“O debate sobre as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) é muito mais complexo do que a discussão se a polícia é boa ou não”, disparou o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), na mesa redonda sobre Segurança Pública e Direito à Cidade: Pronasci e UPPs, realizada no dia 27 de maio, no campus da PUC-Rio. O debate foi organizado pelo Departamento de Sociologia e Política e pelo Centro de Estudos de Direito e Sociedade do Iuperj.
Atualmente, há UPPs em sete favelas do Rio de Janeiro: Cidade de Deus, Babilônia, Chapéu Mangueira, Santa Marta, Jardim Batan, Pavão-Pavãozinho e Cantagalo. Segundo o deputado, a discussão em torno das unidades de polícia está relacionada a uma nova concepção de cidade e a assuntos polêmicos como a construção de muros, de barreiras acústicas e a remoção nas áreas de risco.
– A palavra “remoção” é utilizada apenas para cadáver, lixo e favela. Isso é sintomático. Me preocupa muito a ideia de que, por meio da polícia, vamos colonizar as favelas. Levar o modelo de civilidade que queremos para os outros, para os “bárbaros” – disse – O problema é que nenhum projeto que recai sobre a favela é debatido antes com a própria favela.
Ele ressaltou que questionar as UPPs não significa optar pelo tráfico de drogas. Para Freixo, não é possível conciliar a polícia que pacifica e a polícia que mata.
– Hoje, a polícia do Rio mata três pessoas por dia. O “caveirão” (veículo blindado utilizado pela polícia) entra todos os dias
Segundo ele, dos 26 projetos previstos pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) para o Rio, apenas dois foram viabilizados: a compra de um helicóptero blindado e veículos para a Delegacia da Mulher. “Entre o que se propõe e o que é feito, existe uma grande distância”, disse o deputado, que também é presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara estadual. Freixo citou a descrição que Euclides da Cunha fez de um momento da Guerra de Canudos, no livro Os sertões: “Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados”.
– Isso nos lembra a atual lógica militar. Apenas com soldados raivosos é possível lidar com os diferentes, com os que desafiam a ordem – provocou.
O professor do Departamento de Sociologia e Política Marcelo Burgos, mediador da mesa redonda, acredita que há um vínculo estreito pouco discutido entre o Pronasci e as UPPs. Implantado em 2007, o programa atua em 22 estados e tem o objetivo de reduzir a violência urbana, unindo políticas de segurança e ações sociais. Uma das exigências básicas do Pronasci é a criação de conselhos de segurança pública e de planos municipais de segurança.
– Concordo com o governador Sergio Cabral quando diz que o Pronasci é uma espécie de pai e mãe das UPPs – afirmou – Por causa das Olimpíadas, principalmente, o tema da ordem está posto mais para o Rio do que para o Brasil. A ordem, claro, é bem-vinda, desde que não limite a liberdade. A “politização” das UPPs é perigosa. Logo, o debate deve ser aprofundado.
Para o presidente da Associação de Moradores do Bairro Peixoto, Juliano Vianna, vivemos um período de reconstrução do Rio. Vianna também é membro do Círculo Cultural da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, e acredita ser necessário que os moradores se manifestem na cena política, “se não nada muda”.
– O problema das UPPs não está nas unidades em si, mas em seu entorno, nas comunidades cujas associações de moradores se voltam apenas para os benefícios sociais obtidos por meio das ONGs – afirmou.
De acordo com a antropóloga da UFF Gláucia Mouzinho, a atual política de segurança pública do Rio não é nova, começou a ser elaborada no plano de segurança do governo Fernando Henrique Cardoso.
– Essa é uma política de continuidade. Se vai dar errado como aconteceu com a saúde pública é outra questão – disse a pesquisadora.