Premiado em Cannes no ano passado (veja quadro abaixo) e em cartaz desde maio no país, o filme Homens e Deuses, do cineasta francês Xavier Beauvois, ainda desperta reflexões plurais. Tanto sobre o tema – a tolerância, simbolizada na persistência de uma comunidade de monges católicos numa Argélia comprimida entre a ditadura e a guerrilha islâmicas – quanto sobre a forma, oposta à velocidade predominante no cinema e no mundo. "A estética dessa obra está na contramão do esquema cinematográfico de hoje", observou o professor e crítico Miguel Pereira, em debate, semana passada, na PUC-Rio. Participou também do encontro o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta.
Para o professor do Departamento de Comunicação, Beauvois acerta ao optar pelo valorização do lado íntimo em detrimento da ação – ainda que, pondera Pereira, essa escolha fique em descompasso com a apreciação típica de grande parte dos brasileiros, inclinada para filmes com mais movimento, violência e diálogo.
– O filme apresenta a violência de forma ainda mais forte do que se tivesse sido exposta. Atinge ainda mais o espectador, ao preservar o lado íntimo e espiritual da história. Não é fácil produzir um filme com esse tipo de enredo e passar exatamente o que está em questão. Mas também não é fácil agradar todo o público – ressalvou Pereira.
De opinião semelhante, Dom Orani reforçou que “o filme monótono não se encaixa nos padrões da sociedade atual”. Ele acredita que, mesmo longe de ser um sucesso de bilheteria, o premiado longa contribui para aprofundar o necessário debate em torno de questões complexas:
– Nós somos estimulados pela "confusão". Um filme com pouco diálogo não terá o alcance necessário, mas é preciso refletir, ter um olhar diferenciado, o oposto do que o brasileiro é: objetivo.
Pereira acrescentou que se o filme fosse feito fora desses parâmetros, a contemplação dele não seria "ideal":
– O ritmo monástico é proposital, tem um lado de reflexão. A relação da obra com o espectador deve ser feita num ritmo mais lento. Para atingir o espectador, a espiritualidade e a poesia devem ser analisadas da maneira correta, e o diálogo passa a ser desnecessário.
O professor afirmou ainda que o viés poético de Homens e Deuses é justamente o que falta na essência dos filmes “racionais” da contemporaneidade:
– A estética cinematográfica hoje não pretende interagir de maneira espiritual com o espectador, é apenas aquilo e pronto: imagens e sons. O espectador em si já é muito racional.
Homens e Deuses (Des Hommes et des Dieux, 2010)
O filme do diretor Xavier Beauvois, vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2010 e escolhido da França para disputar um lugar no Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011, reconta o episódio real ocorrido em um mosteiro trapista na Argélia, na década de 1990. Oito monges franceses vivem em um mosteiro localizado no alto de uma montanha. Liderados por Christian, interpretado pelo ator Lambert Wilson, eles vivem em perfeita harmonia com a comunidade muçulmana local com a intenção de ajudar todos a sua volta. Ameaças terroristas surgem no local, e o exército da Argélia oferece proteção, que os monges recusam. Eles preferem levar sua vida de forma simples, em função da aceitação pacífica das diversidades entre as pessoas. Os monges passam, então, a viver em um dilema de sua missão na terra, com o risco de serem assassinados pelos terroristas e com a oposição do exército, que acredita numa possível cumplicidade entre os monges e os criminosos. As constantes reflexões silenciosas e filosóficas do filme trazem o espiritualismo e a poesia na obra cinematográfica.