Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


Cultura

História real de uma transgressão

Letícia Simões - Do Portal

04/01/2008

“O Rio de Janeiro é nosso”, grita Selton Mello, ou melhor, João Estrella, protagonista de “Meu Nome Não é Johnny”, dirigido por Mauro Lima e produzido por Mariza Leão, que estréia nos cinemas nesta sexta-feira, 4. A primeira exibição do filme aconteceu no lotado auditório do RDC da PUC-Rio e contou com a presença do próprio João. Emocionado, o hoje produtor musical não sabia se ria ou chorava. “É tudo muito louco – eu já estou vivendo outra vida, e construindo essa de novo”. João Guilherme Estrella foi preso em 1995, acusado de tráfico de drogas. Foi condenado e passou dois anos em um manicômio. Antes de chegar ao cinema, sua história foi contada no livro homônimo do jornalista Guilherme Fiúza, que elogiou o filme:

- Achei legal isso: olhar para a história do João como uma história de uma pessoa comum, que a partir de um determinado momento é levada a uma forma de transgressão. A transgressão pode ser destrutiva ou criativa – no caso do João continha afeto, carisma, amizade e desejo de liberdade.

“Meu Nome Não é Johnny” custou R$ 5,5 milhões e partiu do encantamento de Mariza pelo livro. Trinta e seis horas depois de tê-lo lido, decidiu fazer o roteiro. O que mais chamou a sua atenção, ela disse, foi a possibilidade de contar uma história contemporânea, que falava de um universo urbano, de uma classe social próxima à dela. Depois de convencer o próprio João – ele tinha mais produtores interessados – o próximo passo foi convidar Selton para o projeto. Ela já havia trabalhado com ele em outras produções e não tinha dúvidas sobre quem interpretaria um personagem tão controverso. Para tudo ficar perfeito, só faltava o diretor.

Ao mesmo tempo em que a notícia da procura de um diretor rodava a distribuidora Sony Pictures, a produtora ouviu falar de Mauro Lima. Ele estava trabalhando em “Tainá 2 – A Aventura Continua” pela Columbia (filiada à Sony) e se interessou pela história. Candidatou-se, Mariza o adorou e ele foi escolhido. Equipe formada, direitos nas mãos, atores escolhidos: o último passo foi a captação de recursos – o processo mais demorado. Foram dois anos indo atrás de empresas e pedindo patrocínio até partir para as filmagens, em 2006.

 Selton – que está finalizando seu primeiro filme, “Feliz Natal”, em fase de montagem – não quis imitar João Estrella. O ator quis compor o seu próprio personagem. Leu o livro, conversou com amigos dele e ouviu as histórias para depois juntar tudo isso no bem humorado e inconseqüente traficante. O ator empregou uma leveza – e carisma – ao personagem típico do estilo Selton Mello de atuar. Outro talvez tivesse pintado um João Estrella mais dramático, contrastando com o estilo do filme. Para uma das cenas mais difíceis, porém, ele fez algo diferente: conversou a sós com o próprio.

Mariza e Mauro sempre tinham dúvidas sobre o texto da cena do julgamento: o que João teria dito para convencer Marilena Soares, uma das juízas mais rigorosas do país, de que era um usuário sem limites, mas não um traficante? Selton explica:

- Eu cheguei no dia de fazer a cena, sem decorar texto nenhum, falei com o João, e fui filmar. E disse: Mauro, roda aí que eu já sei. E vou falar com as minhas palavras, do jeito que eu estiver sentindo. Acho uma cena linda. Foi e é uma experiência muito emocionante ter feito esse trabalho.

O produtor musical confessou ter ficado extenuado com tanta emoção, e muitas vezes não viu as gravações das cenas mais doídas, como a do próprio julgamento. Na PUC-Rio, o debate esquentou com a crítica de um aluno de uma suposta superficialidade do filme, de não aprofundar temas como reforma carcerária e legalização de drogas. “A história particular já está fazendo você tocar nesse assunto”, alegou João. Mauro Lima completou dizendo que a obra cinematográfica não é um comício e a história de um homem pode e deve ser contada. Mariza terminou citando o cineasta Humberto Cavalcanti: “Faça um filme sobre uma carta. Jamais sobre os Correios”. Amenizando o clima, Selton disse: “Se antes eu estava cheirando o ralo, agora estou cheirando todas”. A platéia veio abaixo.

Além de Selton Mello, “Meu Nome Não é Johnny” conta com Cleo Pires, Julia Lemmertz e André DiBiase. A trilha sonora é assinada por Fabio Mondego, que uniu sintetizadores, música eletrônica e Caetano Veloso em uma nada repetitiva e surpreendente trilha sonora. Ainda emocionada, Mariza Leão encerrou o debate dizendo que, apesar de já ter produzido muitos filmes, aquele era o seu projeto mais autoral. E resumiu: “Eu gosto da vida que tenho fazendo cinema”.