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Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Cidade

Voluntários e movimentos online reforçam onda solidária

Carolina Bastos

19/01/2011

A tragédia que matou mais de 700 e deixou cerca de 15 mil desabrigados na Região Serrana do Rio despertou diversas formas solidariedade. Aos esforços de 875 bombeiros e agentes da Defesa Civil nas áreas mais atingidas de Friburgo, Teresópolis e Itaipava, somam-se o socorro de heróis anônimos, voluntários – alguns escorados em novas tecnologias, outros movidos apenas pela abnegação – e de correntes na internet.

Há uma semana, desde que a fúria das águas devastou boa parte daquela região, os voluntários do Grupo de Resgate em Ambiente de Selva (RAS), por exemplo, ajudam os bombeiros nas áreas inóspitas, como Vale do Cuiabá e São José do Vale do Rio Preto. Eles seguem hoje para as zonas mais afetadas de Friburgo. O coordenador Alexandre Delgado conta que, para chegar a algumas partes do Vale do Cuiabá, foram necessárias aeronaves. Só assim conseguiram resgatar uma senhora de 94 anos e três crianças que estavam numa casa isolada por um rio. Retiradas com auxílio de boias e pranchas, as quatro vítimas foram transportadas pelo rio e se refugiaram na casa de parentes, em Itaipava. Refeitas do susto, passam bem.

Morador de Petrópolis, o fotógrafo Michael Lennertz, de 31 anos, também partiu para o socorro a conterrâneos isolados pelo mar de lama e escombros. Ao lado de outros dez voluntários, ele resgatou o octogenário Orestes. Sem luz e na iminência de ficar sem água e comida, o aposentado era impedido de deixar a própria casa, no Vale do Cuiabá, pela lama que cobria a rua. Michael lembra que, fora os obstáculos naturais, foi difícil convencer Orestes a deixar a casa:

– Ele não queria sair por nada, nunca vi mais teimoso. Consegui convencê-lo alegando que não tinha luz, e faltaria água e comida em breve. Depois de muita conversa, ele concordou – relata o fotógrafo.

Os voluntários fizeram uma passagem com galhos e tocos, para que Orestes não ficasse atolado na lama. O aposentado saiu sem ferimentos e foi encaminhado ao centro de Itaipava, onde recebeu atendimento médico.

A nutricionista Isabel Rodrigues Espargoli viajou do Rio até Friburgo para resgatar a madrinha Tânia Rodrigues e ajudar parentes e amigos. Como estava com o pé machucado, Tânia não conseguia deixar o prédio atingido pela enchente.  Radicada no Rio há dez anos, Isabel tentou entrar em contato com a família assim que viu na TV a calamidade na cidade natal. A única linha disponível era a da madrinha, técnica previdenciária de 48 anos. Num relato dramático, Tânia descreveu o colapso.

– Ela me disse: “Isabel, no meu prédio entrou água até o primeiro andar. Está tudo boiando, a cidade está ilhada, estamos sem luz. Ouço barulhos de fogos, coisas estourando, mas na verdade são barreiras caindo”. Aí a ligação caiu – conta a nutricionista.

Sem conseguir retomar o contato telefônico, Isabel resolveu ir até Friburgo. Partiu com o marido, o advogado Ronald Belarmino, de 42 anos, e o amigo Afonso Emerich, de 30. Para alcançar o prédio de Tânia, próximo à igreja atingida pelo deslizamento de uma barreira, Isabel, Ronald e Afonso usaram sacos de lixo amarrados nas pernas. Subiram até o apartamento da madrinha e a tiraram de lá no colo, numa espécie de “cadeirinha”.

Tânia machucara o pé numa viagem à Argentina, da qual voltou no dia da tempestade. Esperava a estiagem para ir ao hospital, mas acabou presa dentro de casa pela enchente. Ela tomava banho com a água mineral que havia restado. Como Tânia acreditava que “as condições iriam melhorar logo” (eletricidade, água e comida), o socorro oficial não foi pedido.  Só aceitou a ajuda da sobrinha quando percebeu que a infecção no pé havia piorado.

Além de resgatar a tia, Isabel ajudou muitos moradores com o auxílio da internet. Por meio da rede social Facebook, a nutricionista recolheu mantimentos e os transportou em dois caminhões.

Solidariedade online

A internet revelou-se um instrumento importante na onda de solidariedade. Numerosos movimentos online reforçam a ajuda aos desabrigados. Como o Projeto Enchente, que indica locais de doações e apresenta informações sobre áreas de risco, deslizamentos, cuidados.  A iniciativa da publicitária Cristiana Soares começou da microrrede social Twitter e avançou para uma página específica na internet. O objetivo, explica Cristina, é “fazer uma conexão entre os necessitados e aqueles que podem ajudar de alguma maneira”.  

Redes de compras coletivas, Groupon e Bazar de Ofertas, aderiram à corrente solidária. Inclui nas “promoções” do dia a doação de R$ 5 às vítimas da enchente. No Groupon, o dinheiro é direcionado à Cruz Vermelha. Para cada doação online, a empresa doará uma garrafa de água de um litro.

Ainda na internet, o projeto “Eu amo a serra”, criado pelo publicitário Tiago Lima, também se volta para o socorro às vítimas. Inspirada no movimento “I Love Rio”, criado após a pacificação da invasão do Complexo do Alemão, iniciativa promove shows de artistas de Petrópolis com o objetivo de arrecadar mantimentos.

 

Socorro aos animais

O Projeto Pêlo Próximo direciona o socorro para os animais atingidos pela tragédia na Região Serrana. Arrecadou mais de dez toneladas de ração, água e comida. A coordenadora Roberta Araújo justifica o esforço voluntário:

– Muitas pessoas já ajudam os seres humanos. Os animais acabaram ficando em segundo plano, e foi aí que surgiu o Pêlo Próximo.

 Veterinários são dirigidos a locais de difícil acesso, onde animais também lutam contra condições precárias. A parceria com o Petrópolis Dog Resort garante abrigo a bichos perdidos, desorientados pela devastação.  O resort já acolhe 400 cachorros, sob os cuidados de especialistas e do dono, Marcelo Saad.