Como foi o processo de pesquisa e escrita do livro?
Fiuza: Eu tive a intuição de que a vida do Bussunda era tão ou mais interessante do que o personagem, de que aquela era uma grande história. Os familiares e amigos ainda estavam sob o impacto da morte dele, receosos de que um livro não conseguisse contar bem a vida do humorista. Pediram alguns dias para pensar a respeito e, depois, aceitaram servir como fontes para minha pesquisa. O trabalho de coleta de documentos e depoimentos durou oito meses. O de escrita, cinco. Foi um trabalho extenuante, que exigiu de mim um grande isolamento e imersão, o que não recomendo a ninguém. Foi uma travessia intensa e rápida, e há um lado positivo nisso: você mergulha demais no personagem. Ao longo do processo, fui ficando amigo de Bussunda, me envolvendo, conhecendo as minúcias de sua personalidade, criando um afeto e afinidade muito fortes. Ele vira seu “chapa”: você se encontra com ele todos os dias. Eu sonhava constantemente que o salvava da morte. Tudo isso foi positivo para o resultado final do trabalho, porque o leitor também vai poder se sentir íntimo do Bussunda.
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