Carina Bacelar - Do Portal
24/11/2010O terror imposto ao carioca pelos ataques em série iniciados no domingo – e estendidos a 12 veículos incendiados só na madrugada e manhã desta quarta-feira – ancora-se em mais elementos do que a suposta união entre facções criminosas apontada ontem pelo secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame. Segundo o titular da Delagcia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas, a reação de bandidos às Unidades de Polícia Pacificadora vem provocando uma aliança também entre traficantes e chefes de milícia. O diagnóstico, apresentado na palestra sobre segurança pública, sexta-feira passada, na PUC, indica o risco de um contra-ataque articulado em conjunto pelas forças que disputam território e poder nas comunidades. O debate reuniu também o ex-secretário de Segurança Nacional Luiz Eduardo Soares e o ator Rodrigo Carmelot, intérprete do policial Formoso no filme Tropa de Elite 2.
Para Ferraz, a onda de violência que aflige o carioca é “algo além do previsto”. Ele classifica as ações como “ataques terroristas” e admite que se trata de uma reação à política das UPPs. Ele pondera, no entanto, que os traficantes, ao se sentirem ameaçados, estariam legitimando as políticas de segurança do atual governo:
– Se os bandidos não reagissem, a estratégia estaria errada.
As Polícias Militar e Civil destacaram efetivo dobrado para enfrentar as ações violentas. Blitzes em vários pontos da cidade e operações em favelas (22, só na segunda e na terça) tentam conter os ataques, prender os responsáveis e devolver a sensação de paz.
Ferraz ressalva que essa luta exige providências em outras esferas, como o tratamento dispensado aos usuários de drogas na área da saúde. No âmbito policial, o aumento da vigilância, a implantação das UPPs e a transferência de chefes do tráfico encarcerados para outros estados compõem o pacote básico contra o tráfico. O novo cenário, afirma ele, vem acompanhado de uma reconfiguração das forças criminosas, na qual se processa a aliança entre traficantes e milicianos. Segundo o delegado, apesar de as milícias terem se firmado nas comunidades com um discurso de combate ao tráfico, agora passariam a ser “aliadas” contra um inimigo comum: a UPP.
Segurança pública em debate
No debate da sexta-feira, a questão das milícias, trazida à pauta pelo sucesso do longa-metragem de José Padilha, ocupou grande espaço nas discussões. O delegado Ferraz destacou a semelhança com a máfia italiana: a sociedade civil paga para que uma instituição a proteja de suas próprias ações.
– O miliciano procura se impor ostentando quem é, ao contrário do tráfico, que trabalha na surdina. As marcas de execução que deixam nas vítimas são como uma identidade corporativa em um ambiente de recrutamento – comparou.
Já Luiz Eduardo Soares abordou a tetralogia de livros da qual faz parte “Elite da Tropa” – obra que inspirou os dois filmes Tropa de Elite. Ele observou que, originalmente uma trilogia, a série ganhou um livro a mais, ainda sem título, que tratará mais a fundo das milícias e dos dilemas morais dos policiais.
Luiz Eduardo levantou o tema da legalização de drogas como uma das possíveis soluções para a criminalidade urbana no Rio de Janeiro. Para ele, nenhuma polícia do mundo será capaz de, em uma sociedade democrática, reprimir o tráfico de drogas:
– É impossível acabar com um processo onde há interesse na venda, na distribuição e no consumo. Tratar a droga com polícia não é benefício para a sociedade – acredita ele.
Rodrigo Carmelot contou que, por influência da mãe, socióloga, sempre se interessou por discussões sobre segurança pública. Por causa desse interesse, chegou a cursar direito na UERJ, mas trancou para se dedicar às artes cênicas. Rodrigo lembrou que, nas gravações de Tropa de Elite 2, foi grande a preocupação em resguardar o roteiro:
– Na preparação com a Fátima [Toledo, preparadora de elenco do longa], a gente fazia as cenas fragmentadas. Não tínhamos noção da trajetória das personagens.
Na visão do ator, as pessoas saem do filme com vontade de discutir o assunto. Acredita que isso se deve, em grande parte, à coragem do diretor de "explicitar certos pontos" e nas atuações “naturalistas” do elenco – cada vez mais comuns, segundo ele, no cinema brasileiro.
Assim como Rodrigo, Luiz Eduardo Soares não acredita que o filme passe uma mensagem de descrença:
– O abrir de olhos do filho do Capitão Nascimento, na cena final, para mim significa um renascimento. Há uma transformação em curso.