Projeto Comunicar
PUC-Rio

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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Cidade

Estudante lembra as horas de desespero cercada pela água

Carolina Bastos e Igor Carvalho - Do Portal

26/04/2011

Ricardo Fleury

O temporal da noite desta segunda-feira reavivou lembranças, medos e cenas com os quais o morador do Rio se habitou anos a fio. Madrugada adentro, a média de 99,7 milímetros por hora correspondeu ao volume pluviométrico de 40 dias. A área mais afetada foi a Zona Norte, principalmente Tijuca. Embora as consequências tenham sido menos graves do que as tragédias do Morro do Bumba, em Niterói, no ano passado, e da Região Serrana – que deixaram, oficialmente, 48 e 905 mortos – a chuvarada de ontem causou transtornos em vários pontos da cidade. Como o que tornou um pesadelo interminável a volta para casa da estudante de comunicação Daniella Fleury, de 19 anos.

Quando Daniella e a amiga Sofia Arruda saíram da PUC-Rio, pouco depois das 20h, a chuva já infernizava boa parte da cidade, mas ainda era difícil imaginar a aflição pela qual passariam nas horas seguintes. Ampliado pelo aguaceiro, o habitual congestionamento na Lagoa retardava além da conta o caminho até a Tijuca, onde mora com os pais. Ao chegar à Praça da Bandeira, Daniella percebeu que os sete quilômetros restantes até a casa dela se aproximavam de um rali. Poças gigantes, trechos alagados, carros abandonados. A cena – há décadas comum naquela área – era o prenúncio de noite de desespero.

– Achei que o meu carro passaria [pela água]. De repente, percebi que começava a boiar. Mesmo sem controlar direito a direção, consegui conduzi-lo até o canteiro próximo à praça. O carro ficou na grama, numa parte mais alta. Eu e Sofia decidimos ficar no veículo até a água baixar – conta a estudante. 

Daniella viu-se ilhada, como tantos ali já ficaram – e, a despeito das promessas de sucessivas administrações públicas, tantos outros provavelmente ainda ficarão. Ligou para o pai. "Fique tranquilo. Quando a água baixar, eu vou para casa", disse ela. Mas o nível d'água subia à medida que a chuva se intensificava noite adentro. O carro, um modelo compacto, resistiu ao mar no asfalto até quase meia-noite, quando a água já invadia os assentos. Não havia tempo para desolação. Era preciso deixar o veículo e buscar refúgio. "Nesta hora, pedi ajuda a motoristas de carros maiores", lembra. O abrigo numa caminhonete duraria pouco. Seria insuficiente para protegê-las do avanço da água.

– Procuramos, então, um lugar ainda mais alto. Paramos na base do mastro da bandeira (que dá nome à praça). Estávamos com muito frio, por causa da chuva e do vento. Mal conseguia falar. Estávamos também com nojo, devido ao esgoto que nos cercava. Foi terrível. Por causa disso, voltamos para a caminhonete, mesmo alagada – justifica.

Eram três da manhã. A aflição multiplicava-se por motoristas e pedestres. Uns arriscavam transpor o aguaceiro, outros abandonavam os carros (alguns boiavam). Havia até aqueles que nadavam atrás de abrigo. "Fiquei muito assustada. Para me tranquilizar, lembrava que já visto (pela TV) situações piores".

O socorro chegaria às cinco da manhã. O pai de Daniella, Ricardo Fleury, decidiu resgatá-la por conta própria. Foi de carro "até onde deu" e depois pegou um ônibus até a Praça da Bandeira. Próximo ao destino, o coletivo caiu num buraco submerso e os passageiros tiveram de desembarcar. Para encontrar a filha, Ricardo enfrentou cem metros alagados.

– A água ficou na altura pescoço dele. Até chegarmos ao meu carro, andamos com água na cintura. Mas, a essa altura, a chuva já tinha diminuído. Com uma garrafa pet, tiramos a água do carro e conseguimos saí de lá por volta das seis horas. Ou seja, hoje de manhã.

O prefeito Eduardo Paes afirmou que “a construção de piscinões na Praça da Bandeira é um projeto de mais de 200 milhões de reais”. Segundo ele, a obra já foi aprovada para integrar o PAC, mas ainda aguarda liberação do governo federal. Deverá durar de dois anos e meio a três anos. Paes disse ainda que "a prefeitura vem buscando manter os rios que passam pela região (Trapicheiro, Joana e Maracanã) limpos e dragados, para tentar evitar o transtorno mais imediato”.

A terça-feira ficará nublada, com possibilidade de chuvas de moderadas a fortes (entre 10 a 30 milímetros). Segundo a meteorologista do Climatempo Josélia Pegorin, “não há risco de ocorrer tempestades como a de ontem”. A frente fria que provocou a intensa chuva já se afastou da cidade. A partir de quarta-feira, o sol volta, mas entre nuvens. Para o fim de semana, a previsão é de sol forte.