Carina Bacelar - Do Portal
21/03/2011Em um domingo de sol relativamente tímido, muitos cariocas (e alguns turistas) trocaram as praias pelo asfalto da Cinelândia. Queriam acompanhar, mesmo de longe, a movimentação em torno do discurso do presidente americano, Barack Obama, no Teatro Municipal. Nem o cancelamento da fala ao grande público, na quinta-feira, nem a ausência de telões arrefeceu o ânimo daqueles abnegados, curiosos, fãs, "calouros". Grande parte deles fazia a “estreia” em eventos políticos na Praça Marechal Floriano, famosa por seu histórico de manifestações e protestos, como a dos caras-pintadas e a campanha pelas Diretas Já, no anos 1990 e 1980, respectivamente.
A estudante de administração Camila Carvalho, de 20 anos, chamou o irmão mais novo e as amigas para acompanhá-la até o Centro. Ela costuma ir à região para participar de blocos, mas nunca estivera lá por um motivo “mais sério”. Embora tenha ficado decepcionada com o cancelamento do discurso público de Obama, ela esperava capturar o presidente na câmera fotográfica.
– Pela origem humilde dele, achei que ia discursar. Para mim, ele ia querer sentir o “calor do povo” – acredita ela.
Amiga de Camila, Emelin Santos aguardava por uma aparição rápida do presidente americano:
– Vim para tirar foto. Se não conseguir, vou ficar frustrada. Eu preferia estar na praia – admitiu.
Na ausência do Obama verdadeiro nas ruas, coube a outro “estreante” na Cinelândia servir, para alguns, como uma espécie de prêmio de consolação. Alex Nunes, sósia do presidente e estudante de matemática, estava caracterizado dos pés à cabeça: paletó, faixa nas cores da bandeira americana, penteado idêntico. O genérico atraia a atenção de curiosos e da imprensa, e constantemente era abordado para fotos. Alex conta que a brincadeira começou em 2008, ainda durante a campanha presidencial nos Estados Unidos.
– Todos os meus amigos, na época, me diziam que eu era igual ao Obama. Então comecei a encarná-lo em festas e eventos – lembra.
Decepcionado com o cancelamento do discurso na “versão original”, o Obama brasileiro não considera, apesar da própria caracterização, que a iniciativa tenha adquirido contornos “carnavalescos”:
– As pessoas vêm pela política mesmo, para vivenciar o momento – avalia.
Apesar da decepção causada pelo cancelamento do discurso aberto e pela falta de telões, o casal Rosa Maria e Ismael dos Reis manteve a intenção de levar a filha Rosa à Cinelândia. Era a primeira vez da jovem com um motivo político – e não cultural, como de costume – na praça histórica. Rosa reconhece que as gerações passadas “corriam mais atrás” quando o assunto era política. Ismael, que participou do movimento pelas Diretas Já no mesmo local (“uma experiência maravilhosa”) concorda com a filha:
– Essa juventude é menos politizada. Mas, com a consolidação da democracia, as lutas são outras – pondera – Em vez de protestar nas ruas, eles têm que protestar nas urnas.
Rosa Maria, professora de geografia da rede pública, conta que frequentemente vai à Cinelândia em greves e manifestações da categoria profissional. Para ela, o presidente Obama está mais desprotegido nos Estados Unidos, onde os cidadãos têm queixas contra seu governo, que no Brasil. Se pudesse pedir algo ao presidente americano, ela não hesitaria:
– Eu gostaria que ele acabasse com o visto de entrada. Fomos recusados duas vezes para visitar os sobrinhos do meu marido. Acho o processo errado, caro e sem critério – critica ela, que trouxe a família para ver Obama pelo “momento histórico, que vai ficar para a posteridade.”
Já a estudante de medicina Sabrina Alves, de 23 anos, viu na visita de Obama uma boa oportunidade fazer algo no domingo sem sair da vizinhança. Moradora do Centro, ela “gostou do movimento” no local, geralmente “bem parado nos fins de semana”. Do bairro onde vive, conhece só as histórias: jamais participara de manifestações.
– Os jovens da minha geração não se envolvem com a política. Minha amiga, por exemplo, mora aqui do lado, na Lapa, e não fazia ideia do que ia acontecer aqui hoje. Eu avisei.
Diferentemente de muitos, ela considera acertado o cancelamento do discurso aberto. Diz que entende "a preocupação da equipe de segurança americana":
– Eu, no lugar dele [Obama] faria a mesma coisa.
Se alguns jovens nunca haviam estado no local por um motivo político, observa-se algumas "iniciações" precoces ali na Cinelândia. Era o caso da pequena Vitória Eduarda, de apenas 5 meses. Ela dormia nos braços da mãe, a dona de casa Evellyn Moraes, que conta que o bebê a acompanha “desde que nasceu em todos os eventos”.
– Achei que ia ter telão. Pela receptividade do carioca, era o mínimo que poderiam botar – queixava-se.
Evellyn diz que ela e o marido, por morarem no Centro, tradicionalmente participam de manifestações e discursos na Cinelândia. Ano passado, compareceram às passeatas do Dia do Trabalhador e ao comício da então candidata à presidência Dilma Rousseff. O programa de fim de semana, admite ela, seria mais “movimentado” se Obama falasse ao povo, como era previsto:
– Acho que tudo o que fizerem aqui no Rio vira evento. Viria gente fantasiada e tudo. Não só o carioca ficou decepcionado pelo cancelamento, mas acho que todo brasileiro também. Teve gente que veio de longe só para isso – lamenta.
Foi justamente a insatisfação, e não a curiosidade ou o desejo de ocupar a tarde de domingo, o motivo que levou as estudantes Mariana Pamplona e Raíssa Cortat ao Centro. As duas usavam adesivos com os dizeres “Fora Obama!” e foram protestar contra medidas do governo americano.
– Acho até melhor ele não discursar para o povo – acredita Marina, que disse ter participado, com a amiga Raíssa, das passeatas contra o último Exame Nacional do Ensino Médio também na Cinelândia.
Segundo a jovem, falta união aos seus contemporâneos em protestos e manifestações políticas, mas também "uma melhor divulgação desses eventos":
– A gente teve que procurar uma passeata para vir hoje, não foi ela que chegou até nós. Muita gente também está desagradada como nós, mas acabou não sabendo de movimento nenhum.
Programa de cariocas no domingo, a passagem de Obama no Teatro Municipal foi incluída também em roteiros de visitantes estrangeiros. A holandesa Janine Willians aproveitou a presença do presidente na Cinelândia para conhecer o bairro, apesar não se interessar por política. De férias no Brasil com os pais, ela considerou “antipática” a restrição do discurso a um pequeno público.
– Não é nada bom ir para um país e ignorar o seu povo – argumenta.
Se o dia em que Obama discursou no Municipal representou um programa – político ou de lazer –para cariocas e turistas, para outros representou uma mudança no dia de trabalho. Garçom do Bar Amarelinho, José Geraldo da Costa acompanhava pela tevê o que acontecia no teatro, enquanto servia as mesas. Ele comemorou a maior movimentação no bar, que seria fechado de acordo com os planos originais da embaixada americana:
– Para nós, foi melhor ele não ter discursado (na praça). Ficaríamos com a casa fechada.
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